Denúncias de violência recebidas por serviço da Presidência da República cresceram mais de 400% na capital federal
THAÍS PARANHOS – Correio Braziliense
A intolerância contra os homossexuais está cada vez mais exposta. Assim como três mulheres revelaram terem sido agredidas em decorrência da orientação sexual nesta semana, outras centenas de pessoas denunciaram a violência motivada por preconceitos no DF. Mesmo com a falta de leis protetivas às vítimas e as subnotificações dos casos, o número de queixas feitas ao Disque Direitos Humanos, o Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos, da Presidência da República, aumentou em 2012. O serviço recebeu 236 comunicados de agressões no DF contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) no período.
O total é cinco vezes maior do que o registrado em 2011, poucos meses após o serviço do governo federal ser inaugurado. Proporcionalmente à população, a capital é a unidade da Federação com a maior quantidade de denúncias de LGBT ao Disque 100. Foram 91,82 comunicados por grupo de 1 milhão de habitantes no ano passado. Em segundo lugar, aparece Mato Grosso, com 40,52 por 1 milhão. A maioria das vítimas alegou ter sofrido discriminação ou violência psicológica. Do total, 24 reclamaram de violência física. Mas sem a denúncia das vítimas e o acompanhamento dos casos pelos órgãos responsáveis, dificilmente, o agressor é identificado e punido. Foi por isso que a estudante da Universidade de Brasília (UnB) procurou a polícia. Na última segunda-feira, ela foi agredida por um homem no estacionamento do Instituto Central de Ciências (ICC) Sul. O agressor a teria chamado de “lésbica nojenta”, a empurrado e dado chutes (leia Depoimento). Depois disso, ela está com medo de sair de casa e de voltar a frequentar as aulas.
No dia anterior à agressão, outras duas mulheres disseram terem sido vítimas de violência em decorrência da orientação sexual delas, em Valparaíso. As namoradas acusaram policiais militares de fecharem a porta do carro da corporação na mão de uma delas. Os PMs alegaram que as duas se recusaram a ir até a delegacia assinar um termo circunstanciado de ocorrência por desacato. Os casos serão investigados pela 2ª DP (Asa Norte) e pelo Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciops) da cidade do município goiano, respectivamente.
Legislação
Diante dos recentes casos de agressão, o coordenador de Política de Diversidade Sexual da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejus), Sérgio Nascimento, avalia que o preconceito está enraizado na sociedade brasileira. “A violência acontece todos os dias, mas nem sempre é denunciada. É preciso haver uma mudança na cultura”, apontou. Para ele, o país deve trabalhar para criar leis protetivas às vítimas. “É preciso saber identificar quando o crime foi cometido pelo ódio e por uma violência gratuita e homofóbica para aplicar uma legislação mais rigorosa”, apontou.
Para a vice-presidente da Comissão Nacional de Direito Homoafetivo do Instituto Brasileiro de Direito da Família (Ibdfam) e coordenadora da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santos, Patrícia Gorisch, o país precisa de normas para proteger os direitos dos homossexuais. “Relatório da ONU de 2011 compara o Brasil a países como o Afeganistão quando se trata desse assunto. Estudos apontam que, a cada 26 horas, um homossexual é morto no país. Isso é inconcebível”, criticou. Segundo ela, existem mais de 300 projetos sobre o tema parados no Congresso Nacional.
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, afirmou que as denúncias recebidas pelo novo serviço são repassadas ao Ministério Público, que toma medidas para combater a homofobia. “Fazemos um acompanhamento dos procedimentos para garantir a responsabilização pela violência. Também instalamos o Conselho Nacional LGBT em 2011, criamos o Disque 100 e formamos servidores, como na saúde e policiais, a fim de estarem prontos para atender essas vítimas de violência”, citou.
Depoimento
“Gravei o olhar dele”
“Eu estava indo embora da UnB em direção ao meu carro. Carregava o meu computador, a mochila, tinha muita coisa nas mãos e, por isso, não consegui reagir. Virei para abrir a porta do veículo quando o rapaz chegou por trás e falou: ‘Sua lésbica nojenta’. Quando virei de novo, levei um soco e caí. Ele me chutou e veio para cima. Como faço luta, consegui tirá-lo de cima de mim, mas levei outro soco no nariz e comecei a sangrar. Apaguei, fechei os olhos por alguns segundos. Quando vi, ele estava fugindo, escondendo-se entre os carros. Falei com a polícia que, se me colocarem de frente com ele, conseguirei reconhecê-lo. Gravei o olhar dele. Estou bem machucada, com hematoma no rosto, a boca cortada e a costela machucada. Estou tomando remédio para dor de cabeça e muscular, anti-inflamatório e para não desenvolver a síndrome do pânico. Também estou fazendo tratamento psicológico. Tenho medo de sair de casa, de voltar à UnB. O agressor tinha cara de estudante. O que desejo é que isso se transforme em uma revolução contra a homofobia, o racismo ou qualquer outro tipo de preconceito. Na UnB, homossexuais são ameaçados a todo o momento, temos que falar, temos que lutar.”
Estudante da UnB agredida na última segunda-feira
Relatos de ataques
» KELLY ALMEIDA
» THALITA LINS
» ROBERTA ABREU
Publicação: 23/02/2013 04:00
A luta contra a homofobia fez com que alunos da Universidade de Brasília (UnB) se reunissem para discutir casos de agressões contra homossexuais na instituição. O encontro aconteceu ontem no Instituto Central de Ciências Norte (ICC Norte) e durou cerca de três horas. Na ocasião, alunos deram relatos de agressões vividas dentro da UnB, e uma professora anunciou a abertura de uma secretaria no câmpus para tratar do assunto.
O estudante de serviço social e um dos responsáveis pela reunião, Luth Laporta, 20 anos, informou que são comuns casos como o da agressão contra uma estudante de agronomia, na última segunda-feira, no estacionamento da UnB. “Hoje (ontem), foi só para conversarmos e termos ideias. Na próxima terça-feira, vamos fazer uma assembleia seguida de ato e levar as propostas à reitoria, pois agressões assim são recorrentes”, explicou Luth. No fim da tarde de ontem, um grupo se mobilizou com faixa colorida e pediu o fim do preconceito e da violência. Alguns casais de homossexuais trocaram beijos como forma de protesto.
Durante a reunião no ICC, a professora de serviço social e coordenadora do grupo de trabalho contra a homofobia, Valdenízia Peixoto, anunciou a criação de uma secretaria para tratar da assuntos relacionados ao tema. “Vamos receber denúncias, acolher e socializar todas as pessoas que integram a universidade e que sofrerem algum tipo de violência homofóbica”, explicou. “Estamos esperando um espaço físico e o espaço virtual no site da UnB.”
Em resposta à agressão da estudante de 20 anos, a UnB abriu sindicância para apurar o ato de violência. O procedimento administrativo foi anunciado ontem, durante entrevista coletiva, pela Decana de Assuntos Comunitários, Denise Bomtempo. As investigações terão como base o depoimento da aluna dado à 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte). Uma comissão com três integrantes do corpo docente serão responsáveis pelos trabalhos e terão até 30 dias para apresentar informações.