JULIETA LEMAITRE RIPOLL *
Em 5 de novembro de 2009, um grupo de organizações colombianas 1 compareceu a uma audiência especial perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre os direitos da população LGBT. 2 O fato de a Colômbia ser uma das primeiras nações da região a ter uma audiência sobre esse tema pode ser considerado surpreendente já que, sem dúvida, e em boa parte graças à Corte Constitucional, os direitos LGBT são objeto de uma proteção especial, a qual supera a dos demais países e até mesmo a oferecida pelo direito internacional. A jurisprudência não somente considerou a discriminação por orientação sexual um critério suspeito de distinção, como proibiu de maneira expressa a discriminação por esse motivo, inclusive nas Forças Armadas, nas escolas e nos escoteiros. Além disso, os casais do mesmo sexo gozam de muitos dos direitos dos casais heterossexuais, inclusive o direito à união marital, à herança, à transmissão de pensão, a ser beneficiários no seguro de saúde e a exigir alimentos.
O que poderia então levar essas organizações, entre elas a Colômbia Diversa, líder na defesa de direitos LGBT, à CIDH? Por um lado, sua presença é resultado do próprio êxito das campanhas de reforma legal, o qual não somente se reflete na jurisprudência mais recente, mas que também formou uma geração versada no discurso dos direitos humanos e em sua utilização para pressionar e envergonhar as autoridades. Mais do que isso, essa presença corresponde ao paradoxo colombiano, tantas vezes apontado, de um país que, ao mesmo tempo em que produz uma luminosa jurisprudência, é dessangrado pelo terror e a violência.
Na Colômbia, como mostram os informes e a imprensa, convivem normas progressistas com a impunidade cotidiana das violações estatais dos direitos humanos, o controle territorial de atores armados ilegais e o terror produzido pelas guerras das drogas e a persistência da guerrilha marxista-leninista. 3 Nenhuma realidade é mais ou menos verdadeira do que a outra: os juízes, os advogados, as organizações sociais têm genuinamente esse nível de criatividade, inteligência e compromisso com uma visão liberal-progressista dos direitos. Ao mesmo tempo, são igualmente verdadeiros os grupos armados, legais e ilegais, que por convicção, por conveniência ou por lucro, semeiam os campos e rios de cadáveres e pedaços deles. Neste artigo, falarei desse paradoxo no caso particular dos direitos LGBT: mostrarei tanto a violência denunciada à CIDH como a exemplar jurisprudência constitucional e ainda falarei da persistência da fé no direito (e o amor por este) em meio à violência (ou à cólera.)
Na apresentação perante a Comissão, Marcela Sánchez, diretora da Colômbia Diversa, fez uma lista de violações de direitos humanos; os abusos e mortes descritos não eram novos para os membros da Comissão, já que reproduzem o mesmo formato e conteúdo tantas vezes ouvido naquele recinto, o mesmo repertório limitado da capacidade humana de infligir dor e humilhação a um corpo. Como tantos fizeram antes, ela descreveu um panorama sombrio de discriminação, assassinatos, torturas, perseguições, violações e medo. Além disso, evidentemente, não há sistema nacional de informação; as autoridades policiais, quando não perseguem abertamente os LGBT, são indolentes em relação aos crimes cometidos contra eles; mesmo assim, a Colômbia Diversa, no período 2006-07, contou pelo menos 67 assassinatos de ódio em toda a Colômbia ( Albarracín; Noguera; SÁnchez, 2008).
Ao apresentar o informe e a lista de defensores dos direitos humanos mortos, Marcela Sánchez teve também de lembrar daqueles que nomeava com rosto e voz tangíveis, colaboradores e conhecidos da Colômbia Diversa, como Álvaro Miguel Rivera, jovem ativista que havia participado do informe de direitos humanos dessa ONG em 2005. Ele foi encontrado morto em seu apartamento de Cali em 6 de março de 2009, amarrado e amordaçado, com os dentes quebrados e golpes no corpo ( Albarracín; Noguera; Sánchez, 2008; EL TIEMPO, 2009; Yaned; Valencia, 2009). Seu assassinato, como o do conhecido líder gay dos anos 80, León Zuleta, permanece impune; ninguém parece saber quem o assassinou nem por quê. 4 Exceto o óbvio: que eram homossexuais visíveis, tanto por estarem fora do armário como por seu ativismo, e que o eram em um país viciosamente intolerante em relação à homossexualidade, onde ser defensor dos direitos humanos é uma profissão de alto risco. 5
Ao ouvir Marcela Sánchez contar para a Comissão não somente os abusos, mas também o não-cumprimento das normas, uma pergunta obrigatória é: por que insistir no direito como motor da mudança social, tanto na audiência como perante a Corte Constitucional? 6 Por que se cumpriria mais o que diz a Comissão do que as atuais e progressistas normas que vigoram na Colômbia? Não se trata somente de que o direito não se cumpra pela “falta de vontade política” materializada em alguns funcionários conservadores, que repudiam a igualdade entre homossexuais e heterossexuais e insistem no privilégio heterossexual, como os tabeliães que se negam a celebrar as uniões maritais ( Sarmento, 2009). Tampouco se trata apenas de controlar alguns loucos armados e obstinados pela “limpeza social.” Trata-se de um problema mais profundo de debilidade do próprio direito como instrumento de mudança, em particular das sentenças que não tem apoio dos outros ramos do poder, como veremos neste caso ( Rosenberg, 2008).
