HONDURAS: 'Se intensificaram as violações aos direitos humanos no governo atual'

Adital – Detida pela Polícia Nacional em dezembro de 2009, a escritora Rebeca Becerra continua sendo vítima de perseguição pelo atual governo, eleito com o auspício do Golpe de Estado, que transformou Honduras em um palco de violações aos direitos humanos, desde 28 de junho do ano passado. O motivo: Rebeca mantém seu posicionamento político contrário ao regime que já deixou tantos mortos e feridos e um país inteiro carente de democracia e liberdade.


Nesta entrevista a ADITAL, a escritora, que também assumia um cargo no governo legítimo de Manuel Zelaya, conta sobre a perseguição que agora se estende a sua família e suas filhas. Fala, ainda, sobre a situação em que se encontra o país.

“O que posso assegurar é que as violações aos direitos humanos se intensificaram no atual governo. Hoje somos vítimas de um governo que advoga “pela reconciliação nacional”. Mas já assassinou até agora neste governo pessoas que estavam muito comprometidas com a Frente Nacional de Resistência Popular, temos pessoas ameaçadas de morte e tentativas de homicídio, temos um exército nacional rodeando e assediando aos campesinos do Movimento Unificado do Baixo Aguán (Muca)”, afirma.


Adital – Recentemente você e suas filhas foram vítimas de perseguição e assédio. Tem sido uma prática comum adotada pelo governo de Porfirio Lobo contra as pessoas que rechaçaram o golpe?

Rebeca Becerra – Em meu caso o assédio e a vigilância começaram dias depois do golpe de estado [28 de junho de 2009], devido a minha posição política contra semelhante ato. Somei-me às marchas de resistência ao mesmo tempo em que escrevia artigos contra o regime. Como aos 15 dias de golpe de estado fui despedida ilegal e arbitrariamente da Secretaria de Cultura, Artes e Esportes do cargo que ocupava como Diretora Geral do Livro e do Documento, a demissão foi efetuada pela ministra de fato Myrna Castro. Logo fui detida pela polícia nacional junto com mina filha menor (6 anos) em dezembro de 2009 quando me aproximava da secretaria de Cultura para realizar uma formalidade administrativa. Os elementos da polícia nacional foram chamados por Myrna Castro e Virgilio Paredes (então Gerente Administrativo da dita Secretaria e hoje Gerente do Instituto Hondurenho de Antropologia e História); acusaram-me de subtração de documentos públicos.

Agora durante o governo de Porfirio Lobo segue o assédio e a vigilância contra minha pessoa e, portanto, contra minhas duas filhas menores de idade. Isso se intensificou logo que compareci no mês de fevereiro a um encontro da Promotoria Especial de Direitos Humanos para discutir sobre meu caso e ver como se implementariam medidas de segurança para minha pessoa e minha família, já que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a estava solicitando ao governo de Honduras, depois que se apresentou a este organismo por meio do Comitê para a Defesa dos Direitos Humanos (CODEH), o outorgamento de medidas cautelares a minha pessoa.

O que posso assegurar é que as violações aos direitos humanos se intensificaram no atual governo. Hoje somos vítimas de um governo que advoga “pela reconciliação nacional”. Mas já assassinou até agora pessoas que estavam muito comprometidas com a Frente Nacional de Resistência Popular, temos pessoas ameaçadas de morte e tentativas de homicídio, temos um exército nacional rodeando e assediando aos campesinos do Movimento Unificado do Baixo Aguán (Muca).

Adital – Você elaborou varias denuncias sobre o ocorrido. Obteve alguma resposta concreta por parte dos órgãos do governo?

Rebeca Becerra – Denunciei meu caso a todos os organismos de direitos humanos em Honduras: Comitê para a Defesa dos Direitos Humanos (Codeh), Comitê de Familiares de Detidos e Desaparecidos de Honduras (Cofadeh), Comissionado Nacional para Defesa dos Direitos Humanos (Conadeh), Promotoria Especial de Direitos Humanos, Promotoria Especial da Infância.

Denunciei que minhas filhas foram vítimas da repressão durante o golpe de estado e seguem sendo vítimas agora no governo de Porfirio Lobo; Outros filhos e filhas de membros da resistência se encontram na mesma situação ou pior. O assédio, a intimidação e a perseguição sistemática levam à privação da liberdade. Os danos psicológicos a longo prazo fazem parte também destes atos. Chegamos ao ponto de ter que tomar decisões denunciar, demandar, fazer com que te escutem, que saibam o que ocorre, buscar justiça ou calar e permanecer em silêncio por temor. De que maneira, então, se pode defender tua vida e a de tua família, calando ou denunciando? Se calas, pode ser que te deixem em paz e pretendas esquecer o acontecido; se denuncias, pode ser que tomem outros tipos de ações mais perigosas contra você e sua família. Não há confiança nos organismos de direitos humanos do Estado.

Em meu caso, tive o apoio incondicional do CODEH y do COFADEH, de organizações e redes internacionais, o apoio de hondurenhas e hondurenhos que integram a Resistência. De parte do Estado da Promotoria Especial de Direitos Humanos procedeu a investigação do meu caso, foi nomeado um promotor, foram chamados a dar depoimentos tanto os que estiveram presentes no momento de minha detenção como os que me detiveram e as e os demandados envolvidos em minha captura no mês de dezembro junto a mina filha mais nova. Igualmente a Promotoria negociou comigo medidas de segurança para minha pessoa e minha família, medidas que recusei porque me parecem mais arriscadas que de proteção.

