Globo Natureza/Fantástico
Nesta aldeia, as meninas ficam presas durante anos dentro das malocas até se tornarem mulheres. E se revelam guardiãs da cultura única de sua gente.
Elas são bonitas, vaidosas, mães dedicadas, As kamayurá são guerreiras em defesa da tradição. Nesta aldeia as meninas ficam presas durante anos dentro das malocas até se tornarem mulheres. E se revelam guardiãs da cultura única de sua gente.
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De Cuiabá, em Mato Grosso, são cerca de 600 quilômetros de distância até o Xingu. O sobrevoo mostra uma imensidão verde. Do alto dá pra ver exatamente onde fica o parque indígena do Xingu. A mata é a terra dos índios.
O pouso é em uma pista de terra. E os kamayurá se aproximam para dar as boas vindas. A chegada da equipe acabou se transformando num grande acontecimento, numa atração principalmente para as crianças, que cercam o avião cheias de curiosidade.
A entrada na aldeia é impactante e quando se chega no pátio, se entende porque a aldeia dos kamayurá é conhecida como a mais bonita do Xingu. Malocas imensas, cobertas de sapê do telhado ao chão. É no silêncio e no isolamento das malocas que os kamayurá mantêm um de seus rituais mais importantes: o da reclusão de suas meninas .
Dentro da maloca é escuro mesmo durante o dia. Só se consegue gravar com a ajuda do equipamento de iluminação. Durante um ano, Kamirrã permaneceu em um cantinho da casa cercada pelas mantas. Ela ficou um ano sem tomar sol.
Assim que as meninas kamayurá menstruam pela primeira vez, ficam reclusas. É um rito de passagem da infância para a vida adulta. São os pais que determinam o tempo de confinamento. Durante a reclusão, as meninas aprendem a fazer artesanato, cozinhar, se preparar para ser mães.
As meninas nunca reclamam do destino traçado para elas. Mesmo que isso exija um pouco de sacrifício. Elas amarram bem apertadas as tornozeleiras e as joelheiras para engrossar as pernas.
A franja comprida esconde o rosto. As reclusas não podem cortar o cabelo até o fim do ritual. As avós cuidam delas o tempo todo. A refeição é reforçada com beiju, mingau e peixe para a menina ganhar corpo de mulher.
Kamirrã vê o mundo através de uma fresta que abriu entre as palhas da maloca.
do outro lado, a amiga conta o que se passa lá fora. Mas agora falta pouco para ela ganhar a liberdade. Poucas horas antes de sair da reclusão, Kamirrã recebe os últimos conselhos da família. Quando deixar a maloca ela será considerada mulher.
No rosto da mãe, a admiração ao ver que a filha cresceu e virou uma moça forte e bonita. Os tempos são outros, antes, as meninas saiam da reclusão para um casamento arranjado.
“Ela é que vai escolher. Não sou eu que vou mandar para ela escolher. Quem vai escolher é ela,” diz o pai de Kamirrã.
A tinta negra do jenipapo forma desenhos geométricos no corpo de Kamirrã. O colar de miçanga completa a roupa da festa. Enfeitada como se fosse para um baile de debutante, Kamirrã, depois de um ano, sai da maloca pela primeira vez.
Mais um ritual é repetido: o corte da franja. O rosto será, enfim, descoberto e ela passará a enxergar o mundo com um novo olhar.
Para Kamirrã, a vida real depois da reclusão é de muito trabalho. Bem cedo, ela segue com as mulheres da aldeia para buscar água no rio. É só o começo de uma jornada que parece não ter fim.
As mulheres dão um duro danado na roça. Elas plantam e colhem a mandioca, que é a base da alimentação dos kamayurá.
Quando tem tanajura, eles enlouquecem. Comem as formigas enormes como se fossem pi
poca. As crianças se lançam numa caçada que se acontece uma vez por ano, quando chega a temporada da chuva.
A ventania anuncia um temporal. Mas o que pode uma índia contra a força da natureza? Se ela tiver a tatuagem de líder no ombro e for a primeira mulher pajé do Xingu, não duvide. Aos poucos a natureza se acalma.
Mapulu já é uma pajé respeitada não só pelos kamayurá. Ela tem ido longe pra socorrer pacientes até mesmo de outras aldeias fora do Xingu. A fama desta mulher pajé não para de crescer.
“Paciente nunca morreu na minha mão,” se orgulha a pajé.
Ela também tem se revelado uma parteira de mão cheia.
“Os casos em que nós trabalhamos juntos, seguramente eu devo ter feito uns 30% e ela fez os outros 70%. Um excelente parto,” revela o médico responsável pela saúde dos índios, Dr. Vitor Tarouco.
A força de Mapulu é herança de família. Ela é irmã do cacique Kotok, que consegue conciliar as tradições com a modernidade. Encontramos placas de energia solar na aldeia, antenas de TV e internet. Eles se comunicam com o mundo sem perder os seus valores.
Mas uma das maiores façanhas do cacique é administrar um longo casamento em dose tripla.
É um retrato de família para pouco, entre os kamayurá só o cacique Kotok tem tantas esposas. E se pra alguns homens ter três mulheres parece um sonho, na vida real, isso exige muito jogo de cintura. Três mulheres e 25 filhos.
“E mais 32 netos que eu tenho e agora eu quero ter mais filhos ainda para chegar a ter 30,”diz o cacique.
Sobre a possibilidade de ter mais mulheres, ele responde:
“Não eu acho que por enquanto as três já tá bom demais pra mim”, completa o cacique.
Durante uma semana convivemos com os kamayurá, um povo que preserva os costumes e respeita a floresta como os seus antepassados já faziam. Um casamento duradouro entre a natureza e quem precisa dela para sobreviver.