A debilidade do direito, dos direitos defendidos pela Corte, torna inevitável a pergunta sobre a utilidade da jurisprudência constitucional e, em todo caso, mesmo que seja útil, se vale a pena tanto esforço, se ela merece tanto entusiasmo. Ou seja, se subtrairmos dos benefícios concretos de cada campanha os custos do litígio e da mobilização legal (não somente em termos de legitimar os poderes, mas em termos de dinheiro, de trabalho, de esforço), é possível que a diferença entre os custos e os benefícios reflita um excesso inexplicável de fé nas possibilidades transformadoras da jurisprudência constitucional e de afeto por elas. A pergunta que este artigo pretende responder é: por que tantas pessoas inteligentes e experientes insistem nos direitos LGBT, apesar de conhecer as limitações do direito como instrumento de transformação social?
1 Quinze anos de luminosa jurisprudência constitucional
É muito provável que a razão principal pela qual o direito é um marco de referência tão importante para as organizações LGBT seja a jurisprudência. A Constituição de 1991 e, em especial, a interpretação que lhe deu a Corte Constitucional, foram centrais para mobilizar lideranças, oferecer um vocabulário e um cenário para fazer exigências. Embora a própria Constituição não mencione os direitos dos homossexuais, a Corte, em uma série de sentenças liberais, estendeu os direitos à igualdade e à dignidade humana para incluir a proteção contra a discriminação por orientação sexual. Com essas decisões, deu um novo marco de significado à orientação sexual, de tal forma que esta deixou de ser uma questão de cultura e de “estilo de vida” para ser um problema de direitos.
A jurisprudência sobre orientação sexual surgiu em meados da década de 1990, graças às demandas de custódia de indivíduos que, em geral sem relação entre eles, enquadravam seus sofrimentos como violações de direitos. Dessa época, destaca-se o advogado Germán Rincón Perfetti, que começou a utilizar de maneira mais ou menos sistemática a ação de custódia para proteger os direitos de indivíduos discriminados por serem homossexuais. No entanto, essas primeiras custódias foram negadas pela Corte em sentenças que reproduziam estereótipos homofóbicos dizendo, por exemplo, que a homossexualidade era anormal e insistindo na idéia de que a sua expressão estava limitada pelos “direitos dos outros”,
direitos que pareciam incluir a repugnância como direito (COLÔMBIA, T-539, 1994b; T-037, 1995a) . 7
Uma das sentenças mais difundidas dessa primeira época foi a demanda feita contra a Comissão Nacional de Televisão por censurar um comercial de prevenção da AIDS que mostrava dois homens se beijando na Plaza de Bolívar, em Bogotá (COLÔMBIA, T-539, 1994b) . 8 Nesse caso, a Corte disse que a decisão da Comissão era “técnica” e que se enquadrava dentro de suas competências; não obstante, acrescentou pela primeira vez que os direitos dos homossexuais tinham efetivamente alguma proteção constitucional: “Os homossexuais têm seu interesse juridicamente protegido sempre e quando, na exteriorização de sua conduta, não lesem os interesses de outras pessoas nem se convertam em motivo de escândalo, principalmente da infância e da adolescência” (COLÔMBIA, T-539, 1994b) .
As decisões da Corte começaram a mudar em meados dos anos 90. Em 1995, a Corte confirmou a negativa do Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar (ICBF) de dar a um homem homossexual a custódia de uma menina de quem cuidava; não obstante, a sentença esclareceu que esta decisão não se devia à orientação sexual, mas à pobreza extrema do demandante e à sua incapacidade material para cuidar da menina (COLÔMBIA, T-290, 1995b) . A partir dessa sentença, a Corte começou a adotar com vigor um discurso a favor dos direitos dos homossexuais, baseado no direito fundamental de escolher a orientação sexual e no direito dos indivíduos de não ser discriminados por sua escolha de companheiro (COLÔMBIA, C-098, 1996) .
Ironicamente, o discurso se apresentou de maneira mais articulada em uma sentença de 1997 que precisamente negava as pretensões de igualdade da demanda, declarando constitucional a lei de uniões maritais, inclusive quando excluíam casais homossexuais de seus benefícios. Mesmo assim, a sentença afirmava que, se fosse provado que isso era lesivo ao direito à igualdade, deveria haver reconsideração.
Os casos que se seguiram a essa sentença repeliram a discriminação de indivíduos por sua orientação sexual em diversos cenários. Em 1998, a Corte relacionou o direito ao livre desenvolvimento da personalidade à opção sexual em um caso no qual defendeu o direito dos adolescentes homossexuais de expressar sua identidade nas escolas através de sua roupa, corte de cabelos, atitudes etc. 9 Em outras duas sentenças do mesmo ano, a Corte estabeleceu que era inconstitucional que a homossexualidade fosse causa de sanção disciplinar para os professores de escolas públicas e que a homossexualidade fosse uma violação da honra militar (COLÔMBIA, C-481, 1998b; C-507, 1999) .
Nessas sentenças e, em particular, na sentença sobre a honra militar, a Corte deu mais corpo ao que chamou de direito à autodeterminação sexual fundamentado em uma dupla proteção: por um lado, está protegida pelo direito à igualdade e, por outro, pelo direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Essa dupla proteção dá origem a um direito à identidade pessoal, isto é, o direito à autodeterminação, autopossessão e autogoverno. Em palavras da Corte:
“Se a orientação sexual está biologicamente determinada, como sustentam algumas pesquisas, então a marginalização dos homossexuais é discriminatória e violadora da igualdade, pois equivale a uma segregação em razão do sexo (CP art. 13). Ao contrário, se a preferência sexual é assumida livremente pela pessoa, como sustentam outros enfoques, então essa escolha está protegida como um elemento essencial de sua autonomia, sua intimidade e, em particular, de seu direito ao livre desenvolvimento da personalidade (CP art. 16). (…) O núcleo do livre desenvolvimento da personalidade se refere então àquelas decisões que uma pessoa toma durante sua existência e que são consubstanciais à determinação autônoma de um modelo de vida e de uma visão de sua dignidade como pessoa. Em uma sociedade respeitosa da autonomia e da dignidade, é a própria pessoa que define, sem interferências alheias, o sentido de sua própria existência e o significado que atribui à vida e ao universo, pois tais determinações constituem a base mesma do que significa ser uma pessoa humana.”
