Excomunhão ameaça direitos reprodutivos

bispos-filipinasPor Kara Santos, da IPS

Manila, Filipinas, 10/1/2011 – O apoio a um projeto de lei sobre saúde reprodutiva cresce a passos de gigante nas Filipinas, apesar de não haver certeza sobre sua aprovação e seu financiamento, pois os bispos católicos ameaçam com excomunhão quem o promover. Isto ocorre nos furiosos debates sobre o uso de métodos anticoncepcionais, como a pílula, o dispositivo intrauterino (DIU) e as camisinhas. Dos 92 milhões de habitantes deste país do sudeste asiático, 85% são católicos.

Em resposta à veemente oposição da Igreja Católica ao projeto, conhecido como RH (“saúde reprodutiva”, em inglês), os ativistas organizaram a primeira “Festa da Excomunhão” no final de 2010. O encontro aconteceu sob o lema “Se apoiar o projeto RG significa excomunhão, podem me excomungar”. Foi coordenado pela organização Filipino Freethinkers (Livre Pensadores Filipinos) e divulgado como uma noite de “ceia, entretenimento e dissenso”.

No parlamento estão pendentes seis projetos de saúde reprodutiva. Todos permitem o uso de métodos artificiais de planejamento familiar, enquanto a Igreja Católica só reconhece o método natural, isto é, a abstinência. Estima-se que a cada dia nasçam quatro mil bebês no país. A Conferência dos Bispos Católicos das Filipinas ameaçou excomungar os políticos que apoiarem o projeto RH, que dispõe sobre o acesso universal a métodos e informação sobre o controle da natalidade e cuidados maternos.

As organizações católicas afirmam que alguns anticoncepcionais artificiais induzem abortos e que o projeto em questão promove uma “cultura de morte e imoralidade” ao incentivar o aborto e a promiscuidade entre os jovens. Em recente incidente na catedral de Manila, integrantes da Pró-Vida Filipinas, liderados por seu presidente, Eric Manalang, proibiram um grupo de estudantes, mães pobres e profissionais de assistirem um serviço religioso que se referia ao projeto de lei.

Eric é um dos mais notórios opositores desse texto. “Satã, afaste-se de nós. Deveria ter pedido à sua mãe que abortasse”, foram algumas das declarações feitas pelos membros da Pró-Vida em um vídeo feito pela Filipino Freethinkers, apresentado naquela noite. “Manalang invocou Satã inclusive aos católicos que estavam conosco”, disse Red Tani, presidente da Filipino Freethinkers, em um comunicado. Chamou cada católico de “oxímoron”, como “se fosse uma contradição estar a favor do projeto RH e ser católico. Se a hierarquia eclesiástica pensa que apoiar o projeto significa heresia, então, sem dúvida, nos excomunguem”, disse Red.

Na festa da excomunhão, apontada como a primeira desse tipo, houve música ao vivo, brincadeiras para adultos, mensagens de solidariedade de personalidades que são a favor da lei, poesia improvisada e atuações teatrais sobre temas vinculados à saúde reprodutiva e ao aborto. Os participantes também assinaram um simbólico “documento de excomunhão”, com cópia enviada ao governo distrital de cada um, bem como à Conferência dos Bispos, para demonstrar seu apoio à causa.

“É maravilhoso que a liberdade de expressão signifique algo: que as pessoas finalmente estejam manifestando suas ideias e expressando o que sentem de uma maneira muito criativa”, disse à IPS o artista e ativista Carlos Celdrán. Em setembro, Carlos foi preso por “ofender os sentimentos dos fieis” após protestar contra a oposição da Igreja Católica ao projeto RH durante um serviço ecumênico na catedral de Manila.

Sobre o assédio a estudantes nesse templo, Carlos disse que “o que seja que tenha ocorrido, aconteceu de modo muito pacífico. Foi uma mostra absoluta da liberdade de expressão”. Um cartaz colocado perto da entrada do local se converteu em um muro para grafitagem. “Guardem seus dogmas”, escreveu alguém, dirigindo-se à Igreja Católica. “Fora da minha vagina! Minha vagina, minhas regras!”, escreveu outra.

Em sua mensagem de Natal, o presidente da Conferência dos Bispos, Nereo Odchimar, equiparou o projeto RH ao terrorismo e disse em um comunicado que, com sua aprovação, “o útero de uma mulher pode ser uma feroz ameaça para quem ainda não nasceu“. Sylvia Estrada-Claudio, professora e diretora do Centro para os Estudos da Mulher na Universidade das Filipinas, disse à IPS que a alta participação foi sinal da reação do público diante do jogo equivocado da Igreja Católica com a “carta da excomunhão”.

As últimas pesquisas da consultoria Social Weather Stations (SWS) mostram que 71% dos filipinos estão a favor da aprovação do projeto de lei, enquanto 76% querem que seja ensinado planejamento familiar nas escolas públicas. Elizabeth Angsioco, presidente nacional da organização Mulheres Social-Democratas das Filipinas, disse em um comunicado que enquanto o projeto é debatido, perdem-se vidas.

“Acreditamos que a aprovação do projeto se faz urgente. É necessário há muito tempo. as mulheres pobres continuam morrendo por complicações na gravidez e no parto. Isto deve acabar”, disse Elizabeth. Pelo menos, 11 mulheres morrem por dia devido a complicações ligadas ao parto, segundo o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem). Envolverde/IPS

FOTO
Crédito: Kara Santos/IPS
Legenda: Desafiando a Igreja pelos direitos reprodutivos.

(IPS/Envolverde)

 

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