* Luciana Rafagnin
A Assembleia Legislativa do Estado do Paraná é composta por 54 parlamentares: são 50 deputados homens e apenas quatro deputadas mulheres. Ocupamos menos de 8% das cadeiras no legislativo paranaense. Nem de longe, essa taxa de participação representa a cota para gênero de 30% prevista na lei eleitoral ou até mesmo a fatia da população feminina, que significa mais da metade (51,3%) das pessoas existentes no país. No Senado Federal, somos 13,5% e na Câmara dos Deputados, 8,77% desses parlamentares. Das 195 nações independentes no mundo, apenas oito são chefiadas por mulheres: Chile, Argentina, Irlanda, Alemanha, Finlândia, Libéria, Moçambique e Índia.
No Brasil, nossa participação no mundo do trabalho, ainda que distante de alcançar a igualdade na tomada de decisões e na valorização profissional, também significa uma presença forte e não espelha essa baixa representação política. Com base em dados do IBGE, de janeiro/2008, a partir da pesquisa de emprego realizada em seis regiões metropolitanas, é possível dizer que as mulheres representam 44,4% da população ocupada; com carteira assinada são 37,8% e em idade ativa, o percentual de mulheres trabalhadoras sobe para 53,5%. Por outro lado, o desemprego também afeta mais as mulheres: 10,1% delas estão à procura de emprego, enquanto que a taxa de desocupação entre os homens era de 6,2% em janeiro do ano passado. Mesmo que aproximadamente 60% das mulheres trabalhadoras tenham 11 anos ou mais de estudos, as mulheres com nível superior de escolaridade ganham em torno de 60% do salário de um homem nas mesmas condições. De um modo geral, é triste dizer, mas o rendimento das mulheres equivale a 71,3% do recebido pelos homens. Entre as mulheres ocupadas, o trabalho prevalece nas áreas de serviços gerais, administrativos, nas atividades agrícolas, no comércio e na administração pública. Essas categorias profissionais juntas representam cerca de a 70% da mão-de-obra feminina no mundo do trabalho.
De volta ao cenário político brasileiro, tenho percebido, durante esse período de mandato parlamentar, que a maior dificuldade está em efetuar a igualdade na composição das chapas partidárias para a disputa eleitoral e no processo político em si, uma vez que o percentual de eleitas é baixo, como reflexo também da falta de igualdade de oportunidades e de condições para realizar as campanhas eleitorais. Apesar da obrigatoriedade na legislação, é difícil alcançar a participação de 30% de mulheres na composição das chapas, ainda que no PT esse compromisso seja levado a sério.
Uma vez eleita, a parlamentar mulher enfrenta menos preconceito pela questão de gênero, que pelas lutas, posturas adotadas, pelo partido e pelas bandeiras defendidas. No meu primeiro ano de mandato, ainda no governo Jaime Lerner, as maiores dificuldades residiam em aprovar os projetos de lei de cunho popular. Cito o exemplo de duas grandes lutas encampadas pelas mulheres agricultoras do estado, que inspiraram minhas primeiras ações como deputada: a criação do Hospital Regional do Sudoeste, em Francisco Beltrão, e a criação do Programa de Habitação Rural.
A lei do Hospital Regional chegou a ser sancionada, mas não foi colocada em prática por Lerner, virou uma lei de gaveta. Só com a chegada de Roberto Requião ao Palácio Iguaçu é que pudemos retomar essa luta e a obra saiu do papel. No caso da Habitação Rural, foi diferente. O projeto de lei de minha autoria tramitou na Assembleia e foi vetado pelo governador Jaime Lerner. Em uma sessão repleta de agricultores, o veto do governador foi mantido e o programa estadual não foi criado.
Com a chegada de Lula à Presidência da República em 2003 e a posse do ex-governador gaúcho, Olívio Dutra, no Ministério das Cidades, o programa mais esperado pelos agricultores familiares de todo o país foi implantado, nos moldes do que o PT fez no Rio Grande do Sul e, assim, em parceria com as cooperativas de habitação das organizações da agricultura familiar e com recursos da Caixa Econômica Federal, foram construídas as primeiras casas para famílias de agricultores paranaenses por meio do programa nacional de Habitação Rural. Em seguida, reapresentei o projeto do programa estadual sob a forma de indicação legislativa e retomamos as conversas com o governador Requião e com a Cohapar, a fim de garantir a parceria do governo do estado dentro do programa do governo federal e, dessa forma, diminuir os custos de construção das casas para as famílias de agricultores. Desde 2003, mais de 10 mil casas já foram construídas pelo programa de Habitação Rural no Paraná e, destas, praticamente a metade foi por meio da parceria com o governo estadual.