(COLÔMBIA, C-481, 1998b).
Além disso, a Corte estabeleceu que a orientação sexual era um critério suspeito de distinção e que, por conseguinte, sua presença em uma norma ou política exigia a aplicação do teste estrito de discriminação para determinar sua constitucionalidade. Assim, qualquer diferenciação por orientação sexual, assim como por raça, etnia e sexo, devia cumprir os requisitos de ser necessária para cumprir fins constitucionais, proporcional na consideração do prejuízo causado para cumprir tais fins, e não lesar nenhum direito fundamental de nível superior.
Apesar dessa defesa dos direitos dos homossexuais à não discriminação, até 2006 a Corte não se havia decidido por uma posição progressista frente aos casais homossexuais ( Lemaitre, 2005; Moncada, 2002) . Em 2000, a Corte impediu sua ampliação dos direitos em algumas sentenças justificando com o argumento das competências orgânicas (discricionariedade do legislativo e do executivo) a exclusão da inscrição de casal do mesmo sexo na previdência social e no seguro obrigatório de saúde (COLÔMBIA, T-999, 2000a; T-1426, 2000b) . Nesse mesmo ano, justificou com o argumento do interesse superior da criança a exclusão dos casais do mesmo sexo da possibilidade de adotar (COLÔMBIA, SU-623 de 2001a; C-814, 2001b) . Em ambos os casos, a Corte não aplicou o teste estrito de discriminação que havia ordenado antes porque as leis não diziam “homossexual”, mas limitavam os benefícios somente a casais heterossexuais e, portanto, para a Corte, não usavam o critério suspeito.
Assim, o que parecia claro nos primeiros anos da década de 2000 era que a Corte Constitucional protegia os indivíduos em sua orientação sexual, mas não os casais. A proteção aos indivíduos não cessou: a Corte decretou que a orientação sexual não podia ser falta disciplinar para os tabeliães (COLÔMBIA, C-373, 2002) , e que a Associação dos Escoteiros da Colômbia não podia expulsar um membro por ser homossexual (COLÔMBIA, T-808, 2003b) . Insistiu em que a visita íntima de casal homossexual na prisão era parte do livre desenvolvimento da personalidade (COLÔMBIA, T-499, 2003a) , e que a polícia não podia proibir as reuniões públicas de pessoas por serem homossexuais (COLÔMBIA, T-301, 2004a) . Além disso, a Corte também disse que o Departamento de San Andrés y Providencia podia negar residência a uma pessoa quando invocava como justificação de seu direito o ser cônjuge homossexual de um residente das ilhas; as residências são somente para casais heterossexuais, definiu a Corte (COLÔMBIA, T-725, 2004b) .
As sentenças da Corte tiveram um papel fundamental na mobilização de ativistas pelos direitos dos homossexuais ( García; Uprimny, 2004) e talvez até no surgimento de uma atitude social mais tolerante em relação à diversidade sexual ( Restrepo, 2002) . Mauricio Garcia Villegas e Rodrigo Uprimny fizeram um estudo empírico preliminar do impacto das decisões da Corte em ativistas dos direitos dos homossexuais e chegaram à conclusão de que as sentenças geraram organização e ativismo legal além de fortalecerem a identidade e o respeito por si mesmos na comunidade gay. Isso não só aconteceu, como forneceu base para a própria criação das organizações e sua mobilização no Congresso em busca de uma ampliação da proteção dos homossexuais enquanto indivíduos e enquanto casais.
2 Da Corte ao Congresso e de volta
Depois que o litígio chegou a esse impasse, no início da década de 2000, alguns ativistas, motivados pelas sentenças favoráveis, dirigiram-se com entusiasmo ao Congresso, pressionando por reformas legais, especialmente pela adoção de uma lei chamada de matrimônio gay. Essa linha de ação foi inclusi
ve uma sugestão da própria Corte que, em princípio, considerou que a competência na matéria era do legislador. No entanto, o projeto de lei de direitos dos casais do mesmo sexo foi rejeitado diversas vezes. 10
Desde que foi apresentado em 2001, o projeto de igualdade de direitos para os casais do mesmo sexo foi bombardeado pelos conservadores, católicos e cristãos. Ele foi apresentado pela senadora Piedad Córdoba; depois de ser aprovado na Comissão Primeira, e provocou alarme entre diversos opositores que publicaram uma página inteira no Espectador, com assinaturas de personalidades que pediam arquivar a iniciativa por ser imoral. A Igreja Católica também se opôs, advertindo que disso poderia advir a aceitação da família formada por homossexuais e até a adoção de filhos por casais do mesmo sexo (EL TIEMPO, 2002). O projeto foi rejeitado e a situação foi similar nos anos seguintes: era apresentado por alguém progressista e rejeitado em meio à oposição pública que incluía ações da Igreja Católica, de diversas igrejas cristãs e de proeminentes políticos conservadores. Em todos os casos, o projeto teve algum tipo de apoio de ativistas; com o passar dos anos, a diferença é que a qualidade e quantidade do acompanhamento dos projetos de lei foram crescendo.
