Mulheres assassinas são minoria nos presídios; machismo lidera agressões

Renata Mariz – Correio Braziliense

Especialistas apontam de forma unânime que o machismo é a principal causa dos homicídios praticados pelo outrora considerado sexo frágil

Valquíria, 21 anos, matou a amante do marido a  facada depois de flagrá-los na cama:
Valquíria, 21 anos, matou a amante do marido a facada depois de flagrá-los na cama: “Ela mereceu”

Com uma barriga de três meses, Valquíria* flagrou o marido na própria cama com outra mulher. Esfaqueou o pai do filho que gestava e matou, horas depois, a amante dele. Passados nove meses de separação, Amanda* continuava brigando com o ex-companheiro, muitas vezes no meio da rua. Os conflitos se encerraram com três tiros disparados por ela. Rosa* entregou quatro balas a um homem que prometeu, e cumpriu, acabar com seu marido. Por motivos, em cirscunstâncias e de formas completamente distintas, as três mulheres, atualmente presas no Distrito Federal, representam bem a falta de consenso sobre o perfil da assassina passional.

Para Luiza Nagib Eluf, procuradora de Justiça de São Paulo que já estudou centenas de processos de homicídios passionais, os casos protagonizados por mulheres não primam pela vingança. “Os homens, quando matam, planejam o ato. A mulher só comete o crime no meio de uma discussão e, se tiver a arma nas mãos, quase sempre é de propriedade do seu companheiro”, explica a procuradora. Com opinião oposta, o promotor do Distrito Federal Maurício Miranda diz observar uma certa premeditação na homicida. “Até por uma desvantagem física, noto que a mulher usa da traição, da emboscada. Mata o marido dormindo ou contrata alguém para executá-lo.”

 
Amanda deu três tiros no ex-companheiro, nove meses após a separação: “A gente se agredia”

As divergências vêm de um ponto pacífico entre todos os especialistas: a baixa frequência desse tipo de caso. “É raro um crime passional cometido pela mulher, pois ela é privilegiada do ponto de vista biológico, genético e hormonal no que diz respeito ao comportamento violento. Por isso, não temos como falar muito em perfil”, afirma o psiquiatra forense Luiz Carlos Illafont Coronel, ligado à Associação Brasileira de Psiquiatria. Os dados do sistema penitenciário brasileiro corroboram a explicação do médico ao apontarem que, dos 50.518 assassinos presos atualmente no país, somente 1.471 (2,9%) são mulheres.

Machismo
Outra questão unânime entre quem entende do assunto é o machismo — que quase sempre leva o homem a matar a mulher — como causa também da morte masculina. “Não são raras as vezes que o próprio Ministério Público defende uma redução de pena para a mulher cuja agressão sofrida por um marido violento, além do limite do razoável, levou-a a cometer o crime”, diz Miranda. Rosa, que aguarda o julgamento presa, espera que seu relato sobre os 22 anos de terror vividos ao lado do marido morto, um policial militar, seja considerado pelos jurados. Apesar de presa há cerca de um ano, ela não maldiz seu destino. “Foi na cadeia que encontrei paz. Lá fora eu ia morrer nas mãos dele. Aqui não tem gritos, ninguém me bate. Até voltei a estudar”, diz Rosa.

A mineira de 46 anos, há mais de 25 no Distrito Federal, não sabe dizer o que sentiu na hora em que foi buscar a munição do próprio marido, enrolada em um papel na estante de casa, para entregar a um conhecido da rua onde morava, em Samambaia. “Ele disse que ia acabar com meu marido e com meu sofrimento. Eu só tinha medo de morrer”, conta. Quando soube da morte do marido quase em frente à casa onde residiam, os sentimentos se misturaram. “Me deu medo, mas também um alívio. É difícil dizer. Errei e vou pagar por isso, mas não faria novamente”, afirma a mulher.

Valquíria, condenada a nove anos por ter matado a amante do marido, recorda o que pensou ao encontrar a vítima, horas depois do flagrante, numa festa: “De hoje você não passa”. Ela relata que estava “maquinada”, gíria para dizer armada, e que tinha tomado “pinga e cheirado”, apesar da gravidez. O irmão, segundo conta, tomou a arma dela, mas dois amigos deram-lhe uma faca. “Quando vi a mulher, dei uma facada na clavícula dela”, lembra. Presa há mais de dois anos para cumprir uma pena de nove, Valquíria conta o que faria diferente. “Se fosse hoje, eu daria o desprezo para ele”, diz a jovem de 21 anos. Sobre a vítima, titubeia: “Ela mereceu”.

Imperícia
Amanda, que vendia drogas na Candangolândia na época do crime, já estava separada havia nove meses do homem que matou. Mas as brigas nunca cessaram. “Como eu ficava na rua, ele vinha atrás de mim, a gente se agredia mesmo, chegamos a ir para a delegacia algumas vezes”, conta. Um certo dia, segundo Amanda, ele passou de moto e deu uma pesada em suas costas. “Caí no chão, quando levantei, peguei a arma. Ele tirou onda: ‘Nossa, você vai me matar?’ Eu, leiga total de arma, dei três tiros, joguei a arma no chão e fiquei desesperada. Pensei: ‘A bala acabou e ele vai me pegar. Saí correndo’”, diz Amanda.

Ela ficou escondida, segundo seu próprio relato, num matagal durante muitas horas. Depois é que soube, diz, que não só havia atingido como matado o ex-marido. Aos 31 anos, mãe de três filhos, dos quais dois são do homem que assassinou, Amanda não atribui a drogas o crime, mas à imperícia com a arma. “Eu só vendia, não usava. O problema foi ter aceitado aquela arma como pagamento. Eu nunca tinha mexido em arma. Mas no mundo da malandragem você sempre quer sair por cima”, filosofa Amanda, cuja pena pelo homicídio somada à outra, por roubo, totaliza oito anos e quatro meses.

* Os nomes são fictícios para preservar a identidade das entrevistadas.

MEMÓRIA
A Fera da Penha

“Ela quis matar Antônio em vida”, definiu o promotor que acusou Neide Maria Lopes, mais conhecida como a Fera da Penha. O caso abalou o Rio de Janeiro nos anos 1960 pela crueldade e pelos traços de passionalidade, ainda que indiretamente. Depois de namorar três meses com Antônio, Neide descobriu que ele era casado. Deu uma semana para o homem deixar a mulher. Quando percebeu que o namorado não se separaria da companheira oficial, Nilza, ela armou uma trama para pegar Tânia, filha do casal, na escola. Passou numa farmácia, onde comprou álcool. Levou a menina para um matadouro no bairro da Penha, no Rio, deu-lhe um tiro na cabeça e, em seguida, ateou fogo no cadáver. Neide, à época com 22 anos, negou o crime por um tempo, mas foi desmascarada pelas provas da polícia e acabou confessando as cenas de horror. Condenada a 33 anos de reclusão, cumpriu 15 e obteve a liberdade condicional. Também chamada de Frankenstein de saias, mulher-fera e besta-humana, Neide acabou se casando com um funcionário do presídio.

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