Para aprender, ligue o som

Carolina Vicentin – Correio Braziliense

Muitas pessoas conseguem mais eficiência nos estudos quando ouvem música. Elas têm o que os especialistas chamam de atenção dividida, a capacidade – ou necessidade, em alguns casos – de se concentrar em mais de uma tarefa ao mesmo tempo

 

 

 

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Livros nas mãos, músicas no laptop: o casal de namorados Ana Cláudia Pereira e Caio Scermak prefere estudar ouvindo música, principalmente temas instrumentais
A cena não é incomum: um adolescente se tranca no quarto para ler, liga o som na maior altura a garante para a mãe que está concentrado nos estudos. Os pais tentam convencê-lo de que o hábito prejudica o aprendizado, mas é em vão. Se o garoto ou garota não está com a música a todo vapor, faz qualquer outra coisa para acompanhar o momento da leitura. O costume pode parecer, à primeira vista, prejudicial à carreira acadêmica de qualquer um. Ouvir canções na hora de estudar, porém, é não só normal como necessário para algumas pessoas — inclusive adultos. 

Carlos Vieira/Esp.CB/D.A Press
Se não houver alguma música de fundo, a estudante Débora Pinto sente dificuldades para se concentrar na leitura: “Fico com sono”

Gente como o servidor público Edmar Campos Pereira, 36 anos, que está no 6º semestre de biologia e não consegue estudar sem ter algum barulho por perto. “Gosto de pop e de rock, no rádio ou no CD. Também costumo fazer as coisas assistindo à televisão, em um volume considerável”, conta. Edmar afirma que o som serve como um gatilho para o relaxamento na hora de focar no conteúdo do curso. “Não sei se é porque uso essa ‘técnica’ desde os tempos de colégio, mas, sem o ruído, tenho dificuldade para me concentrar. Acho até que lembro melhor das coisas que leio enquanto ouço música”, sugere. 

A ciência explica a necessidade de Edmar com o nome de atenção dividida, que ocorre quando o indivíduo consegue estar atento a duas ou mais coisas sem prejuízo do desempenho. Mais que isso. “Para algumas pessoas, as canções são essenciais, aumentam a capacidade de concentração. Se elas estiverem em um ambiente silencioso, não vão conseguir fazer a tarefa à qual se propuseram”, diz a neurologista Márcia Lorena Chaves, do Departamento de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). 

Márcia destaca que a atenção dividida é algo inerente ao sujeito, que precisa de um estímulo diferente para manter o foco nos livros. E a canção não tem que ser, obrigatoriamente, tranquila. “Qualquer música pode fazer esse papel. Normalmente, são as que o estudante gosta. Se ele se sente bem ao ouvir um bate-estaca, vai conseguir estudar com um som como esse ao fundo”, detalha a especialista. 

Para o casal de namorados Ana Cláudia Pereira e Caio Scermak, 27 e 23 anos, respectivamente, o ideal são as canções instrumentais, devidamente armazenadas em um laptop. “Eu estudo sempre com música, o que me ajuda bastante quando não consigo me concentrar de jeito nenhum”, conta Ana Cláudia, que faz doutorado em ciência política na Universidade de Brasília (UnB). A jovem lembra que começou a usar o som para se dedicar aos estudos quando estava no mestrado. “Estava vivendo um momento de desespero, só tinha tempo para estudar à noite e a música me dava uma energia nova para terminar o trabalho.” 

Caio, que acaba de passar no mestrado em antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sempre teve as melodias como aliadas na vida acadêmica. “Eu sou disperso, nunca consigo me focar em uma coisa só. Quando percebo, estou lendo, comendo, ouvindo música, tudo ao mesmo tempo”, conta. “A expectativa de fazer outras coisas, depois de parar de estudar, me desconcentra, então faço diferentes atividades ao mesmo tempo”, justifica. O estudante observa, no entanto, que seu hábito nem sempre foi compreendido. “Quando eu estava no 3º ano do ensino médio e no cursinho, os professores não aprovavam, diziam que o som atrapalhava o aprendizado.” 

A neurologista Márcia Lorena Chaves ressalta que a necessidade de ter a atenção dividida precisa ser respeitada. “Muitos pais acabam tirando o aparelho de som dos filhos e isso só piora as coisas. Se o pai ou a mãe perceberem que a criança gosta da música e isso não atrapalha o rendimento, o melhor é incentivar”, aconselha. Foi o que fez a mãe de Débora Ferreira Pinto, 18 anos. De tanto ver a garota e a irmã debruçadas sobre livros e embaladas pelas canções do rádio, ela acabou se acostumando com a cena. “Peguei o hábito com a minha irmã, quando estava no ensino fundamental. Hoje, prefiro estudar com barulho, qualquer que seja. Senão, fico com sono”, diz Débora. 

Método
Há quem acredite, contudo, que a música pode não só melhorar a concentração, mas também ser um acelerador do aprendizado. Na escola de línguas da professora Lucia Zornig, em Curitiba, os alunos aprendem inglês em 22 dias com base em uma técnica desenvolvida na década de 1960 pelo psiquiatra búlgaro Georgi Lozanov. A chamada sugestopedia utiliza músicas barrocas do compositor alemão Johann Sebastian Bach como forma de “grudar” o conteúdo na cabeça dos estudantes. 

Primeiro, os alunos são estimulados a ler o texto em inglês do jeito que acham correto. Há uma tradução ao lado, mas ela não é usada como muleta, apenas para tirar dúvidas pontuais. Depois, o professor encaixa o texto estrangeiro em uma das composições de Bach, como se o material virasse a letra da canção. “A pessoa conhece 2,5 mil palavras por dia com esse método. Os estudos indi
cam que a gente consegue captar 700, o que extrapola esse número é aprendido pelo inconsciente com a ajuda da música”, explica Lucia Zornig. “Tenho alunos que começam a sonhar em inglês na primeira semana de aula, outros saem cumprimentando as pessoas no idioma sem querer”, conta. 

A professora — uma das cerca de 200 pessoas que fizeram o curso com Georgi Lozanov em todo o mundo — afirma que o psiquiatra búlgaro criou o método para alfabetizar crianças no seu país natal. Nos anos 1970, a Unesco reconheceu a eficiência do sistema, embora seja muito difícil encontrar livros e especialistas que falem sobre o tema. “O governo búlgaro, que era comunista e investiu no método de Lozanov, não deixou ele sair por aí, divulgando sua descoberta. Com isso, pouquíssimas pessoas sabem da genialidade do psiquiatra”, afirma Lucia. 

Patrícia Pederiva, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), ressalta que a música não deve ser usada como uma receita de bolo para o aprendizado. “Estudos recentes afirmam que canções auxiliam na concentração e na inteligência. É interessante, mas não podemos falar, categoricamente, que a música facilite o ensino de qualquer conteúdo”, alerta. “Há diversas vivências, cada pessoa tem seu jeito de aprender”, reforça. 

Sons e comunicação
O corpo processa a música a partir da ativação do sistema auditivo, que envia sinais elétricos a uma região cerebral chamada de lobo temporal. Os circuitos ativados nessa área ficam próximos à parte da cabeça relacionada à comunicação e à linguagem. No entanto, o processamento da música ocorre de forma diferente do da linguagem falada, por exemplo. Isso explica por que muitas terapias usam canções para tratamento de pacientes com danos cerebrais.

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