O mais próximo que o projeto esteve de ser transformado em lei foi no período 2006-2007; ele foi aprovado, com dificuldades, pelas comissões e plenários de ambas casas do Congresso e recebeu o respaldo dos partidos do governo. 11 Vários senadores e deputados se opuseram, entre eles o presidente da Câmara Alfredo Cuello, e tentaram protelar a votação: conseguiram finalmente que na comissão de conciliação, o último trâmite antes da sanção presidencial, o Senado votasse contra o projeto, sem dar explicações e em violação da lei de bancadas que ordena votar conforme a linha do partido. O projeto foi por água abaixo também por desinteresse do governo de Uribe, embora fosse uma promessa de campanha de 2006: o ministro do Interior disse que embora o presidente apoiasse a lei, o projeto não lhe parecia ter nenhuma transcendência e por isso não se havia preocupado em lhe dar seguimento. 12
Unidos em uma série de organizações jovens, os ativistas voltaram ao litígio estratégico em 2006 como uma possibilidade real de obter a proteção tantas vezes negada no Congresso. Colômbia Diversa e o Grupo de Litígio de Direito de Interesse Público da Universidade dos Andes apresentaram uma nova demanda contra a exclusão dos casais do mesmo sexo do regime patrimonial da união marital. 13
Em 7 de fevereiro de 2007, a Corte Constitucional anunciou uma mudança em sua posição anterior sobre a união marital de casais do mesmo sexo. 14 A Corte afirmou que agora considerava que a exclusão desses casais dos benefícios patrimoniais da união marital era uma violação dos direitos humanos fundamentais (COLÔMBIA, C-075, 2007a; C-098, 2007b). Ela destacava que a lei era inconstitucional porque impunha a heterossexualidade como condição para ter acesso a esses benefícios. Essa sentença deu aos casais do mesmo sexo a possibilidade de criar uma comunidade de bens igual à dos casais heterossexuais. Além disso, a Corte argumentou que a lei que limitava esses efeitos da coabitação a casais de homens e mulheres impunha limitações contrárias “aos postulados constitucionais de respeito à dignidade humana, dever de proteção do Estado a todas as pessoas em igualdade de condições e o direito fundamental de livre desenvolvimento da personalidade”.
A partir dessa sentença, a Corte adotou várias outras decisões que consolidam a igualdade dos casais homossexuais. Nos anos seguintes, estendeu a igualdade a outras situações nas quais o ser casal cria direitos e obrigações: em 2007, disse que as pessoas tinham o direito de incluir o companheiro do mesmo sexo no seguro obrigatório de saúde (COLÔMBIA, C-811, 2007c) e, em 2008, que existia o direito à pensão de sobreviventes para os casais do mesmo sexo (COLÔMBIA, C-336, 2008a) e também que a eles se aplicava o delito de falta de assistência alimentar (COLÔMBIA, C-798, 2008b) .
Em janeiro de 2009, em consequência da “grande demanda” da Colômbia Diversa, a Corte estabeleceu que as expressões “família”, “familiar”, “grupo familiar”, “companheiro ou companheira permanente”, “União singular, permanente e contínua” e “união permanente” em diversas normas incluía os casais do mesmo sexo (COLÔMBIA, C-029, 2009) . Algumas das consequências da “grande demanda” incluem o reconhecimento de que os casais do mesmo sexo têm o direito à reunificação familiar no conflito armado, podem criar um patrimônio de família que não pode ser embargado, receber como casal o subsídio de moradia e possuir um imóvel como moradia familiar. O companheiro estrangeiro do mesmo sexo de um cidadão colombiano tem a mesma possibilidade de obter a cidadania que um heterossexual e pode fixar sua residência com as mesmas regras que os casais homossexuais no arquipélago de San Andrés. A igualdade se aplica também ao processo penal. Desse modo, os casais do mesmo sexo não estão obrigados a incriminar seus companheiros ou companheiras em nenhum processo penal, aplicam-se as mesmas circunstâncias de agravação punitiva e também os tipos especiais como os de violência intrafamiliar e o regime de impedimento por proximidade familiar. Também gozam da mesma proteção quando o cônjuge é sequestrado ou desaparecido ou quando perece em um acidente de trânsito (seguro SOAT).
3 Os LGBT e o fetichismo legal
Na audiência perante a Comissão Interamericana, o comissário Paulo Sérgio Pinheiro reconheceu tanto os avanços significativos feitos pela Corte colombiana e o que a CIDH tem de aprender com ela, como a tensão entre as normas e a prática: “a prática geral no continente é de uma temporada de caça que jamais se encerra”. 15 A diferença entre os direitos e o seu gozo efetivo não é o único paradoxo: o outro é o contraste entre a violência relatada e a fraqueza que parecem diante dela, tanto em termos de direitos defendidos (de beneficiar-se de um seguro e não ser despedido de um trabalho, por exemplo), bem como dos danos que não são protegidas por direitos (discriminação pré-contratual; o recurso a operações perigosas nos travestis) no contexto dos crimes de ódio.Às vezes de maneira expressa, quase sempre de forma velada, o discurso de direitos tem sentido como o desmentido da violência, sem importar sua gravidade. Os direitos não negam que a violência exista, mas negam seus efeitos interpretativos, os significados sociais que constroem. Assim, enquanto a violência afirma que os/as homossexuais merecem castigo público e privado por serem homossexuais, os direitos negam que isso seja verdadeiro. E enquanto a vida cotidiana aceita a sorte das vítimas da limpeza social, especialmente quando são travestis ou homossexuais, o discurso dos direitos reclama a humanidade de cada morto, sua dignidade materializada em pequenas vitórias como o seguro, as pensões, o trabalho.
Essa referência à violência, embora esteja presente em outros movimentos sociais que recorrem ao direito ( Lemaitre, 2009), é particularmente evidente quando se trata dos direitos LGBT. Por trás das histórias sangrentas que chegam à Comissão estão milhares de histórias menores, inclassificáveis para o direito, da negação agressiva e persistente de reconhecer sua humanidade plena. Com efeito, os informes de direitos humanos não dão conta dos episódios de discriminação cotidiana que certamente formaram os ativistas que os escrevem – os olhares, as risadinhas, a perda de empregos e de trabalho, a preocupação e pressão por parte de familiares e amigos, a rejeição, a necessidade de dissimular e de esconder as emoções. Tampouco dá conta da forma como devem aprender a viver com a corrente viciosa do ódio que permeia gestos que parecem inocentes, comentários que se pretendem ligeiros e pichações que se apagam com o tempo. Trata-se
de atos sutis como os encontrados em uma pesquisa de estudantes secundários em Bogotá: seis em dez admitiram ter zombado de meninos e meninas percebidos como homossexuais, três em dez admitiram tê-los insultado; 37,9% disseram que tinham medo dos homossexuais; 17,6% disseram que tinham asco deles. 16
A cotidianidade violenta, que não chega a configurar violações de direitos humanos, ou, pelo menos, não os tipos de violações que são denunciadas perante a Comissão, ainda é esmagadora. O informe de 2006-2007 da Colômbia Diversa (2007) documenta o assédio por parte de policiais e cidadãos às expressões públicas de afeto dos casais do mesmo sexo, detenções arbitrárias por esse motivo, discriminação no trabalho e na escola. Os dados mais reveladores, porém, surgem da pesquisa feita em 2007 por CLAM, Profamilia e a Universidade Nacional (2008) com os participantes da marcha de orgulho gay. Eles revelam que 77% sofreram alguma forma de discriminação e 67,7% alguma forma de agressão. Ambas estão imbricadas em todos os espaços do dia a dia: 49,3% dos que disseram ter sido discriminados o foram nas escolas e universidades, por professores e companheiros; 43,8%, na rua, por policiais; 42,8%, em suas casas, por vizinhos e 34,1% por suas famílias. E embora a agressão mais comum seja a verbal (87,9%) seguida pelas ameaças (36,2%), não deixa de surpreender como é frequente a agressão física: dos 67,7% que sofreram alguma forma de agressão, em 31,6% dos casos ela foi física.
Que os fatos narrados na audiência da Comissão sejam mais cruéis que essa cotidianidade por uma questão de grau, mas não de intenção, mostra tão somente de maneira mais evidente como é duro ser LGBT em uma sociedade profundamente homofóbica. As pessoas homossexuais vivem sob a ameaça da violência em todos os espaços sociais em que habitam, e de uma violência provocada por sua orientação sexual, por sua identidade.
Na intimidade, muitos crescem em suas famílias em meio à rejeição e às recriminações que facilmente passam a insultos e golpes. No espaço público, estão sujeitos a um controle social permanente que reage de maneira agressiva diante de qualquer manifestação pública de sexualidade ou afeto. O controle parece ser ainda mais aterrador nas zonas rurais e quando há domínio territorial dos exércitos ilegais. Até em Bogotá, um abraço, um andar de mãos dadas ou um beijo provocam a intervenção de vigilantes particulares, da polícia e até de simples transeuntes, que tratam de agredir verbal e fisicamente, de expulsar, e no caso da polícia, de deter os casais. Os lugares de comércio onde podem se encontrar são invadidos com frequência e agressividade pela polícia. Nas prisões, são objeto imediato de todo tipo de agressão sexual e de intimidações, se sua identidade é conhecida. Além disso, sofrem uma vulnerabilidade especial diante de muitos tipos de crimes violentos, desde os homicídios em série em residências particulares, os homicídios em série nos espaços públicos, do tipo “limpeza social”, a extorsão por parte de chantagistas que ameaçam revelar a identidade dos que mantêm suas preferências ocultas e os abusos de diversas autoridades, especialmente da polícia, em todos os processos de detenção e controle. Supõem-se, ao ver as evidências, inclusive em relação àqueles que nunca sofreram diretamente essas violências, que o fato de saber que são potencialmente vítimas de violências específicas contra sua identidade sexual deve gerar graus persistentes de estresse e angústia, além de levar ao ocultamento ao menos das manifestações mais públicas de afeto e de sexualidade que são permitidas aos heterossexuais.
Maria Mercedes Gómez (2006; 2008) explica essa violência a partir da distinção entre a discriminação e a exclusão. A violência discriminatória é exercida contra as pessoas que se consideram parte da sociedade, mas em um lugar subordinado; o objetivo dessa violência, tanto instrumental como simbólico, é manter a subordinação. Por sua vez, a violência por exclusão pretende expulsar do corpo social certos elementos que não podem fazer parte dela. Esse tipo de violência se exacerba quando se trata, como no caso da orientação sexual, de uma característica que é relativamente invisível e percebida como mutável: nesse caso, o castigo é tanto uma forma de expulsão do corpo distinto como uma forma de visibilizar e ao mesmo tempo erradicar a diferença nesse mesmo corpo (como a idéia de que a violação sexual elimina o desejo lésbico).
Sem dúvida, o direito foi cúmplice dessas violências em muitas ocasiões, excluindo explícita ou implicitamente as pessoas LGBT (por exemplo, os direitos somente para casais heterossexuais) ou tornando-as visíveis de uma maneira que as exclui da sociedade (por exemplo, com tipos de presídios especiais). Não obstante, também é certo que o direito liberal em sua versão mais contemporânea, como aquela desenvolvida em muitas sentenças da Corte Constitucional colombiana, insiste, ao contrário, na normalidade da opção homossexual, ou seja, em sua inclusão.
Nessa medida, o direito, ou certo direito, insurge-se frente à acumulação de violências e o que elas revelam da vida coletiva. Esse efeito simbólico se reflete como alternativa significante, por exemplo, na forma como os relatos no informe da Colômbia Diversa de 2006-2007 estão precedidos por citações de sentenças da Corte Constitucional e das normas que proíbem os comportamentos descritos. Como em tantos informes de direitos humanos, o horror das narrativas contrasta com a distância profissional do discurso jurídico, criando uma estranha ambivalência entre o reconhecimento da realidade da violação, uma realidade que enfatiza a fragilidade do direito, e o desejo intenso de escapar de ameaçantes mãos, pênis, facas e pistolas para refugiar-se nos braços da lei.
