Os limites (autoimpostos) das mulheres

Marcela Buscato – revista Época

A socióloga britânica Catherine Hakim, pesquisadora da London School of Economics, é respeitada por seus estudos sobre gênero e mercado de trabalho. Mas isso não quer dizer que eles passem longe de ser polêmicos. Há alguns meses, Isabel explicou aqui o novo conceito criado por Catherine, o do capital erótico. A socióloga deixou o politicamente correto de lado e colocou a beleza e a sensualidade como qualidades valorizadas no mercado. Agora, Catherine acaba de lançar um novo relatório que deixou muitas mulheres iradas. Em “Feminist Myths and Magic Medicine” (Mitos Feministas e Remédio Mágico), Catherine afirma que quase não há mais diferença de gênero no mercado de trabalho. Pelo menos, no Reino Unido.

Catherine afirma que a diferença de salário entre homens e mulheres não ultrapassa 10% e que essa diferença não se deve a preconceito. Segundo a socióloga, os homens vão mais longe na carreira e ganham mais porque eles estão dispostos a isso. Já as mulheres teriam menos ambições e, por isso, não investiriam tanto na carreira. O recado de Catherine para as mulheres é algo na linha “parem de reclamar”. “Está claro que políticas contra a discriminação racial deveriam ter prioridade sobre a desigualdade de gênero”, escreve Catherine.

As conclusões são polêmicas. Afirmar que não existe mais diferença de gênero (ainda que seja na Inglaterra) é controverso. No Brasil, segundo pesquisa coordenada pelo Instituto Ethos, as mulheres representam 43,6% da população economicamente ativa, mas estão em apenas 13,7% dos cargos de liderança. Culpar o preconceito de gênero pelos números díspares não vai ajudar a mudar a situação. Acho mais produtivo pensar como podemos melhorar nossas habilidades profissionais, independentemente do gênero. Mas é difícil acreditar que no Brasil, pelo menos, não haja resquícios machistas impregnados nas ideias de muitas pessoas. O caso Geisey Arruda é um exemplo. As cantadas nas ruas são outro. Se não dá para usar vestido do tamanho que se bem entende nem andar na rua sem ouvir “elogios”, por que esse tipo de pensamento sumiria da mente das pessoas quando elas pisam em uma empresa?

A explicação de Catherine para a diferença salarial é ainda mais polêmica do que sua primeira afirmação. As mulheres não assumem cargos mais importantes e não aumentam sua renda porque não querem. Têm outras prioridades. É duro dizer isso, mas dá para discordar? Já escrevi sobre o meu espanto com as meninas da minha geração que assumem sozinhas a obrigação de manter a casa em ordem e os filhos cuidados e acabam abandonando suas carreiras. .

Catherine está certa. Ainda achamos (sim, nós mulheres) que cuidar da casa e dos filhos é coisa de mulher. Toda vez que a minha mãe vai à minha casa e descobre que tem algo faltando – de amaciante a arroz – me sinto um fracasso (imaginem o drama se eu tiver filhos). Toda vez que essa culpinha se insinua, dou um chega para lá nela. Porque ela não me pertence (é algo configurado no nosso cérebro por forças externas! rsrs). Não é só minha obrigação cuidar da lista de compras e afins. Primeiro porque o marido divide a vida comigo e isso inclui dividir tarefas domésticas também. Em segundo lugar, não estou deixando de fazer algo que eu deveria. Porque eu estou fazendo o que eu deveria: trabalhar. Esse raciocínio é um exercício mental que temos de fazer todas vezes em que a Amélia ameaça baixar.

Trabalhar não é opcional para mulheres, não é como escolher se queremos fazer ou não aulas de dança, se aprenderemos inglês ou espanhol. Alguém considera a hipótese de um homem decidir não trabalhar? Trabalhar é algo tão básico para as mulheres como é para os homens. E nem é por dinheiro, não. É por satisfação pessoal mesmo. Será que chegará o dia em que as mulheres perceberão que não precisam dar conta de tudo sozinhas?

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