Os temas da imprensa feminista no Brasil desde os anos 1970

Por Viviane Gonçalves Freitas para Nexo Jornal

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Esta pesquisa de doutorado, realizada na UnB (Universidade de Brasília), analisa os temas abordados por quatro jornais feministas brasileiros (Nós Mulheres, Mulherio, Nzinga Informativo e Fêmea) que circularam nas últimas quatro décadas no país, para entender as diferentes perspectivas e trajetórias dos movimentos representados por eles. Entre as conclusões, a autora destaca que a imprensa feminista sempre esteve nesse período intimamente conectada à agenda dos movimentos, tratando de assuntos como divisão sexual do trabalho, direitos sexuais e reprodutivos, família, igualdade de direitos entre homens e mulheres, custo de vida, violências contra as mulheres, numa perspectiva interseccional, atrelando gênero, raça e classe. Além disso, colocavam as mulheres como personagens fundamentais na retomada e manutenção da democracia no país.

A qual pergunta a pesquisa responde?

A partir de quatro jornais feministas brasileiros, que circularam em momentos distintos, durante quase 40 anos, o problema de pesquisa a ser respondido era: “de qual feminismo estamos falando?”, no sentido de pensar quais temas eram abordados em cada publicação, de acordo com o respectivo contexto. Assim, com base no material jornalístico de Nós Mulheres (1976-1978), Mulherio (1981-1988), Nzinga Informativo (1985-1989) e Fêmea (1992-2014), o objetivo geral da pesquisa foi analisar como desenvolviam a agenda feminista, a partir da vertente com a qual editores e leitores mais se identificavam. Foram estabelecidos, portanto, os seguintes objetivos específicos: identificar a agenda dos movimentos feministas; identificar como os temas entravam na pauta deles, por meio da análise de seus jornais; e aprofundar o estudo sobre os movimentos feministas e de mulheres e seu papel nas mudanças de direitos delas ao longo das últimas quatro décadas. Destaca-se que tanto os grupos contemplados pela pesquisa quanto os jornais por eles publicados representam interpretações feministas, sendo uma parte das expressões que ocorreram nos momentos históricos em questão.

Por que isso é relevante?

A segunda metade dos anos 1970 marca uma nova maneira de coletividade dos movimentos sociais, entre eles, os movimentos feministas. É nessa época que os jornais da imprensa feminista, cada um de acordo com sua perspectiva editorial, começam as tentativas de vocalizar esses debates há tanto deslegitimados e mantidos fora da arena pública. A escolha dos quatro jornais que compõem o material desta pesquisa de doutorado deve-se ao fato de que se buscava ter um panorama das mobilizações de alguns grupos feministas brasileiros que se inseriam desde o período em que o país era governado pelos militares até o momento da democracia restabelecida. Ao estudar esses quatro jornais da imprensa feminista brasileira, foi possível perceber que, embora todos assumissem uma perspectiva feminista, apresentavam vertentes e tendências distintas – fato que auxilia a compreender sobre os feminismos atuais. Além disso, cada jornal traz as reivindicações e direitos conquistados no respectivo momento histórico, o que dá a dimensão da importância das lutas feministas ao longo do tempo.

Resumo da pesquisa

Esta tese analisa a agenda de quatro jornais da imprensa feminista brasileira – Nós Mulheres (1976-1978), Mulherio (1981-1988), Nzinga Informativo (1985-1989) e Fêmea (1992-2014) – e as perspectivas feministas presentes neles. Esses sujeitos políticos se refizeram inúmeras vezes, em meio às lutas por direitos e a politização do privado. Mais do que questionar a domesticidade atribuída às mulheres e a naturalização de seu papel de mãe e esposa, esta pesquisa busca apresentar que a agenda dos jornais analisados tinha como objetivo a igualdade de direitos entre mulheres e homens, a fim de que, de fato, o sentido de democracia fosse para todas e todos. A pluralidade dos grupos e de suas temáticas possibilita um entendimento diverso das histórias dos movimentos de mulheres e feministas, a fim de que não sejam silenciadas outras perspectivas em detrimento da branca e liberal. Assim, a interseccionalidade de gênero, raça e classe faz-se essencial para que opressões entre as próprias mulheres não sejam invisibilizadas.

Quais foram as conclusões?

Esta pesquisa de doutorado teve como ponto de partida a análise de uma parcela da história dos movimentos feministas brasileiros, por meio dos quatro jornais. Trabalhar com esse material na ciência política possibilitou trazer para o debate a reflexão sobre democracia, cidadania e justiça social, abordada pelas teóricas políticas feministas, com o intuito de defender que uma sociedade verdadeiramente digna para cidadãs e cidadãos se faz com direitos de liberdade e autonomia indistintamente. A imprensa feminista brasileira concretizava o fato de que essa defesa pela retomada da democracia não poderia ocorrer sem que as mulheres fossem reconhecidas como sujeitos de sua vida, de sua história e personagens importantes no enfrentamento à ditadura e fundamentais na redemocratização. Assim, a pergunta de pesquisa – “de qual feminismos estamos falando?” – conecta-se à agenda dos movimentos e dos jornais feministas, que abordavam não apenas a divisão sexual do trabalho, mas também os direitos sexuais e reprodutivos, a família, a igualdade de direitos entre homens e mulheres, o custo de vida, as violências contra as mulheres, entre outros temas, numa perspectiva interseccional, atrelando gênero, raça e classe.

Quem deveria conhecer seus resultados?

No momento em que novos feminismos ganham as ruas e as redes, e, contraditoriamente, nos deparamos com a precarização da vida das mulheres, esta pesquisa pode auxiliar ativistas, políticos, gestores públicos e demais pessoas interessadas na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, ao rememorar a luta para conquistar muitos de nossos direitos. Teóricas políticas feministas como Iris Young, Susan Moller Okin, Flávia Biroli , Lélia Gonzalez e Angela Davis contribuem para a visão de que as mulheres, incorporadas seletivamente ao espaço público para desempenharem atividades consideradas sem qualificação ou menosprezadas devido aos valores e práticas patriarcais e capitalistas, são também deixadas à margem dos direitos como cidadãs, mesmo em sociedades consideradas democráticas. Romper histórias previamente determinadas desde outros tempos exige desconstruções e reconstruções de sujeitos oprimidos constantemente, pelo silenciamento, pela violência, pela subjugação, pela imposição de destino.

Viviane Gonçalves Freitas:

Pós-doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Doutora em ciência política pela UnB (Universidade de Brasília) e mestra em comunicação social pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) Minas, e bacharel em jornalismo pela mesma universidade. Pesquisadora do Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça da UFMG e da Rede de Pesquisas em Feminismos e Política. Autora do livro “Feminismos na imprensa alternativa brasileira: quatro décadas de lutas por direitos” (Paco, 2018) e organizadora das obras “Intelectuais negras: vozes que ressoam” (UFMG, 2019) e “Feminismos em rede” (Zouk, 2019). Referências: BIROLI, Flávia. Responsabilidades, cuidado e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, v. 18, p. 81-117, set./dez. 2015. DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016. GONZALEZ, Lélia. O movimento negro na última década. In: GONZALEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982. p. 9-66.

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