Os direitos, independentemente de seus efeitos, significam tanto uma equivalência plena entre homossexuais e heterossexuais como a rejeição da violência, porque os direitos criam a normalidade à qual se aspira. Os direitos, por definição, são o normal, isto é, o que estabelece a norma, o que está incluído no corpo social. O que o direito proíbe é o “anormal,” o contrário à norma, em dois sentidos. Primeiro, porque se supõe que o proibido não é o que ocorre de forma cotidiana, mas o ocasional, o raro; segundo, porque o proibido é o rejeitado moralmente, o anormal. Nessa medida, o direito é uma forma poderosa de criar significados sociais profundamente morais, e o apelo LGBT ao direito também está marcado pelo desejo desses significados morais inclusivos de sua identidade; marcado pelo desejo ao direito como símbolo e objeto de desejo.
4 O direito como fetiche
Os efeitos das reformas legais não são meramente simbólicos; sem dúvida, a jurisprudência descrita trará benefícios reais para além da criação de significados sociais. Haverá pessoas que se beneficiem de uma diminuição na discriminação, seja porque ganhem casos concretos nos tribunais ou pela eliminação de normas como a que proibia que os docentes das escolas públicas fossem homossexuais. É possível que alguns familiares, empregadores e instituições educativas mudem seu comportamento em consequência das sentenças e sejam mais tolerantes ou mais respeitosos. 17 Além disso, podemos supor que os casais do mesmo sexo que assim o solicitem terão acesso a uma série de benefícios antes limitados aos heterossexuais, benefícios de grande amplitude que incluam o direito à pensão de sobreviventes, seguro de saúde etc.
Ao mesmo tempo, os limites dessas normas são relativamente claros. Primeiro, ter direitos como LBGT não protege contra a violência física ou sexual; pelo menos, não mais que os direitos gerais à vida e à integridade física. Segundo, a proteção contra a não discriminação, para se tornar efetiva em um tribunal, requer alguns padrões de prova tão altos que raramente se conseguem fora
dos casos mais grotescos; na maioria dos casos, é difícil provar a causalidade entre o sucedido e o ânimo discriminatório. Em certas questões como a discriminação pré-contratual, o menor salário ou o “teto de cristal” é praticamente impossível provar a causalidade. Terceiro, para ter acesso a quase todos os direitos como casal homossexual, as pessoas devem caber dentro de um perfil muito particular que inclui o ter um cônjuge estável e estar e poder estar fora do armário. No entanto, estar fora do armário, como vimos, cria uma vulnerabilidade permanente que muitas pessoas não estão dispostas a assumir. Além disso, como também foi documentado, a resistência cultural dos funcionários a conceder direitos se converte em uma barreira a mais no acesso a eles. Por essas razões, é fácil concluir que o entusiasmo que esta jurisprudência desperta pode ser um excesso de entusiasmo; um fervor e admiração que não correspondem à magnitude dos benefícios materiais.
Mesmo assim, as sentenças da Corte têm um peso que supera a avaliação de custos e benefícios instrumentais, um peso que surge de seu valor simbólico, de seus efeitos sobre a autopercepção e a identidade social das pessoas, um efeito que, como argumentam García e Uprimny, é “anticonformista” ( García; Uprimny, 2004, p. 493-495). Esse efeito simbólico é um antídoto poderoso contra a percepção de si mesmo e da vida social que a experiência da discriminação oferece e talvez seja também uma espécie de antídoto ou conjuro contra as sequelas emocionais da violência — um “contra” que se baseia na possibilidade de resistir ao poder interpretativo da violência usando para isso a força simbólica do direito.
A lei confronta e nega a dimensão simbólica da violência e não se limita à violência simbólica definida por Bourdieu, aos significados sociais negativas com que os grupos discriminados e excluídos estão sobrecarregados, como parte de sua oppression. 18 A pura violência física também destrói e cria significados silenciosos sobre si mesmo e sobre a vida coletiva: significados sobre quanto vale um corpo, o que é a dignidade do ser humano, o que é possível fazer a outro corpo impunemente. A violência e sua ameaça penetram na vida dos homossexuais em todos os níveis, criando significados sobre sua identidade e seu lugar na vida social. Talvez seja mais intensa na vida dos homens, pelas muitas formas como a violência está imbricada na socialização masculina, mas sem dúvida está presente na vida das mulheres. Manifesta-se não somente como violência física, mas também como formas de rejeição, zombaria, insulto e hostilidade sem trégua, uma hostilidade que se percebe também entre aqueles que se declaram tolerantes.
Como entender, por exemplo, a prática dos anos 80 na qual jovens adolescentes de classe média e alta faziam passeios às zonas frequentadas por travestis, como a Carrera Quince de Bogotá, com o único propósito de agredi-los de diferentes formas? 19 Que sentia o rapaz que não sabia como entender sua atração sexual por travestis, ou pelos amigos com os quais ia à caça de travestis? Ou o que sentia ao ser travesti? Alguns deles começaram a carregar facas para cortar os próprios braços, pois descobriram que a visão do sangue acalmava os diversos agressores, inclusive a polícia.
O efeito simbólico positivo das sentenças da Corte não deve ser entendido apenas como o de produzir auto-estima entre a população LGBT, embora isso certamente ocorra. Ou, talvez, o que faz falta é uma definição mais complexa do que é a auto-estima, mais imbricada com a possibilidade de articular uma identidade e um sentido da vida coletiva dentro de uma rede social de significados. Porque o que está em jogo nos direitos não é somente o “sentir-se bem consigo mesmo” da auto-estima, mas o poder dar um significado social à própria vida, dar nome a sua convivência, a sua cotidianidade, assim como dar nome e peso moral às violências que sofreram. Sua vida de casal passa a ser legítima e normal e a violência, a ser ilegítima e anormal; na definição do direito, sua vida de casal é uma união marital e a violência se converte em uma violação dos direitos humanos.
