Questões para o MST (2)

ANTONIO JULIO DE MENEZES NETO

É bastante conhecida a passagem em que Marx cita o “cercamento dos campos” na Inglaterra, possibilitando a expulsão dos camponeses e sua substituição por carneiros para a produção de lã. Os trabalhadores expulsos iriam para as cidades trabalhar nas fábricas, muitas vezes produzindo casacos de lã cuja matéria-prima advinha dos carneiros que os substituíram no campo.

 

Este exemplo demarca a história do capitalismo. É um sistema mercantil, que se centra na produção de mercadorias, e não no ser humano. Assim, todos os países que desenvolvem a reprodução do capital tendem a expulsar os camponeses ou, quando muito, integrá-los ao sistema. Hobsbawn em seu conhecido livro “A Era dos Extremos” afirma que a urbanização foi a mais importante mudança deste século, pois, até meados do século XX, praticamente todos os países do mundo ainda mantinham uma população rural bem superior à população urbana. No fim do século, mesmo os países periféricos e “rurais” conhecem uma impressionante migração campo/cidade. Diz: “A mudança social mais impressionante e de mais longo alcance da segunda metade deste século, e que nos isola para sempre do mundo do passado, é a morte do campesinato”. (p.284).

 

E assim caminha o capitalismo. Quanto mais o capital adentra em nações para a sua reprodução, menos necessita do trabalhador no campo. No mundo atual, os países considerados “mais atrasados para os padrões capitalistas”, como países africanos, asiáticos ou latino-americanos, são os que apresentam uma maior população camponesa.

 

O Brasil vem conhecendo este fenômeno há algum tempo. Fazendo um recorte para o período JK, veremos que a proposta de “cinqüenta anos em cinco” já havia levado a uma grande migração campo/cidade. O período militar radicalizou com sua proposta de “modernização conservadora”, “conquista de fronteiras” e “apoio ao agronegócio”.

 

Todos estes governos se propunham a “desenvolver” o capitalismo no Brasil e, consequentemente, “urbanizar o país”.

 

Nas últimas décadas, o capitalismo mundial tomou novo formato, com a sua reprodução neoliberal. O agronegócio estava consolidado. Mesmo setores de esquerda começaram a crer que a reforma agrária não seria mais necessária. É neste momento que entra em cena o MST, dizendo que existiam trabalhadores querendo terras e que poderíamos ter um projeto de país que os incorporasse. Não era necessário seguirmos o modelo do capitalismo mundial que elimina os camponeses ou os submete. Assim, o MST torna-se um dos mais importantes e criativos movimentos não só pela defesa da reforma agrária, mas também ao questionar o capital e propor um modelo de país em que os camponeses teriam um importante papel.

 

Porém, o capital possui diversas formas de se reproduzir. E a reprodução não acontece apenas no campo da economia, mas também, e concomitantemente, da política. Governos marcadamente neoliberais, como o de Collor ou FHC, foram substituídos por governos liberal-sociais, como o de Lula/Dilma. Se o governo FHC trazia para a cena a luta de classes, com praticamente toda a esquerda se mobilizando contrariamente, nos governos Lula e Dilma a confusão foi instaurada. Muitos movimentos de trabalhadores ficaram desorientados e passaram a fazer análise de “governo em disputa”, ou “governo de coalizão de classes”, quando claro estava que a única coalizão nos governos Lula e Dilma era a coalizão da classe burguesa.

 

Assim, novamente insisto para que discutamos, no campo da esquerda, estas questões.

 

Não existe reforma agrária capitalista, a não ser para submetê-la ao projeto do capital. Se os trabalhadores querem um projeto autônomo e socialista, devem se organizar para disputar a luta de classes contra os setores do capital incrustados nos meios de produção ou nos governos. A denúncia e a luta contra o capital, representado por capitalistas ou por governos, deve ser o principal objetivo dos socialistas. Coalizões com governos menos ruins ou mais ruins apenas interessam à reprodução do capital. Proponho que discutamos estas questões com franqueza.

Leia também:

 

Questões para o MST (1)

 

Antonio Julio de Menezes Neto é sociólogo, doutor em Educação e professor na UFMG.

 

artigo publicado no jornal Correio da Cidadania em 19/4/2011

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *