Por Kanya D’Almeida, da IPS
Nova York, Estados Unidos, 28/1/2011 – As mulheres dão vida a todas as crianças, cultivam 70% do alimento e respondem por 60% do trabalho realizado no mundo, mas só recebem 10% da renda. O momento de agir para dar poder às mulheres não admite mais demoras, afirmou Michelle Bachelet, subsecretária-geral adjunta e diretora-executiva da nova entidade da Organização das Nações Unidas (ONU) dedicada à igualdade de gênero, ao apresentar sua visão e seu plano de ação para os próximos cem dias.
“É inaceitável que 75% das mulheres e meninas sofram violência física ou sexual em algum momento de sua vida ou que haja apenas 19 chefes de Estado entre os 192 membros da ONU”, disse Michelle, no dia 25, na sede das Nações Unidas. A disparidade de 41% na participação econômica e de 82% na política é motivo de grande preocupação, insistiu.
A ONU Mulheres é o resultado de vários anos de negociações, planejamento estratégico e árduas campanhas em busca de dinheiro. Formalmente criada em julho de 2010, a nova entidade reuniu quatro organismos: Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), Divisão para o Progresso da Mulher, Instituto Internacional de Pesquisas e Capacitação para a Promoção da Mulher (Instraw) e Escritório do Assessor Especial em Questões de Gênero (Osagi).
As prioridades da ONU Mulheres para os próximos meses incluem abordar com seriedade o assunto da violência, incentivar e melhorar suas vozes, sua liderança e participação nos âmbitos nacional e internacional, priorizar seu papel na agenda de segurança e paz, dar poder econômico às mulheres e conseguir que as desigualdades de gênero ocupem um lugar central no planejamento orçamentário nacional e internacional.
O entusiasmo e a ambição de Michelle não são compartilhados por ativistas e acadêmicas, entre outras, que estão preocupadas, inquietas e até se mostram céticas a respeito da capacidade desse novo órgão. Desde o começo, a ONU Mulheres esteve envolvida em controvérsias, especialmente após a polêmica eleição da Arábia Saudita como contribuinte da Junta Executiva, em novembro.
A presença da Arábia Saudita envia um “sinal horrível às mulheres que haviam depositado suas esperanças na nova agência”, afirmou Philippe Balopion, diretor da Human Rights Watch (HRW) para relações com a ONU. Philippe se mostrou consternado por um país com desastrosos registros em matéria de violações de direitos femininos e leis internacionais poder ter “comprado um assento” na nova agência mediante generosa contribuição. Também condenou a presença de um representante congolês devido “aos níveis escandalosos de violência sexual contra as mulheres na República Democrática do Congo”.
A chefe de assuntos externos da organização Voluntary Service Overseas United Kingdom (VSO UK), Kathy Peach, acredita que os jogos políticos podem minar seriamente o importante trabalho da ONU Mulheres. “Sinceramente, espero que as políticas nacionalistas não tenham um impacto significativo sobre o que faz a ONU Mulheres, como e onde opera. É uma oportunidade histórica que o fórum mundial simplesmente não pode deixa escapar”, disse Kathy à IPS.
“Do ponto de vista da sociedade civil, realmente não podemos ver mais mulheres morrendo enquanto os Estados-membros fazem seu jogo político. Não pode haver uma nem duas vozes capazes de influir e criar obstáculo aos objetivos da ONU Mulheres”, acrescentou Kathy. “É preocupante o fato de esta agência já ter um déficit inicial de US$ 300 milhões no orçamento fixado pelos Estados-membros. Inclusive, a cifra de US$ 500 milhões não é realista, segundo nossos padrões, para conseguir as mudanças que são absolutamente necessárias para atender a desigualdade e a discriminação arraigadas que sofrem as mulheres”, afirmou.
Há alguns anos, a VSO UK reclama orçamento anual de US$ 1 bilhão, quantia que deverá aumentar gradativamente. “Em comparação com os orçamentos de outras agências similares, como Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) que em 2003 recebeu US$ 3 bilhões, observa-se que US$ 1 bilhão é uma quantia modesta”, afirmou Kathy. Sua organização decidiu lançar em janeiro a campanha de “madrinhas” para apoiar e ajudar a ONU Mulheres a cumprir seus objetivos. Envolverde/IPS
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Crédito: UN Photo/Paulo Filgueiras.
Legenda: Michelle Bachelet, sub-secretária geral adjunta e diretora executiva da ONU Mujeres.
(IPS/Envolverde)