Estas definições não ganham sentido pleno senão como resposta a anos de sofrer ou temer ser objeto de todo tipo de agressão, além da necessidade de parecer duplo, de ocultar, de exercer um silêncio permanente que desfaz a confiança na inteligibilidade moral do mundo social. A violência, o ódio e o desprezo real ou temido recodificam a vida coletiva inclusive para aqueles não a experimentam na própria carne, e representam um desafio profundo à possibilidade de oferecer um fundamento moral para a sociedade secular. O ser objeto, ou objeto potencial, desse tipo de ódio tem três efeitos possíveis: dois apolíticos e um que leva à participação política na vida coletiva. A primeira opção é aceitar com a violência seus símbolos e justificar a expressão da violência negando a validade da própria história, dos próprios desejos etc. Em boa parte, assim é a vida no armário, aceita não como uma necessidade estratégica, mas como uma necessidade moral.
A segunda opção para as pessoas que são objeto do ódio homofóbico é a aceitação da realidade da violência, ao mesmo tempo em que se rejeita a moralidade social que a alimenta. É uma postura “realista” que leva a um desencantamento com a vida coletiva, com a política, com a vida social, e que tem como saída principal refugiar-se na intimidade dos espaços privados. Certamente, essa foi uma solução recorrente entre as minorias sexuais, assim como entre outras minorias odiadas e desprezadas. Desse modo, para muitos, as experiências da violência só ensinam que a vida coletiva é imoral, ou amoral, ou hipócrita ou simplesmente hostil e, às vezes, letal. Refugiam-se então em guetos sociais dos quais raramente emergem.
Uma terceira opção é negar não somente a violência, mas também negar que a moral homofóbica seja “realmente” a moral dominante. É uma posição de cruzada, uma posição de idealismo e, evidentemente, a posição de um movimento social que se nega a aceitar a moral que os rejeita, e que recorre a outros argumentos para demonstrar que a moral homofóbica é antes de tudo uma mentira sobre a vida social. O direito é central para esta terceira posição, pois em boa parte é o discurso jurídico dos direitos que permite negar a moralidade homofóbica e suas violências e apelar para uma moral coletiva distinta ou tentar construí-la.
Nesse processo, as sentenças da Corte Constitucional desempenharam um papel decisivo. As decisões favoráveis da Corte resignificam a vida coletiva, negando os efeitos interpretativos da violência e insistindo, ao contrário, em um discurso público de dignidade que produz uma enorme satisfação e mobilização que não depende da aplicação da lei. Ao nomear a homossexualidade como normal e a violência como anormal, a Corte resignifica os homossexuais como plenamente humanos em um mundo social onde a violência seria por definição anormal, contra a norma. Levar a sério essa resignificação faz mudar a forma como se compreende relação de violência e a pessoalidade o que permite, com essa mudança, a possibilidade de se engajar de novo com uma vida social resignificada, ou, ao menos, oferece uma medida de valor, ou de confiança. E isso nos permite sentir prazer com o direito materializado nas palavras da Corte Constitucional.
É o direito como fetiche, mas não somente em seu sentido negativo de ser um objeto “falso” do desejo ( Lemaitre 2007; 2008; 2009) . É também esse aspecto positivo da metáfora do fetiche sexual (não do das mercadorias): é gozo que não se esgota, é rejeição de certas convenções e moralidades antigas, é negação de um “realismo” que angustia, é uma aposta em uma realidade alternativa. E é, está claro, profundamente ambíguo: sem dúvida as pessoas que como Marcela Sánchez acorreram e acorrem às Cortes
para reclamar direitos, as que insistem em seus direitos de igualdade e dignidade reconhecem as limitações do direito como instrumento de transformação social. Inclusive as conhecem em seu corpo e talvez melhor do que aqueles que teorizam a respeito. Ao mesmo tempo, celebram e gozam com a lei, com cada sentença que diz que têm direitos, dignidade, igualdade, que os nomeia como iguais e sua vida cotidiana como parte da normalidade da nação. Essa relação ambivalente com o direito é a que lhes leva perante a Comissão; conhecendo seus limites, mesmo assim buscam a lei. Recusam-se a aceitar que as normas não sejam cumpridas, não porque não entendam as limitações do direito, mas porque escolhem não deixar de indignar-se com seu não-cumprimento, não deixar de gozar tampouco com os significados que ele cria. É uma condição que compartilham centenas de milhares, talvez milhões, de colombianos que, em meio às extenuantes violências dos últimos trinta anos decidiram, decidimos, à sombra da Constituição de 1991, não deixar de crer em (e de amar) o direito.
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NOTAS
1. As organizações presentes foram: Asociación para la Promoción Social Alternativa MINGA, Colectivo de Abogados “José Alvear Restrepo”, Comisión Intereclesial de Justicia y Paz, Comisión Colombiana de Juristas, Corporación Jurídica Libertad, Corporación para la Defensa y Promoción de los Derechos Humanos REINICIAR, Fundación Comité de Solidaridad con los Presos Políticos, Grupo Interdisciplinario por los Derechos Humanos GIDH, Sisma Mujer e Colombia Diversa.
2. O tema dos direitos LGBT é relativamente novo no direito internacional e não está mencionado nos tratados e convenções. O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas tem alguns pronunciamentos a respeito disso. Entre esses posicionamentos, destaca-se a transmissão de pensão de casais do mesmo sexo decidida pela primeira vez no caso Young vs. Austrália (comunicação Nº. 941/2000). A Comissão Interamericana ainda não se pronunciou definitivamente, mas em 2008 aceitou o caso Karen Atala e Filhas vs. Chile (Petição 1271-04), 23 de julho de 2008, sobre a perda de custódia das filhas de uma mãe lésbica. Na comunidade de ativistas se espera que a Comissão se pronuncie de maneira definitiva contra a discriminação por orientação sexual quando decidir este caso.
