Fantéstico/TV Globo
Globo Natureza estreia, no Fantástico, com uma série especial sobre as índias do Brasil.
Os temas ligados à natureza e ao meio ambiente sempre foram prioridade na Rede Globo. Até o fim do ano passado, você acompanhou no Fantástico o projeto Globo Amazônia, com suas reportagens sobre a maior floresta do planeta.
A partir deste ano, vamos além. Vamos falar também dos outros biomas de nosso país. É o projeto Globo Natureza. Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal, Pampas, Caatinga vão ter ainda mais atenção em todos os nossos programas e telejornais.
Globo Natureza estreia neste domingo (9), no Fantástico, com uma série especial sobre as índias do Brasil. Nossas repórteres vão entrar no mundo íntimo de mulheres de diferentes tribos no país. A primeira é a dos Awá-Guajá, no Maranhão. Uma etnia tão identificada com a natureza que as índias chegam a amamentar filhotes de bichos encontrados na floresta.
Nas águas do Igarapé é hora de brincadeira. Entre cuidados e sorrisos, as índias mostram por que já foram chamadas de mães da floresta. O carinho delas com as crias, com todas as crias é grande.
O filhote de cotia é alimentado com o fruto do babaçu. Há muitos bichos na aldeia, mas a relação com os macacos é especial. É uma das carnes preferidas, mas é também o mais divertido e querido animal de companhia.
“O awá-guajá é um povo muito único. É um dos últimos povos nômades de que se tem notícia na América. E essa relação que eles têm com o bicho, ele passa a ser membro da família”, explica Bruno Fragoso, coordenador dos índios isolados da Funai.
Alimentar a natureza para ser alimentado por ela. Talvez para nenhum outro povo isso seja mais forte e verdadeiro que para as mulheres awá-guajá. Tapanií amamenta uma criança e um macaco ao mesmo tempo. Em tupi, ela conta que os dois vão crescer e brincar juntos. E explica que, quando o macaco órfão que ela adota fica maior e mais agressivo, ela o solta na mata.
O Fantástico foi à terra indígena do Carú, no nordeste do Maranhão, para visitar esse povo raro. As aldeias criadas pela Funai para atrair e tentar proteger os awá-guajá têm menos de 20 anos.
“O maior medo que eles têm é a doença que às vezes contraem no contato com a gente. E o segundo medo é pensar que é inimigo, pistoleiro, esse povo que vem invadindo as terras”, conta Patreolino Garreto Viana, auxiliar de campo da Funai. “Os awá vêm sendo assassinados acho que desde a década de 1960 por caçador de onça, roceiro, fazendeiro.”
Imoin tem o medo estampado no rosto e no braço uma marca de bala. O filho dela conta que a emboscada aconteceu quando ela fazia coleta na mata: “Branco atira e minha mãe corre, aí atira atrás dele e aí o tiro pegou um.”
O perigo do encontro com invasores, caçadores e madeireiros é grande, mas o espírito nômade dos awá-guajá é muito forte, e mesmo os que moram nas aldeias passam boa parte do tempo na mata. Uma das famílias passou dias na floresta. Volta trazendo caça e vários litros de mel. Macaripitã conta que foi ela que enxergou a colmeia.
Lá assim. Mulher boa para casar é aquela que sabe ver e ouvir a natureza. Ser prendada também conta, dizem os rapazes da aldeia.
“Aí a mulher sabe fazer a saia dele também, como ele usa, como ela usa, sabe cozinhar também, como a gente come”, diz Manaxika, líder da aldeia.
A sabedoria dessas mulheres é fruto da relação que elas têm com a natureza e com as tradições. O melhor jeito de subir na árvore, de limpar e preparar o peixe, de cortar o cabelo com lascas de taquara afiada.
Os cestos, os enfeites, as redes e roupas da palha do tucum. Dar conforto e beleza para a tribo é função das mulheres awá-guajá. Como a maioria das mulheres awá-guajá, Aracaníi não fala português, mas é uma líder nata e uma tecelã de mão cheia. As saias e tipoias de tucum são a marca, parte da identidade dessas mulheres. A palha é enrolada e depois trançada em um tear muito rústico fincado na aldeia. Dele saem também as fitas que, enfeitadas de pena, viram braçadeiras e tiaras. Elas fazem o trabalho, eles a gentileza.
A rede de tucum é o primeiro berço das crianças awá. Elas são muitas. Amamentadas até dois, três anos, elas garantem o futuro e a alegria da tribo. As jovens se casam assim que menstruam. Novinhas já têm muitos filhos. Parapiñam tem quatro e mais um a caminho. Em casa, ela e o marido mostram como será o parto. Ele conta que não será demorado.
Uma índia não teve a sorte de uma gravidez tranquila. Está de sete meses e perdendo sangue, precisa de socorro.
A enfermeira da Funai faz o que pode, mas no local médico não tem aparecido há meses. O isolamento da aldeia awá só é vencido quando aparece alguém de carro. Foi a sorte da índia grávida. Bruno, o novo coordenador do grupo de índios isolados da Funai, a levou para a cidade de Santa Inês e gravou imagens para mostrar para a tribo. No hospital precário nasceu mais um awá-guajá.
A boa notícia se espalha na tribo. A lua cheia no céu é outro bom motivo para celebrar. Em época de estiagem é costume dos awá fazer o ritual de viagem ao céu. O clima de festa vai tomando conta da aldeia. Assim que a Takaia, a casa sagrada, fica pronta, os meninos começam a imitar o que os adultos farão. As mulheres ajudam os homens a se enfeitar. A cantoria é parte da cerimônia. Dentro da Takaia, os homens se comunicam com os espíritos. Algumas mulheres também cantam.
Os jovens aproveitam para namorar. O abraço awá é quase sempre pelas costas. Os mais novos participam pouco. Querem ajuda para manter sua cultura e sua terra. Clamam para que os ocupantes ilegais sejam retirados como determina a lei.
“Eu gostaria de pedir socorro para as pessoas que escutam a gente, para proteger a nossa terra”, pede um índio.
A ameaça é terrivelmente visível para os awás e para as outras etnias da região. Imagens de satélite mostram que os 820 mil hectares de terras indígenas demarcadas no Maranhão estão sendo devastadas sem dó.
“Os awá-guajá, no processo de aceleração de invasão em que se encontram, se não houver ação rápida e emergencial, o futuro desse povo é a extinção”, diz Bruno Fragoso, coordenador dos índios isolados da Funai.
A floresta no Maranhão ainda existe porque os índios estão lá, e eles ainda sobrevivem porque estão na floresta. Uma relação que, em cada detalhe, impressiona, emociona quem chega.
Uma mulher conseguiu fazer um leque rapidamente. Ela pegou folhas e o leque já ficou quase pronto. Os awá-guajá são assim; gostam de dividir o que sabem, o que caçam e pescam, o que comem. Dividem também de maneira única o mais rico dos alimentos. Nesse jeito tão belo que as mulheres awá-guajá têm de serem filhas e mães da natureza.