O Dia Internacional da Mulher foi proposto por Clara Zetkin em 1910 no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas. Nos anos posteriores a 1970 este Dia passou a ser associado a um incêndio que ocorreu em Nova Iorque em 1911. Mas na verdade, a cronologia que levou à escolha da data – o que só aconteceu em 1960 – é recheada de fatos históricos importantes e significativas para a construção do movimento feminista.
Nos Estados Unidos, a movimentação das mulheres ganhava visibilidade. Em 1903 formou-se, pela ação de sufragistas e de profissionais liberais, a Women’s Trade Union League para organizar trabalhadoras assalariadas.Com as crises industriais de 1907 e 1909 reduziu-se o salário dos trabalhadores, e a oferta de mão-de-obra era imensa, dada a numerosa imigração proveniente da Europa. No último domingo de fevereiro de 1908, mulheres socialistas dos Estados Unidos fizeram uma manifestação a que chamaram Dia da Mulher, reivindicando o direito ao voto e melhores condições de trabalho. No ano seguinte, em Manhatan, o Dia da Mulher reuniu 2 mil pessoas.
A primeira a propor uma data em homenagem à luta das mulheres foi Clara Zetkin (1857-1933), alemã, membro do Partido Comunista Alemão, deputada em 1920. Fundou e dirigiu a revista Igualdade, que durou 16 anos (1891-1907). Ao participar do II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhagem, em 1910, Clara Zetkin propôs a criação de um Dia Internacional da Mulher sem definir uma data precisa. No Brasil vê-se repetir a cada ano a associação entre o Dia Internacional da Mulher e o incêndio na Triangle, quando na verdade Clara Zetkin o tenha proposto em 1910, um ano antes do incêndio. É muito provável que o sacrifício das trabalhadoras da Triangle tenha se incorporado ao imaginário coletivo da luta das mulheres. Mas o processo de instituição de um Dia Internacional da Mulher já vinha sendo elaborado pelas socialistas americanas e européias há algum tempo e foi ratificado com a proposta de Clara Zetkin.
Clara, assim como outras mulheres como Alexandra Kollontai, Clara Lemlich, Emma Goldman, Simone Weil, dedicaram suas vidas ao que posteriormente se tornou o movimento feminista. E a luta começava dentro do próprio partido operário. Em seu Diário, Clara Zetkin relata o que ouvira do camarada e amigo Lenin, ao visitá-lo no Kremlin, em 1920. Lenin lamentava o descaso pelo Dia Internacional da Mulher que ela propusera em Copenhagem, pois este teria sido um oportuno momento para se criar um movimento de ‘massa’, internacionalizar os propósitos da Revolução de 17, agitar mulheres e jovens. Para alcançar este objetivo, afirmava ele, era necessário discutir exclusivamente os problemas políticos e não perder tempo com aquelas discussões que os jovens trabalhadores traziam para os grupos políticos, como casamento e sexo. Lenin estendia suas críticas ao trabalho de Rosa Luxemburgo com prostitutas: “Será que Rosa Luxemburgo não encontrava trabalhadores para discutir, era necessário buscar as prostitutas?”.
Como nos conta Wendy Goldman no livro “Mulher, Estado e Revolução: política família soviética e da vida social entre 917 e 1936”, a experiência do ‘amor livre’ nos primeiros anos pós-Revolução trouxe enormes conflitos que levaram à restauração do sistema de família regulamentado pelo contrato civil. Temas relativos ao corpo, à sexualidade, à reprodução humana, relação afetiva entre homens e mulheres, aborto, só foram retomados 40 anos mais tarde pelo movimento feminista.
As mulheres trabalhadoras continuaram a se manifestar em várias partes do mundo: Nova Iorque, Berlim, Viena (1911); São Petersburgo (1913). Causas e datas variavam. Em 1915, Alexandra Kollontai organizou uma reunião em Cristiana, perto de Oslo, contra a guerra. Nesse mesmo ano, Clara Zetkin faz uma conferência sobre a mulher. Em 8 de março 1917 (23 de fevereiro no Calendário Juliano), trabalhadoras russas do setor de tecelagem entraram em greve e pediram apoio aos metalúrgicos. Para Trotski esta teria sido uma greve espontânea, não organizada, e teria sido o primeiro momento da Revolução de Outubro.
O dia 25 de março de 1911 era um sábado, e às 5 horas da tarde, quando todos trabalhavam, irrompeu um grande incêndio na Triangle Shirtwaist Company, que se localizava na esquina da Rua Greene com a Washington Place. A Triangle empregava 600 trabalhadores e trabalhadoras, a maioria mulheres imigrantes judias e italianas, jovens de 13 a 23 anos. No total, Morreram 146 pessoas, 125 mulheres e 21 homens.
Segundo Eva Alterman Blay, na década de 60, o 8 de Março foi sendo constantemente escolhido como o dia comemorativo da mulher e se consagrou nas décadas seguintes. Certamente esta escolha não ocorreu em conseqüência do incêndio na Triangle, embora este fato tenha se somado à sucessão de enormes problemas das trabalhadoras em seus locais de trabalho, na vida sindical e nas perseguições decorrentes de justas reivindicações.
Para saber mais, leia o livro “As origens e a comemoração do dia internacional das mulheres”, Ana Isabel Álvarez González; e “Mulher, Estado e Revolução: política família soviética e da vida social entre 917 e 1936”, de Wendy Goldman.
Cronologia do 8 de março**
Data | Evento |
1908 | 03 de Maio | 1º Dia da Mulher: Partidárias de movimento feministas e socialista independente do Partido Socialista Americano em Chicago. |
1908 | 28 de Dezembro | Criação do Comitê Nacional da Mulher pelo PSA e definição do último domingo de Fevereiro. |
1909 | 28 de Fevereiro | 2º Dia da Mulher [último domingo de fevereiro] |
1909 | 22 de Setembro | Triangle Shirtwaist Company primeiras a entrar em greve |
1909 | 22 de Novembro | Levante das 20 mil |
1910 | 15 de Fevereiro | Fim da Greve |
1910 | 27 de Fevereiro | 3º Dia da Mulher [último domingo de fevereiro] |
1910 | 03 de Maio | Congresso do PSA |
1910 | 26 e 27 de Agosto | II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas |
1911 | 19 de Março | 1º Dia das Mulheres das Alemãs |
1911 | 25 de Março | Incêndio na Triangle Shirtwaist Company |
1911| 5 de abril, | Funeral Coletivo das Vítimas do Incêndio |
1913 | 2 de Março | Dia das Mulheres (Alemanha e Suécia) |
1914 | 8 de Março | Primeira vez que é comemorado no 8 de março (Alemanha, Suécia e Rússia) |
1917 | 8 de Março | Manifestação dos 190mil |
1917 | 10 de Março | Greve Geral (Rússia) |
1917 | 17 de Outubro | Revolução Russa |
1921 | 22 de junho | II Conferência Internacional Oficial de Mulheres Comunistas – Definição da data, no 8 de março – Dia Internacional das Mulheres |
*Este texto, é um pequeno resumo dos texto “8 de março, conquistas e controvérsias” de Eva Alterman Blay. Leia o artigo completo no SCIELO.
** Tabela elaborada por Gabriela Catunda.