Por Richard A. Friedman* -The New York Times
Para muitos terapeutas, o autoconhecimento como pré-requisito para uma vida feliz é praticamente um artigo de fé. A introspecção, diz o pensamento, pode libertá-lo de suas manias psicológicas e promover o bem-estar.
Pode ser, mas uma experiência recente me fez pensar se o autoconhecimento é mesmo tão bom quanto todos dizem.
Não muito tempo atrás, vi um jovem de trinta e poucos anos triste e angustiado por ter sido deixado pela namorada – pela segunda vez em três anos. Estava claro que seus sintomas eram uma reação à perda de um relacionamento, e que ele não estava clinicamente deprimido.
“Já repassei o assunto muitas vezes na terapia”, contou ele. Ele tinha dificuldade em lidar com qualquer separação de namoradas. Se elas iam embora por apenas um final de semana ou se ele estava viajando a trabalho, o resultado era sempre o mesmo: o doloroso estado de depressão e angústia.
Ele inclusive conseguiu rastrear seus sentimentos até a separação de sua mãe, que ficara hospitalizada por vários meses, quando ele tinha quatro anos, para um tratamento contra o câncer. Em resumo, ele havia tido grandes epifanias na terapia, atingindo a natureza e as origens de sua ansiedade – mas não se sentia melhor.
O que a terapia havia conseguido era dar a este jovem uma narrativa coerente de sua vida; ela havia desmistificado seus sentimentos, sem grandes progressos para alterá-los.
Seria isso porque seu autoconhecimento era imperfeito ou incompleto? Ou a própria introspecção, independente de quão profunda, teria um valor limitado?
Psicanalistas e outros terapeutas discutiram por anos essa questão, que chega ao núcleo de como funciona a terapia (quando ela funciona) para aliviar a agonia psicológica.
Debates teóricos não resolveram a questão, mas uma pista sobre a possível relevância do autoconhecimento vem de estudos comparativos sobre diferentes tipos de psicoterapia – sendo que apenas alguns deles enfatizam a introspecção.
Na verdade, quando dois tipos distintos de psicoterapia são comparados diretamente – e existem mais de 100 estudos desse tipo -, muitas vezes é difícil encontrar qualquer diferença entre eles.
Pesquisadores chamam apropriadamente esse fenômeno de “efeito Dodo”, referindo-se ao pássaro Dodo de “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, que preside uma corrida das mais extravagantes e declara todos como vencedores.
O significado para os pacientes é incerto. Um paciente com depressão, por exemplo, provavelmente se sentirá melhor com o terapeuta usando uma abordagem cognitiva-comportamental, que busca corrigir ideias e sentimentos distorcidos, ou com uma terapia psicodinâmica orientada pelo autoconhecimento.
Como o ingrediente comum a todas as terapias não é a introspecção, mas uma indefinida ligação humana com seu terapeuta, parece justo dizer que a introspecção não é nem necessária e nem suficiente para melhorar.
E não é só isso: algumas vezes, a introspecção parece até mesmo agravar o sofrimento de uma pessoa.
Lembro-me de um paciente que era cronicamente deprimido e insatisfeito. “A vida é um grande empecilho”, dizia ele, antes de catalogar uma lista bastante real de problemas sociais e econômicos.
É claro, ele estava certíssimo sobre o perigoso estado da economia, embora fosse rico e não estivesse diretamente ameaçado por ela. Ele era um analista financeiro muito bem-sucedido, mas estava entediado com o trabalho, que, para ele, era mecânico e pessoalmente insatisfatório.
Ele já tinha feito anos de terapia antes de se consultar comigo, e havia chegado à conclusão de que escolhera sua profissão para agradar seu exigente pai – em vez de seguir sua paixão pela arte. Mesmo sendo muito perceptivo a respeito de grande parte de seu comportamento, ele claramente não era mais feliz por isso.
Quando ficava deprimido, porém, essa percepção agravava sua dor – pois ele repreendia a si mesmo por não ter enfrentado o pai e seguido seu próprio caminho.
Pesquisadores sabem há anos que pessoas deprimidas têm essa inclinação seletiva da memória para eventos negativos em suas vidas; não é que elas estejam fabricando histórias negativas, e nem se esquecendo das boas. Nesse sentido, suas percepções e visões podem ser tristemente precisas, embora parciais e incompletas. Sua introspecção lhes faz tão bem!
Isso inclusive nos faz imaginar se um pouco de autoilusão é algo necessário para a felicidade.
Nada disso significa dizer que a introspecção não tem valor. Longe disso. Se você não quer ser um prisioneiro de seus conflitos psicológicos, a introspecção pode ser uma poderosa ferramenta para afrouxar seu aperto. Você provavelmente sentirá menos dores emocionais, mas isso é diferente da felicidade.
Falando nisso, meu paciente cronicamente deprimido veio me ver recentemente, parecendo excessivamente feliz. Ele tinha largado o emprego e conseguido outro, com salário infinitamente menor, no mundo das artes. Nós começamos a conversar sobre por que ele se sentia tão bem. “Simples”, respondeu ele. “Estou fazendo o que gosto”.
Percebi, então, que sou muito bom em tratar a tristeza clínica com remédios e terapia, mas que trazer felicidade é algo além. Talvez a felicidade seja um pouco como a autoestima: as duas requerem esforço. Pois, até onde eu sei, é impossível obter uma infusão de qualquer uma delas com um terapeuta.
* Richard A. Friedman é professor de psiquiatria na Faculdade de Medicina Weill Cornell, em Manhattan