Denise Rothenburg – Correio Braziliense
Numa manhã de julho de 1964, o comandante-geral do IV Exército, general Olímpio Mourão Filho, recebeu a visita da jovem Ana Lúcia. De fala mansa e educada, ela pediu: “Vou me casar e o senhor deve saber como é importante para uma filha a presença do pai. Por isso, estou aqui”. O general mostrava-se reticente. Há poucos dias, naquele nascedouro da ditadura militar no Brasil, Mourão tinha declarado que, se dependesse dele, “comunista não saía da cadeia”. Quando Mourão disse que entendia a situação porque também tinha uma filha, outro general reagiu dizendo que, se houvesse manifestação no casamento, estariam todos presos. A jovem de olhos vivos não aquiesceu: “Não estou pedindo a presença de um preso político. Estou pedindo o direito de uma filha: que seu pai compareça ao casamento”, declarou a moça, com a mesma firmeza com que havia acompanhado o pai, Miguel Arraes, na política. O casamento de Ana Lúcia Arraes com Maximiniano Campos Acioly foi celebrado na capela da Base Aérea de Recife, em 9 de agosto de 1964, cercada por soldados. O governador cassado, Miguel Arraes, chegou num avião da FAB e, mal terminou a cerimônia, foi novamente recolhido à prisão em Fernando de Noronha.
Para aquela menina que, aos 17 anos, enfrentou os generais para ter a presença do pai num dos dias mais importantes de sua vida, liderar, hoje, os 38 deputados do PSB ou mesmo os 68 do bloco PSB-PCdoB-PTB é bem mais fácil. Filha de um dos políticos mais importantes do seu tempo e mãe do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, Ana Arraes só subiu à ribalta da política em 2006, aos 59 anos, quando o filho deixou o Congresso para concorrer ao governo do estado. Foi candidata porque o partido considerou necessário ter o sobrenome Arraes no palanque, já que Eduardo não carrega a grife política na sua assinatura. Quando ele nasceu, em agosto de 1965, o nome Arraes era sinônimo de perseguição.
Dona Ana, como alguns a chamam, só teve notícias do pai quando Eduardo nasceu porque um amigo da família o viu desembarcando no aeroporto Santos Dumont, quando Arraes foi transferido para o Rio de Janeiro, até seguir para o exílio, na Argélia. A reaproximação da família só ocorreu mesmo em 1979, quando Arraes voltou ao Brasil e foi para a casa da filha.
Nos palanques
A convivência mais próxima levou dona Ana de volta aos palanques. Ela só se formou em direito depois que o marido morreu, em 1998. Em 2006, quando foi candidata, o pai não estava mais vivo para ver a filha obter 178,4 mil votos e estrear no Congresso. “Quando me elegi, falei para Eduardo: ‘Pronto. E, agora, o que eu faço?’ Ele apenas beijou minha mão e disse: ‘Você vai tirar de letra’”, conta
Com a política no sangue e o sobrenome Arraes, não foi difícil para ela circular no Parlamento. Na Comissão de Defesa do Consumidor, Ana Arraes já chegou com a lista de municípios pernambucanos que não tinham acesso à telefonia celular. Apresentou um projeto de desoneração da cesta básica e ainda participou da Comissão Especial da Reforma Tributária. Aprendeu rápido sem deixar de andar pelo sertão nordestino nos fins de semana. Tomou tanto gosto que percorreu 120 mil quilômetros na campanha do ano passado, o que ajudou a multiplicar a votação de 2006. Foram 387.581 votos em 2010, colocando-a entre as campeãs em todo o Brasil.
Hoje, a casa de dona Ana em Brasília é cenário de encontros políticos importantes, como as conversas entre o PSB e José Eduardo Dutra nos tempos de montagem do governo Dilma. A eleição da primeira mulher presidente da República empolgou a advogada ao ponto de ela se apresentar para uma das vagas da Mesa Diretora. Não conseguiu porque surgiu a liderança, aonde ela chega com ares de quem deseja contornar a disputa velada entre o filho e os Ferreira Gomes — Cid e Ciro —, do Ceará, e desonerar a cesta básica. “Temos que estar de olho na pauta do povo. Não é possível um quilo de açúcar ter 40% de tributo.”
Mas com um jeito de quem quer chegar sem alarde, da mesma forma que chegou, há 46 anos, ao general Mourão. E que ninguém se engane: se precisar, ela arregalará os olhos e responderá com firmeza, como fez com o outro general. Afinal, Ana Arraes não pegou em armas como Dilma, mas também enfrentou a ditadura.