HELOÍSA NORONHA& – Colaboração para o UOL
Célebre por suas tiradas sarcásticas e irônicas – muitas, porém, dotadas de uma boa dose de verdade incômoda – o escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900) já dizia, há mais de um século, que somente as pessoas superficiais não julgam pela aparência. Ou seja, quem tem um mínimo de cultura, alma e inteligência, sabe que o belo chama mais a atenção do que o feio e, portanto, em princípio, é mais importante.
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Culto à beleza passa a ser problema quando a pessoa abre mão de outros interesses em prol da vaidade – amigos, vida social, relacionamentos afetivos, pequenos ou grandes prazeres
A beleza nunca foi tão importante quanto agora. Basta dar uma espiadinha, como convida todas as noites o jornalista Pedro Bial, na casa mais falada do Brasil: tirando um ou outro menos abençoado, a maioria dos participantes do “Big Brother Brasil 11” (e, vamos combinar, de todas as edições anteriores) tem músculos ou curvas de tirar o fôlego, cabelos cuidados, pele bem tratada. Embora o ano de 2010 tenha sido marcado por um movimento pró-beleza natural, com revistas estampando atrizes sem Photoshop e modelos plus size, as mulheres ainda desejam ser magras e continuam a buscar a uma aparência perfeita. Para a psicanalista carioca Joana Vilhena Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social (LIPIS) da PUC-Rio, antes de fazer qualquer crítica ao culto extremado ao corpo e à vaidade, é preciso contextualizar a “corpolatria”. “Vivemos um momento histórico sem utopias ou ideais. A sociedade não luta por causas sociais, por um bem comum, daí o narcisismo. As pessoas enxergam o próprio corpo como seu maior bem, como um projeto a ser sempre aperfeiçoado”, destaca.
Para Joana, que é autora dos livros “O Intolerável Peso da Feiúra – Sobre as Mulheres e Seus Corpos” (Ed. PUC/Garamond) e “Com que Corpo Eu Vou? – Sociabilidade e Usos do Corpo nas Mulheres das Camadas Altas e Populares” (Ed. PUC/Pallas), é impossível desprezar, ainda, a importância econômica de um setor (o da beleza) que movimenta bilhões de reais – leia-se spas, academias, clínicas de estética, cirurgias plásticas, cosméticos, salões etc. “Há quem analise a ‘corpolatria’ como uma forma de repressão, mas houve outros períodos históricos que também ‘satanizaram’ o corpo. Como na época vitoriana, quando a sexualidade era reprimida ao extremo”, analisa.
BUSCA DA BELEZA
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Foram feitas 645,4 mil cirurgias plásticas em 2009 no Brasil. Desse total, 69% foram estéticas e 31% reparadoras.
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As mulheres são as que mais se submetem à cirurgia plástica: 82% do total de intervenções. As cirurgias de lipoaspiração correspondem a 29% e as de mama a 19% do total.
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O Brasil é o terceiro maior mercado de beleza do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e Japão, segundo dados publicados no jornal britânico “Financial Times”, em 2010.
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O mercado de produtos de beleza tem crescido a uma taxa de 10% ao ano, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos no Brasil (Abihpec).
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O faturamento do setor de beleza no Brasil foi de R$ 24,7 bilhões em 2009, com crescimento de quase 15% em relação ao ano anterior.
Mercado de trabalho
A valorização da beleza tem rendido muitos frutos (e bastante discussão) no mercado de trabalho brasileiro, chegando a influenciar na percepção de competência profissional. Essa foi, inclusive, a conclusão da tese defendida por Juliana Penha Gomes, aluna de mestrado da Fundação Getúlio Vargas, com orientação do professor e consultor Marcos Cobra, um dos principais gurus de marketing do país. O estudo de Juliana, batizado de “Beleza e Carreira no Brasil – O Significado da Beleza para as Jovens Executivas e seu Papel no Mercado de Trabalho”, também aponta que as mulheres bonitas conseguem melhores oportunidades na carreira, já que passam a impressão de serem mais sociáveis, competentes e autoconfiantes.
Segundo a consultora Priscila Seijo, professora da Universidade Salgado de Oliveira, em Salvador (BA), que ministra palestras sobre o tema, o que acontece atualmente é que a imagem pessoal é mais importante do que a beleza. “Embora haja certo padrão que eleja a magreza como bela, por exemplo, as pessoas têm uma noção subjetiva da beleza. Já a imagem é uma preocupação constante com a aparência e fruto de julgamentos à primeira vista. E isso acontece principalmente no plano profissional”, afirma. Segundo ela, para uma vaga de emprego, se o consultor de recursos humanos fica em dúvida entre dois candidatos (as) com experiência e habilidades equivalentes, é óbvio que vai escolher o (a) mais bem vestido (a) e/ou o (a) com melhor aparência. “Não podemos ser hipócritas. O mundo trata melhor quem se trata melhor. Isso vale desde para a conquista de uma promoção no emprego até o atendimento no banco ou em uma loja”, diz.
Como atualmente somos bombardeados o tempo todo por informação de moda, é praticamente uma obrigação aperfeiçoar o próprio estilo. “No entanto, em alguns ambientes profissionais, seguir a última tendência pode soar como futilidade. O ideal é adequar a personalidade e o estilo com o a empresa. Se o pink está na moda, uma advogada, por exemplo, não precisa usar um terninho nessa cor, mas pode modernizar o look com um acessório ou um lenço pink”, sugere Priscila. Para a personal stylist Fernanda Resende, da dupla que produz o blog “Oficina de Estilo”, a imagem comunica não só quem você é, mas também como é o local em que você trabalha. “Nós vivemos a era dos serviços e dos resultados. As empresas querem que os funcionários expressem sua competência”, avalia. Unhas sujas, cabelo com raiz por fazer, roupas amassadas ou desbotadas transmitem uma imagem de desleixo que na hora, inconscientemente, é associada à da empresa e de seu trabalho.
Normal x patológico
Na contramão dessa análise, há a ideia, ainda que sutil, de que quem se preocupa excessivamente com a aparência é tido como frívolo, vazio e fútil em determinados ambientes. O grande desafio, então, é provar o contrário. “Sozinha, a imagem não se sustenta. Ela precisa vir acompanhada de conteúdo. Não adianta só parecer competente, é necessário ter competência”, avisa Priscila Seijo.
De acordo com Joana Vilhena Novaes, há uma linha tênue que separa o comportamento tido como “normal” do patológico. “Há 30 anos, contar as calorias de uma refeição ou evitar comer carboidrato à noite seriam atitudes dignas de um transtorno compulsivo obsessivo. Hoje, são hábitos de uma pessoa vaidosa”, exemplifica. O maior problema, segundo Joana, é abrir mão de outros interesses em prol da vaidade – amigos, vida social, relacionamentos afetivos, pequenos ou grandes prazeres, e até mesmo de investir no desempenho profissional. Se isso acontecer, é sinal de que a preocupação exacerbada com a aparência pode ceder espaço para vários problemas, como transtornos alimentares e uso de medicamentos ilícitos.