Professora aposentada Therezinha Paviani recebe título de emérita da UnB

Mariana Sacramento – Correio Braziliense

O diploma está pronto há quase seis anos, mas, por conta de uma doença degenerativa, ela ainda não o havia recebido. O reitor da UnB, então, quebrou o protocolo e foi até à casa dela para prestar-lhe a homenagem

 

Ela adiou o quanto pôde. Ora por motivos de saúde, ora por achar que não merecia. Mas não teve jeito. No último fim de semana, Therezinha Paviani, 81 anos, recebeu o título de Professora Emérita da Universidade de Brasília (UnB), diploma que estava pronto desde 2005. Como a homenageada não ia buscá-lo, a instituição quebrou o protocolo e foi levá-lo até ela. A cerimônia, tradicionalmente realizada no auditório da universidade, ocorreu na casa da docente. Sob olhares de familiares e colegas de profissão, ele recebeu o documento das mãos do reitor José Geraldo de Sousa Júnior. “Sinceramente, eu me surpreendi muitíssimo, não sou merecedora desse prêmio”, emocionou-se, na hora. A modéstia é apenas uma das qualidades de Therezinha, que, apesar da resistência, é digna de todas as homenagens.

Pioneira no estudo da botânica em Brasília, Therezinha participou ativamente da criação do Laboratório de Anatomia Vegetal e do Departamento de Botânica da UnB. Quando chegou à universidade como professora colaboradora, em julho de 1969, “o laboratório era apenas um pequeno espaço na antiga biblioteca”, lembra.

A professora veio do Rio Grande do Sul, onde lecionava na Universidade Federal Santa Maria (UFSM). Não chegou sozinha. Seu companheiro, o também professor Aldo Paviani, 71 anos, foi chamado para compor a equipe de docentes de geociências. Em um primeiro momento, o casal, que vai celebrar bodas de ouro no ano que vem, era apenas cedido pela instituição gaúcha. Os dois chegaram a ser inquilinos do pioneiro Ernesto Silva, a quem pediram um desconto no aluguel. “Recebíamos um auxílio-moradia equivalente a R$ 500 e o aluguel era de R$ 900. Choramos e ele fez por R$ 800”, conta Aldo.

Em 1974, a reitoria da UnB convidou os professores colaboradores a compor o quadro efetivo da universidade. Os diretores da UFSM não gostaram muito da ideia. Mas o casal não resistiu ao novo desafio. “Achamos que aqui publicaríamos mais. Além disso, havia mais recursos”, relembra Therezinha. Proposta aceita. Os dois fincaram raízes de vez na cidade idealizada por JK. Adotaram três filhas — três irmãs vindas de uma família humilde — e prosseguiram com suas carreiras .

Saudade

Dos 43 anos atuando como professora, Therezinha dedicou 23 à UnB. Em 1994, contra sua vontade, abandonou a sala de aula e o laboratório. Os braços não aguentavam mais carregar os livros e as lâminas usadas para as pesquisas. Por duas vezes, a professora caiu no chão na saída do Minhocão: desenvolvera mal de Parkinson.O diagnóstico saiu no fim dos anos 1980. “Eu custei muito a tomar a decisão de me aposentar, mas percebi que não dava mais”, conta.

Anos depois, a saudade do mundo acadêmico ainda é grande. “Quando vi minhas colegas durante a cerimônia, a chama reacendeu.” Mesmo afastada, Therezinha não deixou de contribuir com o departamento que ajudou a criar. Ainda hoje, é consultada por colegas que desejam publicar pesquisas ou estudos. A doença afetou sua mobilidade, mas não lhe tirou o conhecimento e a memória acumulados ao longo dos anos.

O marido recorre a ela para se lembrar de datas. Therezinha não deixa uma pergunta sem resposta e ainda lembra de cor o nome científico da planta objeto de seu doutorado: Schinus molle — na linguagem popular, aroeira. “As plantas são divididas em gênero, família e espécie”, explica didaticamente. São várias as espécies da planta, mas a escolhida por Therezinha é mais utilizada para ornamentação. Além de contribuir com o crescimento da botânica em Brasília, a professora foi precursora em estudos de plantas do cerrado.

Legado

“Para a universidade, ela deixou um legado duplo. Tanto contribuiu com pesquisas científicas e construção de instituições quanto, ao mesmo tempo, destacou-se como mobilizadora de vocações. Ela despertou a disposição em seus alunos em seguir a vocação. É mesmo uma virtude, um dom”, descreve o reitor José Geraldo. “Entre os presentes à cerimônia de diplomação da professora emérita havia docentes que foram seus alunos”, destaca.

Para levar o título à professora, a administração da UnB passou por cima das regras. A entrega normalmente é feita em uma cerimônia solene, em que homenageado e representantes da universidade precisam usar roupas próprias para a circunstância. “Devido ao estado de saúde dela, decidi, com apoio da administração da universidade e dos familiares, realizar a cerimônia assim, desse modo doméstico”, explica o reitor. O Conselho Universitário é quem outorga o título aos professores eméritos. “Os colegas foram muito bondosos comigo. Acho que tem outros professores que mereciam mais do que eu”, insiste Therezinha, que prefere manter-se no anonimato. Como se fosse possível, diante do tanto que fez pela universidade e por Brasília.

Contribuição

O título de professor emérito é concedido pela Universidade de Brasília (UnB) ao docente, aposentado, que tenha alcançado uma posição eminente em atividades universitárias.

A doença

O mal de Parkinson caracteriza-se pela degeneração das células cerebrais produtoras de dopamina, substância responsável pela transmissão de sinais na cadeia de circuitos nervosos. Sem o neurotransmissor, a pessoa tem dificuldades para coordenar e controlar os movimentos. A doença evolui em cinco fases. No primeiro estágio, os sintomas são tão leves que ninguém os percebe, somente o neurologista. Na segunda fase, o paciente começa a andar com dificuldade, tem tremores mais visíveis e uma clara rigidez muscular. Na última, o doente fica acamado e completamente dependente de outras pessoas.

“Para a universidade, ela deixou um legado duplo. Tanto contribuiu com pesquisas científicas e construção de instituições quanto, ao mesmo tempo, destacou-se como mobilizadora de vocações. É mesmo uma virtude, um dom”

José Geraldo de Sousa Júnior, reitor da UnB

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