Fantéstico/TV Globo
Agora, casais do mesmo sexo podem recorrer a técnicas de reprodução assistida. No Rio, único estado com estatística oficial de agressão contra gays, foram 378 casos de homofobia em 2010.
Esta semana, o Conselho Federal de Medicina deu um importante passo contra a discriminação aos homossexuais. Agora, casais do mesmo sexo podem recorrer a técnicas de reprodução assistida para ter filhos. Antes esses procedimentos só podiam ser feitos em casais heterossexuais.
“O importante é que todas as pessoas, independente da qualidade ou do estado civil da suas uniões, tenham acesso a esta técnica”, afirmou Roberto d’Ávila, presidente do Conselho Federal de Medicina.
Este é mais um de uma série de avanços recentes no reconhecimento dos direitos de gays e lésbicas, num país que infelizmente ainda luta para combater a intolerância.
Um espancamento brutal. “Eu tenho essas marcas que estão aqui, meus dentes saíram do lugar. Eu estou sempre com a sensação de que algo de ruim vai me acontecer. Sempre em pânico”, conta Bruna Freire Silva, vítima de agressão.
Um tiro a queima-roupa. “A bala entrou aqui e saiu aqui”, lembra outra vítima.
De acordo com o Grupo Gay da Bahia, organização que monitora casos de violência em todo o país, a cada dois dias, um homossexual é assassinado no Brasil.
No Rio de Janeiro, único estado com estatística oficial de agressão contra gays, foram 378 casos de homofobia em 2010, mais de um por dia. E nove assassinatos.
“Ele foi apedrejado, ele foi torturado. O caso do Alexandre se tornou um símbolo nacional da luta contra a homofobia”, lembra Marco Duarte, primo de Alexandre. Alexandre Ivo morreu em junho deste ano.
Todos os acusados respondem em liberdade. “É um garoto de 14 anos. Ele perdeu o direito dele de viver”, destaca Marco.
A intolerância pode acontecer à luz do dia. Felipe foi expulso de um ônibus a ponta pés só porque tentava ajudar um cadeirante a embarcar. “As três pessoas que estavam reclamando se voltaram contra mim alegando que eu não era homem”, lembra ele.
Ele procurou a polícia imediatamente. Se fosse em outra época, talvez Felipe ficasse calado.
“O que acontece é que anos atrás, talvez, as famílias não assumiam que um filho que morreu de homofobia morria de homofobia. Não ia à delegacia falar: ‘meu filho é gay e morreu porque é gay’. E agora essas denúncias têm esse teor”, afirma ele.
“Como estão perdendo no âmbito da civilidade esse debate, estão partindo para o âmbito da violência, para o campo do terror e do ódio”, explica o gestor público Cláudio Nascimento.
Contra o ódio, uma festa concorridíssima. “A gente tinha pensado num evento para no máximo 30 ou 40 pessoas, uns amigos. E foram 300 pessoas”, lembra Cláudio, falando sobre seu casamento.
Como o Brasil não tem uma lei de união civil de pessoas do mesmo sexo, Cláudio e João assinaram um pacto homoafetivo. É um documento público registrado em cartório para oficializar o que a vizinhança inteira já sabia.
“É uma vida normal, como a de qualquer outro casal, com sonhos, desejos, desafios, obstáculos”, afirma Cláudio.
O Estado brasileiro também resolveu enxergar o óbvio. “Dorme, planeja a vida, paga as contas. Vê lá quanto que entrou de dinheiro no final do mês”, diz Cláudio.
A Receita Federal anunciou que casais de mesmo sexo vão poder incluir dependentes ou fazer declaração conjunta do Imposto de Renda deste ano. E uma portaria do Ministério da Previdência, enfim, decidiu tornar regra o que a Justiça já obrigava por força de liminar: homossexuais e seus companheiros terão direito à pensão e aposentadoria.
A Justiça do Rio Grande do Sul foi a primeira a determinar que ações envolvendo pensões, heranças e partilha de bens de casais homossexuais saíssem das varas cíveis e passassem a ser discutidas nas varas de família. Ou seja, o Judiciário entendeu que o caso aí era menos de uma relação de negócio e mais de uma relação de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Isso só foi possível graças à atuação decisiva da desembargadora Maria Berenice Dias.
Heterossexual, casada cinco vezes, três filhos, e ainda assim vítima de preconceito por defender os direitos dos homossexuais.
“Parece que é uma coisa depreciativa.Tanto que todo mundo diz: ‘mas, Berenice, tu não te incomoda?’ Mas não me ofende acharem que eu sou homossexual porque eu não acho que eles sejam um segmento assim: ‘ai, que horrível!’ Para mim, em primeiro lugar não me importa o que os outros pensam a meu respeito, né?”, afirma ela.
A desembargadora aposentada Maria Berenice Dias foi a primeira a dar razão a um casal gay numa ação judicial em 2000. De lá para cá, ela já contou 808 decisões favoráveis de dezenas de juízes pelo país afora.
Para ela, só falta o Congresso Nacional mudar de comportamento. “Um fundamentalismo perverso, acho que uma postura covarde do nosso legislador que, não sei se tem medo de ser rotulado de homossexual, tem uma visão muito fechada do conceito de família, mas no Legislativo não se consegue avançar”, destaca ela.
Existem 19 projetos de lei tramitando em Brasília, inclusive, o que torna crime a homofobia. “Isso também não avança”, lembra a desembargadora.
Mesmo sem uma lei específica, por exemplo, sobre adoção de crianças por casais de mesmo sexo, pelo menos 20 sentenças já foram proferidas.
“O que a Justiça faz? A Justiça aplica a Constituição Federal que manda se ter uma proteção integral a crianças e adolescentes”, diz a desembargadora.
O Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro diz que não há qualquer risco de sequela psicológica para a criança. “As pré-condições para que uma adoção seja bem sucedida são afeto e disponibilidade dos adultos em acolher essa criança. E afeto e disponibilidade não estão relacionados à orientação sexual”, destaca Eliana Olinda, psicóloga do CRP-RJ.
“Tudo o que eu faço, desde que eu acordo até a hora que eu vou dormir, é em função da Maria Vitória. Não tem como”, afirma a funcionária pública Cristiane Carvalho Corrêa.
Cristiane adotou Vitória quando ela era bebê. Agora a companheira dela, Sílvia, entrou na Justiça para ser, legalmente, a mãe que já é na prática.
“Aí a Cris falava: ‘Não, Sílvia, feijão tem que dar escondido, põe o arroz e a carne por cima’. Todo um malabarismo na colher para esconder o feijão. Ela vai comer o feijão, ela tem que saber que tem que comer feijão, que feijão é bom para ela”, lembra Sílvia.
Uma tem coração mole. “Às vezes ela deixa fazer as coisas!”, diz Vitória. A outra contrabalança: “O quartel!”, brinca Vitória.
Se tudo der certo, Vitória terá duas mães na certidão de nascimento. Carinho em dobro, ela já tem. “Todos nós podemos viver no mesmo mundo. Não há um mundo separado”, diz Cris.