Política Memorial de feministas: a escassez de fontes documentais no Rio de Janeiro

Por Barbara Moreira Silva para Não me Kahlo

Buscamos arquivos pessoais de militantes feministas do século XX como fontes alternativas para a perduração da história

No cotidiano brasileiro, nunca estiveram tão presentes palavras como: feminismo, empoderamento, sororidade, feminicídio, misoginia e outras que significam a luta das mulheres por igualdade de direitos e combate à violência. Elas podem ser vistas constantemente nos meios de comunicações e facilmente encontradas nas redes sociais associadas a debates e campanhas relacionadas à questão do gênero.

É nítido que estamos vivenciando um momento de entendimento e conscientização. Entretanto, entendemos que não há como transformar o futuro sem olhar para o passado. Se não soubermos pelo que passaram as ativistas feministas em prol da causa, como exemplos de suas histórias de vida e/ou suas conquistas, não compreenderemos parte do decurso do movimento até a atualidade. Por isso, a importância da preservação da memória do feminismo nacional. Porém, observamos que a inserção e participação da mulher brasileira na política e seus movimentos sociais não são rememorados em políticas de memória.

Mesmo estes movimentos de emancipação no começo do século e atitudes das feministas estarem registradas em diversas publicações oficiais, consideramos ainda ínfima perto do pioneirismo e representatividade destas mulheres. Arriscamo-nos chamar aqui este fenômeno de memoricídio, que consiste na eliminação de todo patrimônio, seja ele tangível ou intangível, que simboliza resistência a partir do passado com a finalidade de modificar a memória histórica (RAMPINELLI, 2013). Apesar dos movimentos ocorrem na cidade do Rio de Janeiro (até então, a capital do país), não encontramos nenhum centro de memória, museu, arquivo especializado, biblioteca, monumentos, nomes de ruas principais, voltados para perpetuação da memória destas mulheres. Sejam elas em conjunto ou em suas atuações individuais.

Observamos que, assim como em outros países, no Brasil há processos do esquecimento e do silenciamento de determinados grupos sociais ou de personagens individuais. Estes casos que não são isolados, podem ser reconhecidos desde a sua colonização até os dias atuais. São atividades recorrentes, que vão à contramão de um discurso de construção de uma sociedade democrática buscando a ampliação da prática da cidadania dos que aqui vivem.

Acreditamos que com uma política de memória do movimento feminista brasileiro, as ações e a história dessas mulheres seriam preservadas e não terminariam na galeria dos esquecimentos como muitos outros grupos. Por exemplo, ao pesquisarmos sobre os arquivos de pessoas da escritora, jornalista e feminista Patrícia Galvão, a Pagu, nos deparamos com algumas dificuldades por conta da fragmentação e descaso com a documentação da mesma. Cerca de três mil arquivos originais da militante tiveram um “final feliz” e encontram-se digitalizados e disponíveis no Centro de Estudos Pagu na Unisanta, em Santos, sob a coordenação de Lúcia Maria Teixeira Furlani. Outra parte da documentação pessoal foi encontrada em sacos destinados à coleta pública de lixo, em uma das ruas do bairro Butatã, na cidade de São Paulo, pela catadora de papéis Selma M. Sarti, durante a coleta naquela região. A mesma entregou os documentos à UNICAMP e em seguida o acervo foi incorporado ao Arquivo Edgard Leuenroth, como coleção Pagu e Geraldo Ferraz[1]. Mas quantas outras não tiveram a mesma “sorte” e continuam desconhecidas pelo público?

Neste artigo, trabalhamos com a ideia de política pública de memória como conjuntos de ações e/ou atividades desenvolvidas pelo Estado podendo ou não ter a participação de entes públicos ou privados, que visam reconhecer a memória de uma sociedade com o intuito de colaborar para o processo de identificação dos grupos sociais. Para implementá-la, é necessário considerar os inúmeros elementos que nos remetem à memória, sejam eles bens tangíveis ou intangíveis; e neste rol de patrimônios, incluem-se os arquivos produzidos por estes movimentos e/ou os documentos pessoais das ativistas incluídas no sufragismo brasileiro. Isso porque os documentos são considerados patrimônio cultural, segundo a nossa Constituição Federal.

Todo esse artifício tem como o objetivo difundir lugares de memória, utilizando a expressão cunhada por Pierre Nora (1993), ao se referir à construção de monumentos, memoriais, museus, centros de memória ou de documentação para perpetuar outras memórias, que não a dos setores hegemônicos.

Mas, logo no início da pesquisa exploratória, observamos uma escassez de documentos privados pessoais das militantes onde poderíamos obter um grande número de informações sobre as mesmas e; sem essa parte de elementos, dificultaria a constituição de uma política memorial. Desta forma, decidimos traçar uma pesquisa para refletir como a carência de acervos privados pessoais impossibilita os arquivos a serem espaços para a valorização da memória feminista e como fontes para escrita da história.

Esta discussão é necessária para a compreensão do espaço reservado às mulheres nas instituições de salvaguarda de acervos. Enfatizando, assim, a importância e divulgando os arquivos das feministas presentes em instituições públicas para construção da história do feminismo e das mesmas individualmente. Além de contribuir para discussões sobre gênero, memória e arquivos.

Sabendo que, através da recuperação de seus raros registros pessoais, poderíamos auxiliar a desvendar as trajetórias, as produções e a participação dessas mulheres em grupos sociais oprimidos; questionamo-nos quais instituições possuem tais documentos? Em contrapartida, quantos acervos são em relação aos arquivos pessoais de homens?

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