Luciano Martins Costa, – Observatório da Imprensa
A decisão do Supremo Tribunal Federal de rejeitar, por sete votos a dois, o pedido de revisão da Lei da Anistia, encaminhado pela Ordem dos Advogados do Brasil, é tema de primeira página de todos os jornais de circulação nacional nas edições de sexta-feira (30/4).
Promulgada em 1979, a lei consolidava um acordo que viria a permitir a retirada do poder dos chefes militares que se sucediam na Presidência da República desde 1964. Com o desgaste do regime, os ideólogos da ditadura impuseram à oposição consentida da época um acordo de esquecimento em troca da reabilitação de cidadãos cujos direitos políticos haviam sido cassados por força dos atos institucionais.
A decisão do STF vai na contramão do entendimento das cortes internacionais, que não aceitam a anistia de crimes contra a humanidade.
Na época, era comum a imprensa se referir à “sociedade civil organizada” como referência da opinião pública que contava – ou aquele conjunto de forças políticas que negociava com os militares um final sem traumas para o regime que desmoronava.
Longe das decisões
Foi a segunda ditadura mais longa do período na América Latina, apenas mais curta do que o regime cubano. Centenas de pessoas foram mortas e desapareceram nos órgãos de repressão, milhares foram perseguidos e o arcabouço institucional do Brasil virou de pernas para o ar.
Ainda hoje o país enfrenta sequelas daquele período autoritário. Uma delas é o temor de ajustar as contas com a História.
A imprensa, que foi parte influente nesse acordo, sempre se recusou a vasculhar os crimes da ditadura. Muitos dos políticos que apoiaram o regime militar se tornaram personagens diletos do noticiário e fontes de opinião de jornais e revistas.
O jogo do poder segue sendo partilhado pelas mesmas forças que articularam a anistia e a reorganização institucional que se seguiu. A mesma “sociedade civil organizada” conduziu, na década seguinte, a Constituição que viria a compor o arcabouço legal do Brasil redemocratizado.
Na época em que se deu essa negociação, quase metade da população brasileira vivia em condições de pobreza, ocupada com a própria sobrevivência, e, por isso, alienada das decisões políticas. Os acordos da chamada “sociedade civil organizada” contemplavam os interesses da outra metade.
Dormir em paz
O Brasil mudou desde então. Grande parte daqueles que eram os excluídos forma agora a nova classe média, a fatia predominante na sociedade. Esses devem acompanhar com estranheza a decisão do STF, como se estivesse acontecendo em um país estrangeiro. É nessas famílias que recai a herança violenta da ditadura, por meio da truculência policial que restou das escolas de tortura.
Os torturadores do tempo da ditadura podem dormir em paz, sem medo da Justiça. Assim como dormem em paz os torturadores e assassinos dos tempos democráticos.
(Envolverde/Observatório da Imprensa)