Recorri ao Unicef para deixar registrada a violação aos direitos humanos de minhas filhas, apesar de que eles não são um órgão onde se admitem denúncias, eu o fiz como modo de buscar solidariedade e apoio para que a Promotoria Especial da Infância aceitasse como casos a violação aos direitos humanos à que estão sendo submetidas minhas filhas. Mas a resposta que obtive é que na convenção dos direitos da infância não há nenhum artigo onde se diga que houve alguma violação.

A Promotoria Especial da Infância alega que a agressão é diretamente a minha pessoa. No dia 15 de janeiro, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos enviou uma nota ao CODEH porque este solicitou medidas cautelares para minha pessoa. Em certo sentido não me senti satisfeita porque não foram incluídas as minhas filhas como vítimas pelo que solicitei para serem co-peticionadas das medidas de precaução para mim e para minhas filhas perante a CIDH.

Com isso não quero dizer que o CODEH não tem atuado corretamente, ao contrário, tem realizado um excelente trabalho, mas também é necessário entender que, quando se agride um membro de uma família, agride-se a mesma família, portanto se violentam os direitos de toda a família e é necessário proteger a vida dos menores envolvidos.

Ainda
que a CIDH, o CODEH, o COFADEH e os advogados da FNRP fazem sua parte, as vítimas, os/ as afetados/as têm que atuar, têm que saber como atuar e realizar um trabalho conjunto para obter melhores resultados. Não podemos deixar todo o trabalho ao CODEH e ao COFADEH, pois são muitos os casos denunciados nessas instâncias.

Adital – Como vêm desenvolvendo as ações de resistência frente às ameaças, aos assassinatos de jornalistas e militantes em geral em um cenário ainda semelhante ao período do golpe de estado?

Rebeca Becerra – Ante a repressão sistemática e seletiva contra as pessoas que se opuseram ao golpe de estado, tem se fortalecido a plataforma de advogados e advogadas da FNRP, que envolve também organizações como o CODEH, COFADEH, entre outras organizações que têm enfrentado todas as adversidades tanto durante o golpe de estado como agora no governo de Porfirio Lobo Sosa. Estas organizações estão cem por cento dedicadas a receber denúncias e pegar depoimentos das vítimas, a proteger as vítimas solicitando medidas cautelares à CIDH. A proteção tem se estendido a realizar ações em que a vítima se vê obrigada a migra a outro país por estar em risco de morte, estas questões são realizadas por CODEH e COFADEH.

A denúncia através dos poucos meios de comunicação que apoiam a resistência e através de meios internacionais é outra ação que estas organizações realizam para evidenciar as violações aos direitos humanos que estão cometendo em Honduras.

A solidariedade no interior da resistência tem sido indispensável para sobrelevar a carga pesada da repressão, tanto aquela que se recebe pessoalmente como a que se difunde pelas redes através da Internet.

Adital – Em termos de direitos humanos, os chamados às instâncias nacionais e internacionais têm surtido efeito?

Rebeca Becerra – Muitas organizações de direitos humanos internacionais têm se solidarizado com o que ocorre em nosso país. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem outorgado medidas cautelares a muitas pessoas, tem aceitado e difundido em seu Relatório Anual 2009 sobre a situação dos direitos humanos em Honduras que, em junho de 2009, produziu a ruptura da ordem constitucional e, por fim, houve um golpe de estado, em que se produziram graves violações aos direitos humanos que incluem mortes, repressão em manifestações públicas por parte do exército e da polícia nacional, detenções arbitrárias, tratos cruéis e inumanos, militarização de território, discriminação racial, violação aos direitos das mulheres, restrições ao direito de liberdade de expressão, e ineficácia nos recursos judiciais para a proteção dos direitos humanos das vítimas.

A pesar das medidas cautelares e do relatório da CIDH, continua a impunidade no país, pois as instanciais nacionais viciadas, manipuladas, carentes de ética e moral se desembocam em favor daqueles que controlam principalmente a vida política e econômica do país; os órgãos de justiça são manipulados a seu capricho. Não posso deixar de mencionar o deplorável papel feito pelo Comissionado Nacional de Direitos Humanos, quem se virou totalmente a favor do golpe de estado, encobrindo e desinformando as violações aos direitos humanos que se cometeram e que continuam atualmente; neste sentido, Ramón Custodio López se converteu em cúmplice destas violações, igual que todo o sistema jurídico e legislativo do país.

Talvez, em nível nacional, esperamos mais apoio, ações contra os violadores aos direitos humanos em Honduras, esperamos sanções para aqueles atores intelectuais e executores que hoje ocupam cargos públicos no atual governo.

A questão é que a história das violações dos direitos humanos em Honduras sempre ficou na impunidade. Exemplo emblemático foram os feitos cometidos na década de oitenta. Quantos intelectuais foram julgados? Quantos torturadores foram julgados? Quantos executores foram julgados?

Mas também me pergunto: Quanto esforço temos feito em Honduras e nas instâncias internacionais para que estes assassinatos não caiam no esquecimento e os culpados sejam julgados? Onde estão enterrados os desaparecidos e desaparecidas de Honduras? Não sei quanto tampo vai passar para que estas perguntas tenham suas respostas. Temos que avaliar se a situação da violação dos direitos humanos que se dá hoje no país ficará igual às violações cometidas na década de oitenta.

Quanto temos avançado desde então ou quanto temos retrocedido?

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