Ana Elisa Santana – Correio Braziliense
Atrasos constantes e receio quanto à violência figuram entre os principais problemas apontados pelos usuários
O transporte público é o meio de transporte mais utilizado pelos brasileiros dentro das cidades. Segundo a Pesquisa do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS), divulgada ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 43,4% da população usa ônibus, metrô ou outros meios coletivos para se locomover. No entanto, uma histórica falta de estrutura no sistema faz com que parte da população opte por andar em seus próprios veículos.
O publicitário Ronaldo Santos toma ônibus ou metrô diariamente para ir de sua casa, em Taguatinga, até o trabalho no Setor Comercial Norte. Mesmo morando perto de uma estação de metrô e com a dificuldade que há para estacionar na Asa Norte, ele pretende comprar um carro até maio e se juntar aos cerca de 1,3 milhão de veículos que já circulam no Distrito Federal. “Hoje, vejo que a saída é pagar por estacionamento. Colocando na balança, vale a pena gastar mais para vir de carro do que enfrentar chuva, sol e demora de ônibus”, compara.
Para o diretor-superintendente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Marcos Bicalho dos Santos, falta no país uma política de mobilidade urbana que dê prioridade ao transporte público. Segundo Bicalho, uma série de medidas tomadas no Brasil ao longo dos últimos anos incentivou o uso dos automóveis. “Nós tivemos subsídio ao preço da gasolina, depois ao preço dos veículos, das motocicletas, que causou essa explosão na frota, sem que o sistema viário das cidades tivesse condições de suportar esse aumento”, explica.
Problemas crônicos
O crescimento da frota de veículos particulares afeta qualidade do serviço de transporte público, principalmente de ônibus, segundo Bicalho. Ele defende que a maior quantidade de carros nas ruas, sem a preparação viária adequada, acaba causando mais congestionamentos e reduz a produtividade das empresas. “Uma viagem que se fazia em 10 minutos passa a durar duas horas. Para manter o mesmo intervalo exige-se um aumento da frota, de motoristas, cobradores. Com isso, os custos sobem mais do que em qualquer processo inflacionário normal”, argumenta.
Rapidez, variedade de horários e pontualidade são fatores importantes para a escolha dos usuários. A Região Sudeste, segundo os dados do Ipea, é a única do país em que mais da metade dos entrevistados (50,7%) usa transporte público como principal meio para se deslocar. E os números mostram que a escolha dos usuários pode estar relacionada à qualidade do serviço prestado, uma vez que a região é, também, a que tem a maior porcentagem de pontualidade apontada pelos passageiros: 51,5% deles afirmam que o transporte está sempre no horário.
O país tem, hoje, 46 cidades com mais de 500 mil habitantes que precisam ter resolvidos os problemas crônicos de transporte. Em 12 delas está sendo implantado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da modalidade urbana, devido à Copa do Mundo de 2014, com projetos de mobilidade brasileiros que são usados em 80 países do mundo, mas não foram totalmente desenvolvidos aqui. “Temos experiências que datam da década 70, por exemplo, em Curitiba, onde há o BRT (Bus Rapid Trans) com o objetivo de priorizar o transporte coletivo. Agora o governo federal acordou, depois de praticamente duas décadas ausente nos investimentos no setor. Acredito que é apenas um primeiro passo para reverter essa crise”, diz Bicalho.
Comida
O estudo mostra ainda que o brasileiro passou, entre 2003 e 2009, a gastar com transporte, a cada mês, praticamente a mesma quantia que desembolsa para alimentação. Em uma comparação com dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ipea aponta que os gastos para se deslocar pela cidade somaram R$ 419,20 mensalmente em 2009, enquanto em 2003 o valor destacado para este fim era de R$ 375,90. No consumo de alimentos, a população gasta, em média, R$ 421,70.
O valor destinado ao transporte é superior, também, a cuidados como assistência médica e vestuário. Em 2009 o brasileiro gastou, em média, R$ 153,80 com saúde, e R$ 118,20 com roupas. As quantias são menores até mesmo do que a dedicada à aquisição de veículos: R$ 181,70.
Medo de assaltos
A insegurança é um dos motivos também observados por quem prefere usar carro como meio de transporte na cidade. Dados do Ipea apontam que 41,9% dos brasileiros já foram assaltados ou conhecem alguém que tenha sido ao se deslocar pela cidade onde mora. Laís Amorim, 21 anos, afirma que gostaria de fazer faculdade no período da noite devido à maior facilidade para conciliar horários com estágios. No entanto, ela se matriculou no período da manhã para se preocupar menos com assaltos e atrasos, mesmo tendo que sair do Gama, onde mora, até duas horas antes do início de suas aulas, no Plano Piloto. “É perigoso andar à noite e é complicado se organizar com os horários dos ônibus. Às vezes eu dirijo, mas se os ônibus melhorassem, eu abriria mão”, diz a estudante.
O funcionário público Pedro Raimundo da Silva foi motorista de ônibus em Brasília entre 1970 e 1973. Ele acredita que o sistema de transporte depende, também, de outros setores. “No início da cidade, o serviço era outro, mas nós também tínhamos mais segurança, por exemplo. Não se ouvia falar em assaltos a ônibus naquela época”, lembra. (AES)
Povo fala
Você trocaria o carro pelo transporte público?
Felipe Faria, estudante, morador de Taguatinga
“Prefiriria andar de carro mesmo que o transporte fosse melhor. Os ônibus são muito cheios.”
Mara Gasparoto, professora, moradora da Asa Sul
“Hoje, a gente tem poucas opções, principalmente no Plano Piloto. É melhor pagar mais pela segurança e conforto”
Marizam de Fátima, orientadora educacional, moradora de Sobradinho
“Quando estou com pressa é mais confiável andar de carro, pelos horários, mesmo tendo que enfrentar engarrafamentos”
Paulo Ramos, produtor cultural, morador da Asa Sul
“Por volta das 19h a gente já não vê muitos ônibus nas ruas. Moro do lado de uma estação de metrô e trocaria se fosse mais eficiente”