3. Informações adicionais podem ser encontradas em informes de direitos humanos das diversas organizações mundiais. Algumas das menções mais recentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que analisam o conflito e os direitos estão no informe sobre as mulheres no conflito armado (CIDH, 2006) e o capítulo sobre a Colômbia no último informe anual da CIDH (2009b). Diversos informes da Human Rights Watch sobre a Colômbia estão disponíveis em: < http://www.hrw.org/americas/Colombia> e os da Amnesty International em: < http://www.amnesty.org/em/region/Colombia>
4. León Zuleta, assassinado em 1993, foi um conhecido ativista dos direitos humanos e da libertação gay na cidade de Medellín. Seu assassinato nunca foi esclarecido. Sua biografia foi escrita por Manuel Velandia (1999).
5. Em dezembro de 2008, uma série de organizações não-governamentais para defensores de direitos humanos alegou perante o Exame Periódico Universal da Colômbia que entre 2002 e 2007 foram assassinados 75 defensores de direitos humanos, sem contar sindicalistas (HUMAN RIGHTS FIRST; FRONT LINE; FIDH; OMCT, 2008). A mesma comissária, em seu informe sobre a Colômbia em 2008, informou que havia um número significativo de ataques contra defensores e defensoras de direitos humanos naquele ano, incluindo homicídios, danos à propriedade, roubos, invasões de domicílio e ameaças. Destacou também que era “motivo de preocupação que alguns altos funcionários governamentais continuassem com a prática de estigmatizar publicamente os defensores e defensoras de direitos humanos e os sindicalistas, acusando-os de serem simpatizantes de grupos guerrilheiros.” (NAÇÕES UNIDAS, 2008). A Comissão Interamericana de Direitos Humanos pronunciou-se recentemente no mesmo sentido em seus informes anuais de 2007 e 2008; além disso, expressou preocupação pela espionagem e perseguição de defensores de direitos humanos feitas pelo organismo de segurança do governo e recentemente reveladas (CIDH, 2009b).
6. É interessante notar que o nome da marcha, que havia sido do orgulho gay, foi mudado para marcha pela cidadania, indicando a importância do marco legal.
7. Em uma sentença de 1994 (COLÔMBIA, T-097), a Corte havia protegido um estudante da Escola de Carabineiros de Villavicencio que foi expulso por práticas homossexuais. Neste caso, no entanto, a proteção não foi por discriminação, mas porque se violava o devido processo por não haver provas dos fatos nem oportunidade de defesa.
8. As sentenças da Corte Constitucional se encontram disponíveis em: < http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/> As sentenças referentes aos direitos dos indivíduos e casais LGBT são encontradas com mais facilidade por temas no website da ONG Colômbia Diversa através do seguinte link: < www.colombiadiversa.org>.
9. Esta é a primeira decisão em que a Corte defende o direito dos alunos gays à não discriminação, e ordena que se receba de novo na instituição os dois meninos expulsos por ser gays. A Corte protegeu seus direitos à educação e ao livre desenvolvimento da personalidade. (COLÔMBIA, T-101, 1998a).
10. Projeto de Lei 85 de 2001, Projeto de Lei 43 de 2002, Projeto 113 de 2004, Projeto 130 de 2005.
11. O projeto de lei incluía a sociedade conjugal, a inclusão no seguro de saúde e a pensão de sobrevivência.
12. Para um relato mais detalhado desse processo legislativo, ver (Lemaitre, 2009). Em 20 de julho de 2007, voltou-se a apresentar o projeto de lei: dessa vez, foram apresentados três projetos similares de três partidos distintos.
13. Entrevista com Marcela Sánchez, diretora de Colômbia Diversa, e conversação com Esteban Restrepo, novembro de 2006. Ver também < www.colombiadiversa.org>.
14. Para um relato mais detalhado dessa jurisprudência ver: (Albarracín; Azuero, 2009).
15. Áudio da intervenção de Paulo Sérgio Pinheiro nessa audiência disponível em: < http://www.colombiadiversa.org/index.php?option=com_content&task=view&id=738>. Último acesso em: novem
bro de 2009.
16. Pesquisa da ONG Promover Ciudadania (EL TIEMPO 2007a; 2007b).
17. Este é o tipo de impacto documentado por Munger e Engel (2003) nos deficientes dos Estados Unidos.
18. Bourdieu explicou seu conceito de violência simbólica em diversos textos. Em uma de suas obras mais didáticas, com Loic Waquant (1992, p. 167-168), ele define como aquele elemento da dominação que parte da cumplicidade dos dominados enquanto estes aceitam como natural o mundo social com suas estruturas de dominação e, portanto, não reconhecem a violência das estruturas cognitivas do mundo social. Em nota da página 123, Waquant explica que a diferença entre este conceito e a hegemonia gramsciana é que para Bourdieu não há um processo de convencimento dos grupos dominados, uma vez que as estruturas cognitivas são as disponíveis no mundo social. No caso dos significados sociais negativos de identidades estigmatizadas, eles são aceitos como naturais não por convencimento, mas porque fazem parte das estruturas cognitivas das sociedades.
19. Não sei se essa situação continua, pois não aparece nos informes de direitos humanos.
* Julieta Lemaitre Ripoll (S.J.D., M.A.) é professora associada da Faculdade de Direito da Universidade dos Andes em Bogotá, Colômbia, e diretora de Centro de Pesquisas Sociojurídicas, CIJUS, da mesma universidade. Sua publicação mais recente é o livro: El Derecho como conjuro: Fetichismo legal, violencia y movimientos sociales ( (2009).
fonte: Revista SUR n. 11 – http://www.surjournal.org/conteudos/getArtigo11.php?artigo=11,artigo_04.htm