Estudo do SOS Corpo mostra como mundial de futebol impactou negativamente a vida das mulheres pernambucanas
Por Ludimilla Carvalho
Aumento no tempo de deslocamento entre casa e trabalho. Medo ao transitar em ruas pouco movimentadas e escuras. Perda de moradias. Aumento de casos de violência e exploração sexual de meninas e mulheres. Problemas que viraram rotina para mulheres pernambucanas afetadas diretamente pelas obras da Copa 2014, para que Pernambuco se tornasse um dos estados “habilitados” a sediar jogos do mundial de futebol.
Especialmente nas cidades de Camaragibe e São Lourenço – ambas localizadas na Região Metropolitana do Recife – famílias perderam suas casas para dar lugar a empreendimentos inacabados, a exemplo do TI Camaragibe, em meio a violação de direitos e falta de diálogo do poder público. Diante desse contexto, a educadora e militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco Mércia Alves (SOS Corpo) e mestre em desenvolvimento e meio ambiente UFPE, Kelly Regina Santos, realizaram um estudo sobre como a realização da Copa impactou o cotidiano das pernambucanas avaliando, sob a perspectiva do feminismo, os desafios implicados na relação mulheres e direito à cidade.
O resultado do trabalho está em “Os impactos da Copa nas condições de vida das mulheres em PE”, que mescla depoimentos, informações coletadas pelos movimentos sociais – principalmente Comitês Populares da Copa, que nas cidades-sede foram responsáveis por acompanhar e incidir politicamente sobre o conjunto das remoções nas cidades/bairros no entorno das Arenas da Copa. O Estudo trouxe como contribuição reflexões sobre um modelo de desenvolvimento excludente que vem norteando a modificação da paisagem urbana nas grandes cidades, o papel do movimento feminista para fortalecer o debate a respeito do direito à cidade, e a violação dos direitos humanos das mulheres que vem junto com a realização dos megaeventos. Confira a entrevista com uma das autoras:
O que motivou vocês a realizarem esse estudo?
Mércia Alves – O estudo “Os Impactos da Copa nas condições de vida das mulheres em Pernambuco” foi elaborado com o objetivo de sistematizar informações sobre o grande evento mundial, e a partir dos depoimentos das mulheres analisar como esse megaempreendimento afeta a vida das mulheres.
O ano de 2014 foi marcado por um contexto político bastante intenso, com a acentuação de um modelo de desenvolvimento urbano que contribui para acirrar as desigualdades sociais, de gênero e racial, no cenário das cidades. Esse trabalho é uma iniciativa do SOS Corpo para subsidiar a ação política do movimento de mulheres na luta pelo direito à cidade. E conforme aponta, a vida das mulheres – seja no campo econômico, político, cultural e ambiental – está marcada por inúmeras violações de direitos, como o direito à moradia digna, ao trabalho, à mobilidade e acessibilidade urbana, à saúde e educação, e ao acesso à justiça, para citar alguns elementos de desrespeito aos direitos expressos nos depoimentos delas.
No texto há uma crítica ao modelo de “cidade-mercado” empregado cada vez mais nos espaços urbanos. Como isso é abordado pelas mulheres?
Mércia Alves – A partir das falas-depoimentos de 8 mulheres, que vivem o caos em que se tornou a cidade e a Região Metropolitana do Recife, denunciamos a falta de diálogo entre gestão pública e população, nesse modelo de cidade-mercado implementado nos quatro cantos do Recife. Um tipo de cidade que precariza ainda mais as condições de vida da população pobre e moradora da periferia; que representa a opção por uma cidade de grandes empreendimentos, que com a pressão política do setor imobiliário vem desconstruindo laços culturais com o território, e por conseguinte, negando o direito das mulheres à permanência e vivência com o seu lugar – viver, atuar, conviver.
Segundo o dossiê, aproximadamente 2 mil famílias perderam suas casas por causa da copa em Pernambuco. Que irregularidades vocês observaram no processo ?
Mércia Alves – Nas ações de despejos em razão das obras da Arena da Copa em São Lourenço, cerca de 200 famílias do Loteamento São Francisco em Camaragibe – próximo ao Terminal Integrado – foram despejadas das suas casas, e algumas delas com uma indenização aquém do real valor do terreno e do imóvel. Essa forma de atuação do governo estadual (via empresa terceirizada) para agilizar o processo de desocupação, sob a justificativa de ser uma área de interesse público, gerou adoecimento físicos, psíquicos, chegando à morte de 7 moradores do loteamento. Mas esse dano causado pela ação estatal é invisível na avaliação sobre o impacto de uma obra pública, que gera despejo na vida das pessoas, mas também danos subjetivos. Tudo é compatibilizado em número e cifras.
Na prática, o que as mulheres relataram sobre as consequências das remoções ? Como isso prejudicou suas vidas?
Mércia Alves – Para as mulheres destes locais, em sua maioria idosas, chefes de famílias, trabalhadoras no entorno, os impacto são de diversas ordens, dos quais citamos: aumento no custo de vida e no preço do aluguel do imóvel; perda de referências afetivas com familiares e vizinhos; destruição do patrimônio – moradia da família construído a mais de 40 50 anos; fechamento do comércio local e escolas e a morosidade na justiça para resolver o processo de pagamento das indenizações.
Nesse modelo de urbanização, a relação entre mulheres e direito à cidade é essencialmente problemática. Qual o papel do movimento feminista na mudança desse contexto?
Mércia Alves – Para as mulheres entrevistadas, a cidade que temos – e a que está sendo diariamente construída pela lógica do crescimento econômico e empreendedorismo urbano – só dificultou mais a sua vida: pelo tempo gasto com a mobilidade urbana, pela péssima qualidade do transporte público, pela violência sexista às quais elas estão sujeitas, pela insegurança do espaço público, e de viver a cidade, em locais como praças, vias públicas e equipamentos urbanos. Essas são algumas das questões que o Estudo sobre a Copa em Pernambuco nos leva a pensar, e a construir estratégias, para que este modelo de cidade-mercado em voga, possa ser desconstruído pelas mulheres em seus diversos espaços de ação política como grupos, associações, conselhos, fóruns e redes.
Para ler o estudo na íntegra, visite nosso site.