Solano Nascimento – Secretaria de Comunidação
Universidade de Brasília
A decisão da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) de registrar em seu sistema de dados apenas as iniciais de réus de inquéritos penais, ainda que careça de mais esclarecimentos, já pode ser analisada sob pelo menos dois aspectos: o das consequências para a imprensa e o das consequências para a sociedade. Abusando de advérbios, é possível dizer que no primeiro aspecto ela é praticamente inócua e, no segundo, profundamente danosa.
Se há alguma intenção de impedir que informações de processos cheguem a jornalistas é bom o STF buscar alguma outra estratégia. É possível que uma ou outra matéria, algum levantamento numérico sobre processos contra políticos e coisas assim sejam dificultados, mas o risco de jornalistas não obterem informações relevantes por conta da medida é pequeno por muitas razões.
Uma delas é que em grande parte dos casos as iniciais de um réu são suficientes para uma primeira identificação de quem se trata. Talvez não dê mais para fazer um levantamento em cinco minutos, mas uma apuração mais calma e cuidadosa é até recomendável. Outra razão é a dificuldade enorme que felizmente existe de impedir a divulgação de informações. Dificuldade que o próprio Judiciário comprovou no ano passado ao tentar censurar a publicação pelo Estadão de acusações contra um filho do senador José Sarney, e acabar vendo todas as denúncias relevantes sendo publicadas pela Folha. Ou seja, foi possível calar um jornal, não a imprensa.
A principal razão, no entanto, é o fato de o Judiciário ser mais um escoadouro de informações do que um fornecedor de novidades para a imprensa. Quase tudo que tem apelo jornalístico e se transforma em processo, ainda mais em casos que chegam à instância do STF, é vazado para jornalistas por policiais, membros do Ministério Público, advogados e outros interessados. Levantamento que fiz abrangendo as três maiores revistas semanais de informação do país – Época, IstoÉ e Veja – nos anos de eleição presidencial entre 1989 e 2006 mostrou que apenas 8,6% das reportagens feitas com base em investigações oficiais tiveram o Judiciário como fonte. Nada comparável ao fornecimento de informações pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e por CPIs, por exemplo.
É possível argumentar que a intenção da presidência do STF é proteger réus que, muitas vezes inocentes, acabam tendo suas vidas devassadas pela imprensa. No entanto, omitir dados não é melhor antídoto para isso. O Judiciário que tenta agora dificultar o acesso a dados é o mesmo que retarda e dificulta a tramitação de processos contra jornalistas e meios de comunicação que, por negligência ou má-fé, publicam informações erradas.
Já em relação às consequências para a sociedade, a decisão da presidência do STF é mais complexa. O chamado cidadão comum não tem, muitas vezes, as ferramentas que tem um jornalista para obter informações e pode ser muito mais prejudicado que um repórter pela ocultação de dados.
Desde a década de 1990, quando o Executivo começou a facilitar o acesso a informações sobre o Orçamento da União, o processo de transparência nos três poderes da República só se desenvolve. Hoje qualquer cidadão pode saber o nome de um fornecedor do governo e quanto ele recebeu, qual o valor pago em diárias para um servidor público e qual nota um parlamentar usou para justificar determinada despesa. Mesmo no Judiciário, a Justiça Eleitoral acompanhou esse movimento e facilita o acesso a informações, por exemplo, sobre patrimônio de políticos e doações de campanha. Ou seja, enquanto a democracia avança, a presidência do STF resolveu retroceder.
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