Edson Sardinha – Congresso em Foco
Partidos considerados de esquerda e centro-esquerda vão ocupar 38% das cadeiras da Câmara e 33,5% das vagas do Senado. Para analista político, composição favorece debates sobre questões como casamento gay, descriminalização do aborto e cotas
Crescimento de esquerdistas no Senado é puxado pelo PT, que passa a ter 15 senadores
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A esquerda terá um espaço inédito no Congresso Nacional que toma posse hoje (1º). A classificação ideológica das siglas brasileiras e o impacto disso na produção legislativa podem provocar longos debates. Porém, uma coisa é certa: PT, PCdoB e Psol, tidos como de esquerda, e PSB, PDT, PPS e PV, historicamente associados à centro-esquerda, ocuparão 219 (37%) das 594 cadeiras do Parlamento. Entre eles, apenas Psol e PPS não fazem parte da base de apoio da presidenta Dilma Rousseff.Na Câmara dos Deputados, a participação somada de esquerda e centro-esquerda chegará a 38%. No Senado, o índice é menor, mas a esquerda nunca usufruiu na Casa de tanto espaço quanto terá na legislatura que tem início hoje. Dos 81 senadores, 19 (23,5%) são filiados a PT, PCdoB ou Psol. Com os oito senadores de centro-esquerda, o grupo ocupará 27 cadeiras. Há quatro anos, eram 23. Agora, com 15 senadores, os petistas só terão menos representantes do que o PMDB, considerado de centro.
Na Câmara, esquerda e centro-esquerda também nunca ocuparam tanto espaço, pelo menos desde 1986, quando foram realizadas as primeiras eleições após a ditadura militar. Na legislatura iniciada em 1987, eles ocupavam apenas 14,5% das cadeiras da Casa. Quatro anos mais tarde, pularam para inéditos 20%. De lá pra cá, passaram-se duas décadas e a presença deles praticamente dobrou na Câmara. Ao todo, 106 deputados são de partidos de esquerda e 86, de centro-esquerda, o que corresponde a 38% da composição da Casa, índice superior aos 36% registrados no início da legislatura que se encerra.
Para analistas políticos ouvidos pelo Congresso em Foco, a maior presença de partidos de esquerda e centro-esquerda pode interferir na pauta legislativa, abrindo espaço para debates sobre temas polêmicos, como a união civil de homossexuais, a descriminalização do aborto, o aprofundamento de políticas de cotas raciais e sociais e a redução da jornada trabalhista. Se não vai resultar na aprovação delas, pode ao menos facilitar a entrada desses assuntos na ordem do dia do plenário, acreditam.
Trajetória ideológica da Câmara desde 1987
(participação percentual das bancadas por legislatura)
Orientação ideológica |
Legislatura |
Legislatura |
Legislatura |
Legislatura |
Legislatura 2003/07 |
Legislatura |
Legislatura 2011/15 |
1987/91 |
1991/95 |
1995/99 |
1999/2003 |
2007/11 |
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Centro (1) |
39 |
29 |
34 |
36 |
28,5 |
31 |
26,3 |
Centro-direita (2) |
40 |
42,5 |
34,5 |
30 |
28,5 |
24,5 |
27,7 |
Esquerda (3) |
4,5 |
8 |
11,5 |
13 |
20 |
19 |
21 |
Centro-esquerda (4) |
10 |
12 |
10 |
9 |
12 |
17 |
17 |
Direita (5) |
6,5 |
8,5 |
10 |
12 |
11 |
8,5 |
8,6 |
1) PMDB, PSDB e PMN.
2) PFL/DEM, PTB, PL/PR, PSC, PTC, PHS, PAN, PRB, PSL, PST, PSD, PSDC, PSP, PRN, PRS, PTR, PDC e o antigo Partido Popular (PP, que disputou apenas as eleições de 1994 e depois foi incorporado ao atual Partido Progressista, PP).
3) PT, PCdoB e Psol.
4) PDT, PSB, PPS e PV.
5) PP (que ao longo do período 1987/2011 teve também as denominações de PDS, PPR e PPB), Prona (que se fundiu ao PL, formando o PR, no início de 2007) e PTdoB.
Fonte: Congresso em Foco
Dos extremos para o centro
“O diagnóstico é verdadeiro. Temos a maior concentração de parlamentares à esquerda do espectro político. Mas num governo de coalizão essas forças acabam se diluindo. Elas puxam as posições dos partidos de direita e centro-direita que também participam do governo para o centro”, avalia o diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz.
Para o cientista político Leonardo Barreto, a maior presença dos partidos de esquerda e centro-esquerda no Congresso se deve basicamente a dois fatores: as duas eleições de Lula e a dificuldade das legendas conservadoras de assumirem um discurso próprio no Brasil.
