COALIZÃO INTERNACIONAL CONTRA O ASSÉDIO SEXUAL EM VIAS PÚBLICAS
Para todos os Estados Membros das Nações Unidas.
Vossas excelências,
Nós, a sociedade civil, congratulamos o processo de Beijing + 20 e vimos por meio desta declaração apresentar nosso posicionamento sobre o assédio sexual em vias públicas e demandar que o tema tenha visibilidade e seja discutido na 59ª CSW.
Atualmente, a Organização das Nações Unidas (ONU) e, especificamente a ONU Mulheres, têm a violência contra as mulheres como um de suas temáticas centrais, resultado de um processo de discussão iniciado no final dos anos 1970 e ainda em construção. No entanto, seus posicionamento e programas relativos à ao assédio sexual em vias públicas ainda não têm a relevância necessária que exige uma problemática transversal às outras formas de violência sofridas diariamente por milhões de mulheres e meninas em todos os continentes.
A própria ONU reconhece que “a violência contra mulheres e meninas, e em particular o assédio sexual em espaços públicos, continua a ser um tema desentendido com leis e políticas para sua prevenção insuficientes”.
Ainda sim, reconhecemos, destacamos e apoiamos as duas recentes e importantes iniciativas que abordam o tema:
● O movimento Cidades Seguras, dedicado à construção de cidades seguras e inclusivas para mulheres e meninas para acabar com a violência sexual e outras formas de violência contra as mulheres e meninas em espaços públicos.
● A menção explícita do assédio sexual em espaços públicos no artigo 23 e na recomendação zz das Conclusões Acordadas sobre a Prevenção e Eliminação de todas as Formas de Violência contra as Mulheres da 57ª CSW.
Consideramos fundamental continuar a discussão para dar impulso a estratégias de mudança que possam ser medidas em resultados concretos.
Este tipo de violência se define como o assédio sexual que ocorre nos espaços públicos ou de acesso público, que em sua grande maioria se vive em áreas urbanas. Isso inclui comentários e ruídos obscenos, tocações, olhares maliciosos, perseguições, entre outras práticas que oprimem, angustiam, humilham, geram insegurança e violentam.
Além disso, limita que mulheres e meninas estejam nos espaços públicos de forma livre, com tranquilidade e segurança; elas têm que: pensar que roupa usar antes de sair, evitar determinados caminhos, estar tranquilas apenas se saem com alguma companhia, para citar alguns exemplos.
Assim, estamos falando de uma prática que viola os direitos humanos. Até pouco tempo atrás, nem se quer se reconhecia o assédio sexual em vias públicas como uma forma de violência. Falar de assédio sexual em vias públicas era praticamente estranho e incomum em nossa sociedade.
Ao redor do mundo, vozes isoladas dentro de movimentos sociais e da academia mencionavam o termo, mas não conseguiam “fazer barulho suficiente”.
Isso porque o assédio sexual tem sido tradicionalmente associado a delitos laborais e se definiu como um ato que ocorre apenas no contexto de relações desiguais de poder (como a do superior com a subordinada).
Também porque desde sempre tivemos que enfrentar sua naturalização e legitimação e posturas de pessoas – mídia, publicidade, empresas, sociedade civil e até mesmo governantes e polícia – que, independentemente do sofrimento da vítima, dizem que se trata de algo de menor gravidade, de elogios ou cantadas, gerando com isso mais sofrimento e re-vitimização.
No entanto, felizmente, o tema vem sendo cada vez mais visibilizado, principalmente nas redes sociais. Graças à Internet, foi possível dar voz ao ativismo e produzir conteúdo – pesquisas, vídeos, textos e projetos -, que finalmente trouxeram à tona este tema. Porém, ainda é preciso fazer muito mais.
Por isso, pedimos à ONU e a todos seus Países Membros que ponham atenção neste tipo de violência para que possamos acabar com a agressão física, verbal e simbólica e começar a construir um futuro no qual todas e todos possam desfrutar igualmente do espaço público.
Dizer não ao assédio é dizer que não aceitamos que os corpos de mulheres e meninas sejam sistematicamente julgados e posicionados como objetos de avaliação e admiração por aqueles que sentem o direito de fazê-lo.
Dizer não ao assédio é conceder a mulheres e meninas o direito de viverem plenamente sua sexualidade e combater a desigual estrutura dos gêneros em nossa sociedade.
Dizer não ao assédio é entender que o assédio sexual é uma manifestação de violência contra a mulher que faz parte da mesma lógica que compreende outros tipos de violência de gênero. Em um mundo onde você pode ser vítima de assédio sexual em público, é perturbador pensar no que acontece a portas fechadas.
A erradicação da violência e a livre circulação são um direito e é nosso dever reivindicá-lo. Fazemos um apelo para que:
● Se especifique e destaque o “assédio sexual em vias públicas” como uma forma de violência nos próximos documentos, campanhas e resoluções das Nações Unidas;
● Se reconheça a iminência de agir para a eliminação do assédio sexual em vias públicas e se proponham medidas e programas para isso, especialmente programas de educação e prevenção dirigidos tanto para escolas como para sociedade civil em geral, assim como programas de treinamento para órgãos de segurança pública, para que possam facilitar o processo de denúncia e fornecer o apoio necessário às vítimas;
● Exista compromisso dos países com a promoção de campanhas de conscientização sobre o tema, destacando a necessidade de que todas e todos se respeitam mutuamente e intervenham quando sejam testemunhas de assédio sexual em vias públicas;
● Se criem estratégias de avaliação e indicadores de impacto das medidas contra o assédio sexual em vias públicas.
Com isso, esperamos não apenas entender o que é o assédio sexual em vias públicas e que consequências ele tem, mas também começar a gerar mudanças reais para transformar os padrões de violência, os imaginários culturais e a forma como a sociedade vê os corpos das mulheres no espaço público.Devemos parar de ensinar as nossas meninas a “evitarem ser assediadas” e ensinar a sociedade que todas e todos devemos nos respeitar e viver em uma sociedade livre de violência.