O Sistema Único de Saúde (SUS) tem sofrido sucessivas derrotas, sendo uma das mais emblemáticas e dolorosas a indigesta aprovação da Emenda Constitucional nº 29 sem a destinação dos necessários 10% da Receita para a saúde.
No dia 27 de fevereiro deste ano, a Folha de São Paulo publicou matéria intitulada “União quer ampliar acesso a Planos de Saúde”, segundo a qual a Presidenta Dilma estaria negociando com as grandes empresas do setor privado da saúde (Qualicorp, Bradesco e Amil) medidas de redução de impostos, ampliação de financiamento para infraestrutura hospitalar e solução para as dívidas das Santas Casas.
Segundo o jornal, o objetivo seria o de facilitar o acesso das pessoas aos planos privados de saúde com o compromisso de elevar o padrão de atendimento, anunciando que setores do governo celebram esse pacote como uma nova marca para a saúde.
A notícia de um “pacote com medidas de estímulo” às empresas de planos e seguros do setor privado da saúde é mais um golpe no SUS, além de ser uma medida inconstitucional. A Constituição Federal de 1988, artigo 199, § 2º, afirma que “é vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos”.
Os planos e seguros de saúde são empresas que, por sua própria natureza, visam o lucro acima de tudo, independente de jogar com a saúde e a vida das pessoas. Constituem-se em um poderoso e lucrativo setor sem compromissos com indicadores de saúde e sem controle social.
Quem precisa urgente de “estímulo” é o SUS, que, contrário do que prevê a Constituição, está se tornando complementar às instituições privadas na prestação de serviços, sobretudo na atenção médica especializada e hospitalar. O atual governo pode passar para a história como um dos responsáveis pela extinção da possibilidade e viabilidade do SUS como um sistema público universal que deve oferecer atenção integral.
O Cebes, diante da notícia veiculada, manifesta profunda preocupação com a hipótese de que esta notícia seja de fato configurada como estratégia de governo e, tal como todo o movimento sanitário, encontra-se em alerta máximo contra essa iniciativa que compromete irreversivelmente o Sistema Único de Saúde como projeto de saúde para a sociedade brasileira.
É preciso lembrar o Governo de que a ampliação da oferta de planos de saúde para a classe média constitui um atentado ao direito à saúde e um retrocesso na consolidação do SUS como sistema universal, integral e de qualidade, além de representar uma perversa extorsão para a população que paga barato, mas tem plano com cobertura de atendimento restrita que não dá conta das necessidades de saúde das pessoas. É falacioso e desonesto atribuir mérito da desoneração do SUS a esta estratégia da expansão da oferta de planos privados.
O Movimento Sanitário integrado por intelectuais, pesquisadores, estudantes, gestores, profissionais de saúde, movimentos sociais de usuários do SUS e ativistas vem reclamando por mais recursos orçamentários para o SUS por constatar a precariedade da assistência oferecida fruto, dentre outras causas secundárias, do baixo investimento público no setor saúde.
Nosso objetivo é consolidar o SUS constitucional que a população brasileira conquistou, onde saúde é um direito universal e um dever do Estado. Por isso nossa posição é radicalmente contraria à expansão do mercado privado da saúde que se apresenta hoje financeirizado e comprometido eticamente com os interesses do capital, sem nenhuma responsabilidade sanitária.
Da mesma forma, seremos implacáveis na defesa de que seja cessada a sangria das transferências de recursos públicos para o setor privado, especialmente com a compra de serviços, em detrimento de ampliar a oferta de serviços públicos.
O Brasil precisa de um projeto estratégico de fortalecimento e consolidação do SUS. A notícia veiculada pelo jornal leva a constatação de que, de forma deliberada ou não, prevalece sobre a saúde uma visão fiscalista, em que o fomento do mercado de planos aparece como solução “pragmática” para desonerar as contas públicas compondo o ideário de setores economicistas da atual coalizão governamental.
Em termos concretos, como desdobramento desse cenário político-ideológico, o subfinanciamento do SUS e a captura da ANS revelam uma opção pelo crescimento e pela autorregulação do mercado de planos de saúde, valorando positivamente o subsistema privado e a estratificação de clientela. Um desvio, ou melhor, um erro estratégico que fere de morte o artigo 196 da Constituição.
O elevadíssimo custo dos sistemas privados de saúde em países capitalistas que não contam com sistema públicos universais integrais como é o caso americano, tem induzido uma ampliação da intervenção governamental. Essa experiência deveria ser exemplar na defesa e fortalecimento do sistema público brasileiro.
Ao contrário, no Brasil, após a extinção da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) – uma vitória da oposição em fins de 2007 –, observa-se, no interior do governo Dilma, um franco interesse em ampliar os incentivos governamentais para o setor privado, apesar deste já contar com subsídios escandalosos.
Em razão das atuais circunstâncias históricas, o Cebes não acredita nem aposta que as relações mercantis do setor saúde poderão ser extintas por decreto e, nessa perspectiva, dirigimos nossa mobilização para que as eleições presidenciais de 2014 constituam um momento oportuno para reagregar o bloco histórico identificado com os direitos sociais, com o SUS universal, e com uma reforma sanitária que tenha como norte a solidariedade e os direitos sociais como referencia civilizatória.
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Confira também nota da Abrasco sobre o tema.
Publicado em: 05/03/2013 19:45:00
fonte: http://www.cebes.org.br/verBlog.asp?idConteudo=4200&idSubCategoria=56