Por um trabalho doméstico decente

Rebeca Reichmann Tavares
Doutora em educação pela Universidade de Harvard e representante do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) no Brasil e no Cone Sul

O trabalho doméstico é uma atividade produtiva fundamental para a geração de riquezas, pois representa cerca de 4% a 10% da força de trabalho dos países em desenvolvimento. Possibilita a administração de residências e famílias, a dedicação e a permanência, especialmente das mulheres, no mundo competitivo do mercado de trabalho. A categoria é composta majoritariamente por mulheres, reunindo 93,6% de profissionais. São 15,8% da força produtiva feminina total do mercado de trabalho brasileiro, perfazendo 6,2 milhões de trabalhadoras.

A origem do trabalho doméstico na América Latina decorre do período da escravização indígena e negra, quando o trabalho braçal ganhou valoração negativa em decorrência do processo de colonização racista. No Brasil, o fim da escravização negra não significou inclusão nos postos de trabalho assalariado, reservados aos imigrantes europeus e asiáticos. Foi a atuação das mulheres negras no trabalho doméstico que assegurou o sustento das famílias negras no pós-abolição, enfrentando condições precárias de trabalho marcadas pela herança escravista e patriarcal, baixa remuneração, violação de direitos sociais e assédios sexual e moral.

A luta pela valorização da profissão do trabalho doméstico e a conquista de direitos dessas trabalhadoras é antiga no Brasil. Começou em 1936, sob a liderança de Laudelina dos Campos Melo, trabalhadora doméstica e ativista do movimento negro, com a fundação da primeira Associação de Trabalhadores Domésticos do país. De lá para cá, a organização política das trabalhadoras domésticas se consolidou por meio da criação de entidades representativas e sindicatos.

Com a Constituição Federal de 1988, a categoria assegurou importantes direitos trabalhistas, tais como férias, licença-maternidade, salário-mínimo e aposentadoria. Entretanto, os direitos trabalhistas constitucionais são parciais, devido à não obrigatoriedade do pagamento de horas extraordinárias à jornada de trabalho mínima diária, do salário família e do seguro-desemprego, além de conferir caráter facultativo ao recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Condicionam, portanto, o atendimento às necessidades vitais básicas das trabalhadoras domésticas, grande parte responsável pela chefia de suas famílias.

Conforme dados do IBGE, em 2008, o trabalho doméstico concentra 20,1% da força de trabalho das mulheres negras e 12% de mulheres brancas, amarelas e indígenas. Já o estudo Retrato das desigualdades de gênero e raça, produzido em 2007 pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem Brasil e Cone Sul), 30,5% das mulheres brancas ocupadas no trabalho doméstico tinham carteira assinada, realidade semelhante para menos de um quarto das mulheres negras.

Partindo desse quadro, a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) centra energia na mobilização da categoria, de setores da sociedade civil e do governo brasileiro para a formulação de proposta de emenda constitucional para isonomia de direitos trabalhistas. Ao lado da Confederação Latino-americana e Caribenha das Trabalhadoras Domésticas, a Fenatrad tem participado ativamente das articulações políticas para incidência no processo da 99ª Conferência Internacional do Trabalho, que acontecerá em julho deste ano, em Genebra.

Nesse contexto, o Unifem, por meio do Programa de Incorporação das Dimensões de Gênero, Raça e Etnia nos programas de combate à pobreza desenvolvido na Bolívia, Brasil, Guatemala e Paraguai, considera estratégico o fortalecimento da organização política das trabalhadoras domésticas, visando a sua autonomia e o exercício dos seus direitos econômicos. Prestamos assessoria técnica e financeira para incidência política da categoria em fóruns nacionais e internacionais, análise de indicadores socioeconômicos, produção de informação e campanhas em prol da regulamentação do trabalho doméstico, a exemplo da recém-lançada Respeito e dignidade para as trabalhadoras domésticas — Uma profissão como todas as outras.

Convidamos toda a população brasileira a somar esforços para que o trabalho doméstico seja elevado à condição do trabalho decente, por meio da igualdade de direitos e valorização da categoria no exercício cotidiano de suas funções, tão importantes para o desenvolvimento socioeconômico do país.

 

artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 1/5/2010

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