“Os partidos conservadores têm muita dificuldade de se assumirem como tais. O DEM (antigo PFL), por exemplo, se refundou com o objetivo de resgatar o eleitorado conservador. Mas não concluiu seu processo porque foi obrigado a moderar o discurso para se associar ao PSDB na busca pelo Executivo. Essa ligação faz com o que partido se apresente de forma ambígua para as pessoas”, considera o professor.
Embates e contradições
Para Leonardo Barreto, uma mostra de que o embate entre direita e esquerda resiste ao tempo foi a derrubada da cobrança da CPMF no Senado em 2007. A rejeição da proposta de emenda constitucional que prorrogava a cobrança do tributo até 2011 foi liderada pelo DEM. “Esse foi o ponto alto do partido nos últimos anos”, ressalta o cientista político. A redução de impostos é tradicionalmente uma bandeira de partidos conservadores em todo o mundo.
Por mais que o PT tenha caminhado para o centro e legendas de centro-esquerda, como PDT e PSB, tenham flexibilizado o ingresso de quadros originários de partidos mais conservadores, Antônio Augusto acredita que esses partidos não abandonaram bandeiras históricas caras à esquerda, como a defesa dos direitos humanos e de oportunidades de ascensão econômica e social. Para ele, o fato de os bancos nunca terem lucrado tanto quanto nos oito anos do governo Lula, por exemplo, não quer dizer que o PT tenha esquecido suas origens.
“Esse aspecto da coloração política, com essa variação de esquerda e direita, é hoje menos uma visão econômica. Com um Congresso mais à esquerda, é possível incluir na agenda temas como união civil entre pessoas do mesmo sexo, descriminalização do aborto, criminalização da homofobia, combate à redução da maioridade penal e defesa de políticas afirmativas para minorias. Se dependesse da direita, nenhuma dessas coisas prosperaria”, afirma o analista político.
Leonardo Barreto também considera relevante a capacidade de influência que podem desempenhar os partidos de esquerda e centro-esquerda, que fazem parte majoritariamente do governo Dilma. “Ela colocou no discurso de campanha que faria a desoneração da folha de pagamento. Mas está vendo que isso é superdifícil, porque a solução econômica não é a solução política. A econômica seria cortar, por exemplo, contribuições sindicais. Com a base que tem hoje, Dilma terá de fazer isso com mais cuidado”, exemplifica o professor da UnB. O movimento sindical é uma das bases de sustentação de partidos como o PT e o PDT.
Mudanças graduais
Na avaliação dele, isso não significa que o próximo Congresso adotará práticas inovadoras em relação ao anterior. “As pessoas não podem alimentar muitas expectativas porque as questões institucionais permanecem as mesmas. As bases pelas quais a maioria dos partidos e dos parlamentares decide se apoia ou não a agenda do governo, como a distribuição de espaços políticos no Executivo e a liberação de obras e recursos, continuam as mesmas. Antevejo um Congresso muito pouco pró-ativo, movido pelo Executivo ou por crises. O Executivo tem plena possibilidade de implantar sua agenda”, observa Leonardo Barreto.
Para ele, não será desta vez que o Legislativo promoverá mudanças profundas, como as reformas política e tributária. “Em vez de mudanças globais, você vai ter pingadinhas, alguma coisa de cada uma das reformas que estão sendo citadas. Alguma agenda sobre a questão das mulheres vai ser trabalhada. A questão do aborto e do casamento gay também pode ser discutida”, afirma.
Antônio Augusto de Queiroz concorda com a possibilidade da retomada do debate desses assuntos. Tanto pela pressão dos partidos, como pela pressão da sociedade civil, a exemplo do que houve com a Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular. Mas, para ele, uma importante contribuição que o perfil partidário do novo Senado favorece é a modernização da Casa, conhecido reduto oligárquico.
“Essa presença maior dos partidos de esquerda e centro-esquerda é muito importante no Senado, principalmente para a modernização da instituição, que sempre foi casa conservadora. Com parlamentares mais jovens, com perfil mais à esquerda, é possível dar maior dinâmica à Casa, diminuir o provincianismo e o conservadorismo”, considera o diretor do Diap.
Composição ideológica no Senado
(participação percentual das bancadas por legislatura)
Orientação ideológica |
Legislatura |
Legislatura 2011/15 |
2007/11 |
||
Centro (1) |
38 |
38 |
Centro-direita (2) |
24,5 |
22,5 |
Esquerda (3) |
17,2 |
23,5 |
Centro-esquerda (4) |
11 |
10 |
Direita (5) |
1,2 |
6 |
1) PMDB, PSDB e PMN.
2) PFL/DEM, PTB, PL/PR, PSC, PRB.
3) PT, PCdoB e Psol.
4) PDT, PSB, PPS e PV.
5) PP (que ao longo do período 1987/2011 teve também as denominações de PDS, PPR e PPB).
Fonte: Congresso em Foco