{rscomments on}France Press/Portal Terra
Depois de 25 anos da estreia de O Beijo da Mulher Aranha em Cannes, Hector Babenco confessa que retorna “muito tranquilo” ao festival, ao apresentar, com a atriz Sonia Braga e o produtor americano David Weisman, a versão remasterizada de seu filme, que inaugurou nesta quinta-feira a sessão Cannes Classics.
Quatro anos depois de Pixote, a Lei do Mais Fraco, de 1981, o filme de Babenco “foi uma bomba” em 1985, e agora “venho muito tranquilo, alimentado pela ideia de que há diversas gerações que não viram o filme, que nem sequer ouviram falar dele”, explica Babenco à AFP.
O diretor argentino radicado no Brasil, que em 2003 competiu pela última vez em Cannes com Carandiru, outro filme no ambiente carcerário, acha positiva a ideia de dar uma vida nova “aos filmes que tiveram um momento muito forte”.
Ao próprio diretor de 64 anos, a perspectiva de voltar a ver sua obra dá “um pouco de frio na barriga”, apesar de afirmar que o filme é “como um material orgânico, que tem seu peso específico, devemos deixá-lo viver tal como foi concebido, não se pode fazer um lifting”.
O Beijo da Mulher Aranha, cujo negativo estava em condições ruins, foi restaurado em Los Angeles, o som passou de estéreo para Dolby, e será projetado em Cannes no formato digital. A distribuidora Carlotta Films exibirá o filme na França durante o outono no Hemisfério Norte.
O projeto de O Beijo da Mulher Aranha foi “uma vida”, lembra agora Babenco. “Foi muito difícil todo o gesto, cinco ou seis anos desde a primeira intenção de adaptar a novela de Manuel Puig, gigante, emblemática, até o momento da estreia”.
Babenco diz que Weisman foi o único produtor que se atreveu na época a um projeto que previa 80% dos diálogos dos personagens dentro de uma cela.
“O filme trabalha com dois níveis narrativos muito claros. Por um lado, o realismo das situações que os personagens estão vivendo, e depois o universo da fantasia. A força do filme vem de uma combinação quase perfeita do lado metafórico, romântico e ingênuo, de sonhar acordado, em contraposição com a dureza do momento que estão vivendo”, explica.
O cineasta lembra que “a maestria vem de Puig e do roteirista Leonard Schrader, que soube interpretar o livro, extrair dele os momentos mais fortes, sem perder em nenhum momento a narrativa do autor, o que foi um casamento feliz”.
Babenco lembra de Raul Julia, a revelação de O Beijo da Mulher Aranha, junto com William Hurt e Sonia Braga. O ator porto-riquenho morreu em 1994 aos 54 anos. “Tinha muita vida, era alegre, grande em seus gestos, de uma humildade enorme”, comenta.
Em seu livro, publicado em 1976, Manuel Puig trata o aspecto político de forma “muito ficcional e não localizada, e em alguns países da América Latina esse contexto continua, com o chavismo, com esse pensamento de esquerda ortodoxo que não conseguiu chegar ao poder nos anos 1960, as coisas não estão muito diferentes agora na América do Sul”, opina.
“Na América Latina, vivemos em um estado de barbárie em alguns setores porque a sociedade enriqueceu, mas só 10% da sociedade enriqueceu. A pobreza, a miséria e a exclusão ainda são enormes, a violência, as drogas estão muito presentes, e os Estados mostram-se inoperantes, como sempre”, afirma o cineasta.