Alberto Dines, do Observatório da Imprensa
A Folha de S.Paulo terá cometido um sacrilégio na terça-feira (20/4) ao destacar a foto do monsenhor Luiz Marques Barbosa, 82 anos, condenado em Arapiraca a prisão domiciliar por pedofilia?
Sacrilégio cometeu a mídia brasileira desde o dia 11/3 – 40 dias! – ao ignorar e abafar o escabroso caso denunciado pelo jornalista Roberto Cabrini no programa Conexão Repórter, do SBT. O sacrilégio avolumou-se no dia 20/3 – há 30 dias – quando o semanário Veja contou a história do padre-pedófilo, tintim por tintim, sob o título “Ferveção em Arapiraca” (edição 2157, pág. 100).
É possível que os concorrentes do SBT não prestem atenção ao telejornalismo da rede de Sílvio Santos. O apresentador abomina o jornalismo, isto é publico e notório. Mas não é possível acreditar que todos os pauteiros e todos os chefes de reportagem do país também abominem os deveres dos jornalistas ao ignorar ostensivamente a matéria de uma página num semanário de notícias que vende 1 milhão de exemplares e tem três milhões de leitores.
Este Observatório da Imprensa tratou do assunto, mas este Observatório foi declarado inexistente pela grande mídia desde que começou a denunciar o poder da Opus Dei nas redações brasileiras (ver “Crimes sem punição”, “Começou o outono ou é uma primavera?”, “A ‘Legião´ desmorona, ninguém noticia” e “Entre o silêncio e o crime”).
Listas públicas
O “sacrilégio” da Folha não aconteceu por acaso. O escândalo de Arapiraca foi notícia na imprensa mundial – do diário esportivo português A Bola ao prestigioso semanário britânico The Economist. Aos poucos os comissários da Opus Dei instalados nas redações viram-se obrigados a abrir as torneiras do noticiário. A pedofilia praticada por sacerdotes católicos no Brasil finalmente saiu do armário. O sigilo clerical começou a ruir.
Este mesmo sigilo – e não os votos de castidade e celibato – tem sido o grande vilão da Igreja. Quando em 1536 foi estabelecida a Inquisição em Portugal e Brasil, o crime da pedofilia não existia – o ato infame era chamado genericamente de sodomia.
O Santo Ofício não foi criado para punir aberrações e desvios de comportamento na comunidade católica, o inimigo a ser aniquilado era externo, o cristão novo judaizante (convertido que praticava em segredo as antigas crenças).
Fixada raivosamente na extinção desta heresia, a Santa Madre Igreja acabou por transigir em questões morais. Preferiu a indulgência à disciplina. O primeiro Auto da Fé em Lisboa realizou-se em 1540 e nos 70 anos seguintes os penitenciados eram majoritariamente heréticos e bruxos.
Só em 1611, aparentemente, surge o pecado nefando. No Auto da Fé em Lisboa, de 31/7/1611, foram relaxados (= executados) três homens por sodomia. No Auto seguinte, em 16/2/1614, aparecem outros dois réus pelo mesmo pecado/crime e o mesmo castigo. Como os réus não eram sacerdotes, a procissão e a execução se realizaram em Autos Públicos, abertos, com os nomes dos penitenciados e respectivas culpas publicados em listas (inicialmente manuscritas, depois impressas).
Causas de perdição
Só em meados dos anos 1700 começaram a aparecer sacerdotes sodomitas ou solicitantes (que solicitavam favores sexuais na hora da confissão), punidos geralmente com penas brandas em Autos Privados, fechados ao público.
Na primeira incursão da Inquisição portuguesa às terras brasílicas (Bahia, 29/7/1591), apareceu o padre Frutuoso Álvares, de Matoim, para confessar ao Visitador Heitor Furtado de Mendonça e à sua comitiva que há 15 anos praticava atos torpes e tocamentos desonestos com 40 pessoas, inclusive mancebos [Ronaldo Vainfas, As confissões da Bahia, Companhia. das Letras, 1997].
Hipocrisia e onipotência são as matrizes da estratégia do sigilo que tantos males causou à Igreja no fim do século 20 e ainda causa neste início do 21. O Sumo Pontífice Bento 16 declara-se ferido. Mas a Igreja, como instituição atemporal, não tem outra alternativa senão atualizar-se. E se convencer de que o sigilo e a censura foram a sua perdição.
(Envolverde/Observatório da Imprensa)