Os dois casos anteriores de lutas das mulheres agricultoras e do movimento sindical encontraram maiores empecilhos na vontade política dos governantes e puderam ser transformados em obras de governos quando elegemos pessoas comprometidas com essas causas. Mas também mostram que as transformações sociais fundamentadas em reivindicações específicas das mulheres ou do ambiente familiar só de fato se concretizaram quando elegemos mulheres para travarem essas lutas e fomentarem a vontade política necessária à realização das obras. As grandes conquistas nas áreas de saúde da mulher, da infância e de combate à violência doméstica e à violência contra a mulher passaram necessariamente pelas mãos de mulheres vereadoras, deputadas, senadoras, conselheiras, gestoras, que cavaram nas leis espaço para as demandas das organizações populares e femininas. A lei da licença-maternidade, dos benéficos previdenciários e da aposentadoria dos agricultores e das agricultoras nasceu da mobilização de um grande acampamento de mulheres em Brasília e de protestos nas principais capitais e cidades-pólo. O atendimento diferenciado em saúde da mulher, a instituição de creches, casas-abrigo, centros de referência no combate à violência e delegacias da mulher também.
A proposição do aumento da licença-maternidade para 180 dias (seis meses) e da licença-paternidade (de cinco para 15 dias) são causas atuais que estão mobilizando as mulheres de diversas categorias profissionais. A aposentadoria das donas-de-casa como seguradas especiais (hoje, esse benefício só é possível pela comprovação da contribuição de autônoma), que foi uma luta encabeçada pela ex-deputada federal de Santa Catarina, Luci Choinack, está estacionada, à espera de regulamentação e de alguém que assuma a cobrança pela agilidade na tramitação dessa matéria. A Lei Maria da Penha, nosso maior avanço na legislação nos últimos tempos, surgiu da busca incansável por justiça promovida pelas mulheres vítimas de violência. Essa luta sensibilizou o Presidente Lula, que fez acontecer a Lei Maria da Penha. Agora, no dia-a-dia do combate à violência doméstica e à violência contra a mulher, a tarefa mais importante é fazer com que os organismos policiais apliquem com rigor esse conjunto de normas para inibir a prática dos abusos e das agressões contra a mulher.
As cotas
No Brasil, a lei federal nº 9.504/1997 prevê uma reserva mínima de 30% e máxima de 70% para gênero na inscrição das candidaturas proporcionais, visando a disputa nas eleições. Há uma discussão para fazer valer essa cota no preenchimento das vagas existentes nos legislativos estaduais, municipais e distrital. Da forma como está hoje, há uma obrigatoriedade para inscrição das candidaturas de mulheres, sem maiores compromissos com os resultados dessas campanhas e a consequência é que a esmagadora maioria dos eleitos são homens. Na Argentina, a cota é de 35% de participação no parlamento. Com isso, há a obrigatoriedade de eleger no mínimo essa proporção de mulheres e elas, po
r sua vez, se preparam e se desafiam para encarar essa missão.
A esperança está na organização social, sindical, nos conselhos públicos, nas ações pastorais e nos movimentos populares, nos quais é significativa a participação de mulheres envolvidas em suas lutas, tanto nas ações de base dessas organizações quanto ocupando espaços de direção, à frente das tomadas de decisão. O grande laboratório para ampliar a participação da mulher na política é o movimento social e os conselhos gestores das políticas públicas. A participação da mulher na política é capaz não só de mudar determinada realidade como de redesenhar as bases da própria estrutura do poder político. Tenho a convicção de que ampliação de espaços para a participação da mulher gera um impacto positivo imediato na qualidade de vida da nossa gente e na elaboração de políticas públicas que respeitem as diversidades culturais da nossa população.
* Luciana Rafagnin é agricultora familiar, cientista política e deputada estadual (PT-PR).