Dilma Rousseff e os documentos da ditadura militar

Inesc

Carlos Fico, professor de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/IFCS) e um dos mais ativos militantes em prol da abertura dos arquivos acumulados no período da ditadura militar (1964-85), declara, em artigo, que está otimista quanto à consolidação do processo de abertura dos documentos da ditadura militar no novo governo.

5 de janeiro de 2011
Por Carlos Fico*
Estou otimista quanto à consolidação do processo de abertura dos documentos da ditadura militar no novo governo de Dilma Rousseff. A principal razão para isso está no fato de que, quando chefe da Casa Civil, Dilma assinou com o presidente da República um decreto determinando a transferência para o Arquivo Nacional dos acervos do SNI (Serviço Nacional de Informações), do Conselho de Segurança Nacional e da Comissão Geral de Investigações: é de se esperar que, agora, na Presidência da República, tenha uma postura afirmativa em relação às agências do governo ainda renitentes (Itamaraty e comandos militares).

Duas atitudes de Dilma Rousseff me parecem importantes. No dia anterior à sua posse, ela mencionou a necessidade de uma mea culpa da parte da Presidência da República e dos militares a fim de que se constitua uma “narrativa oficial” sobre as mortes e desaparecimentos durante a ditadura. Isso é totalmente novo: embora o governo brasileiro, desde FHC, tenha reconhecido suas responsabilidades em relação às vítimas da ditadura, as Forças Armadas brasileiras nunca o fizeram e, ao contrário, continuam comemorando, na caserna, a “Revolução”.

Isso é um passo importante para a subordinação dos militares ao poder civil — como deve ser em uma verdadeira democracia. Aberrações já aconteceram e nunca foram punidas. Em 2007, um general ministro do STM defendeu um coronel envolvido “apenas” com tortura (e não com assassinatos, como apontou ser o caso em relação a ministro do governo Lula) e disse que o governo já havia gasto dinheiro demais “à procura de osso”. Nada aconteceu com esse personagem lamentável.

Por isso, é muito importante a notícia de que o general José Elito, atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional, foi chamado pela presidente Dilma a dar explicações sobre declaração equivocada (ele disse que o desaparecimento de presos políticos durante a ditadura militar não é motivo de vergonha). É preciso que os militares não se sintam uma força autônoma em relação ao governo e, sobretudo, em relação à necessária proeminência do poder civil. Infelizmente, desde o fim da ditadura militar, quase todos os governos civis foram lenientes em relação às insubordinações de alguns militares.

Só a proeminência do poder civil poderá garantir que os arquivos dos órgãos de inteligência militar da ditadura que ainda não foram abertos cheguem ao Arquivo Nacional. A Aeronáutica enviou os documentos do CISA (Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica) ao Arquivo Nacional. Ainda que expurgados, são importantes. A iniciativa deveria servir de exemplo aos comandantes do Exército e da Marinha para que também abram os papéis do CIE (Centro de Informações do Exército) e do CENIMAR (Centro de Informações da Marinha).

A documentação histórica é certamente essencial para que possamos enfrentar esse passado traumático, mas a iniciativa da atual presidente – no sentido de negociar o mea culpa dos militares – também deve ser saudada como uma novidade positiva em relação aos últimos presidentes.

Fonte: Site Brasil Recente

*Professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/IFCS). Um dos mais ativos militantes em prol da abertura dos arquivos acumulados no período da ditadura militar (1964-85). Fico era integrante do projeto Memórias Reveladas, criado pelo governo federal para tornar públicos tais documentos. No entanto, Fico renunciou ao cargo porque o Arquivo Nacional proibiu o acesso a documentos da ditadura militar a pesquisadores, sob a alegação de que jornalistas estavam fazendo mau uso e pedindo documentos sobre os candidatos (à Presidência)

 fonte: site do INESC

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