Leandro Kleber – CORREIO BRAZILIENSE
Programas considerados estratégicos por especialistas, como o de combate ao trabalho infantil e o Projovem, terão menos recursos em 2011
Além dos cortes orçamentários previstos pelo governo, alguns ministros da área social escolhidos por Dilma Rousseff terão de lidar com outro problema: a redução de recursos em programas considerados importantes por especialistas, como o de erradicação do trabalho infantil (Peti) e o ProJovem. Ao todo, seis programas que priorizam as crianças e adolescentes e o combate ao trabalho escravo sofreram redução de R$ 417 milhões no Orçamento de 2011, aprovado no Congresso Nacional no último dia 22.
A maior diminuição é no ProJovem, que tem como finalidade promover a inclusão social de pessoas com idade entre 18 e 29 anos, alfabetizadas, mas que não concluíram o ensino fundamental. Em 2010, o programa teve quase R$ 1,6 bilhão destinado à concessão de auxílio financeiro, pagamento de serviços socioeducativos e aquisição e distribuição de material pedagógico. Para 2011, será R$ 1,3 bilhão: R$ 336 milhões a menos.
Quem também sai perdendo é a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), chefiada agora pela petista Maria do Rosário (RS). O programa de atendimento socioeducativo do adolescente em conflito com a lei, que tem como meta este ano abrir 32.560 vagas em serviços de proteção aos jovens que cumprem medidas socioeducativas, terá R$ 34 milhões a menos do que na peça orçamentária de 2010. O orçamento, que era de R$ 85 milhões em 2010, administrado principalmente pela SEDH (outras pastas também executam ações do programa), agora é de R$ 51,2 milhões.
O enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes também terá restrições. O Brasil ocupa o 1º lugar na América Latina em crimes de pedofilia cometidos pela internet. Cerca de 50% das vítimas são crianças entre 9 e 13 anos. Mesmo assim, a proposta orçamentária prevê R$ 93,6 milhões para a política em 2011, contra os R$ 101,4 milhões no ano passado (queda de R$ 7,8 milhões). Uma das missões do programa é garantir o funcionamento do Disque Denúncia Nacional (Disque 100), serviço de recebimento, encaminhamento e monitoramento de denúncias de violência contra meninos e meninas.
Reclassificação
Articular um conjunto de ações que evitem a presença de crianças e adolescentes de até 16 anos no trabalho infantil é a finalidade do Peti, um dos principais programas do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Em 2011, serão R$ 26 milhões a menos do que no ano passado. A assessoria do MDS nega redução. Em e-mail enviado à reportagem, informa que “não houve redução de recursos, mas reclassificação no orçamento da assistência social da parcela dos programas referentes à gestão municipal”. De acordo com a pasta, “os recursos não perdem sua finalidade, continuando sendo destinados aos municípios financiados pelo Peti, para apoio à gestão de assistência social e ações complementares ao Programa”.
A Secretaria de Direitos Humanos também nega redução nos investimentos. A assessoria sustenta que, “na verdade, houve uma mudança na diretriz das políticas. (.) Não há, portanto, interrupção de políticas. Somente um novo foco.” Ainda segundo a assessoria, a verba global da pasta foi ampliada.
Vínculos empregatícios
No ano em que o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo será lembrado pela segunda vez no calendário nacional, o programa que pretende regularizar os vínculos empregatícios dos trabalhadores e libertá-los da condição de escravidão perdeu recursos. Os R$ 12,3 milhões planejados para 2011 são R$ 849 mil menores do que o previsto em 2010. Procurado pela reportagem, o Ministério do Trabalho não se manifestou sobre o tema.
Partilha
Programa – Finalidade – Perda em 2011
Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem) – Promover a inclusão social dos jovens brasileiros de 18 a 29 anos – com atividades educacionais e voltadas para o mercado de trabalho PERDA DE R$ 336 milhões
Erradicação do Trabalho Escravo – Erradicar o trabalho escravo por meio de ações de fiscalização coordenadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho em focos previamente mapeados. PERDA DE R$ 849 mil
Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) – Retirar crianças e adolescentes de até 16 anos de práticas de trabalho infantil. Tem três eixos: transferência direta de renda a famílias de crianças em situação de trabalho, serviços de convivência e acompanhamento familiar PERDA DE R$ 26,1 milhões
Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Garantir os direitos e liberdades fundamentais determinados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, atendendo crianças e jovens em casos de violência ou outros e classificando espetáculos e filmes PERDA DE R$ 12,2 milhões
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo Promover os direitos humanos no Brasil. Representa para o sistema socioeducativo uma adesão ao processo de inclusão social do adolescente autor de ato infracional. PERDA DE R$ 34 milhões
Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes – Desenvolver iniciativas que promovam igualdade dependentemente da raça, etnia, gênero, orientação sexual ou deficiência e que contribuam para a redução das desigualdades regionais PERDA DE R$ 7,8 milhões
Total Retirado da Área Social- R$ 417 milhões
Crítica ao “retrocesso”e à gestão
A redução de recursos dos programas da área social recebeu críticas de especialistas do setor. O vice-presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ariel de Castro Alves, classifica a diminuição da verba para 2011 como um retrocesso. Segundo ele, a presidente Dilma Rousseff, que apontou a área social como prioridade, deveria tentar reverter a situação no decorrer do ano.
“A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, já sinalizou aumento no Bolsa Família. O investimento na área de infância e da juventude é a única forma de o Brasil ter, além de crescimento econômico, crescimento social e condições de enfrentar a criminalidade, evitando episódios como o ocorrido recentemente no Rio de Janeiro e em outras capitais do país”, avalia.
Ariel ressalta que a administração federal deveria ter uma estrutura completa para fiscalizar a aplicação das políticas. “Tinha de haver um número maior de servidores para verificar in loco, por exemplo, como estão sendo organizados os abrigos e serviços de recolhimento, como o plano de convivência familiar e comunitária está sendo adotado e como estão lidando com os adolescentes em conflito com a lei. Essa estrutura deveria estar em todos os estados.”
Doutora em educação, Cleomar Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), avalia que o orçamento destinado à criança e ao adolescente é insuficiente para atender as demandas do país. Ela aponta o contingenciamento como um dos principais entraves. “Com o superavit primário (economia de recursos para pagar juros da dívida) feito pelo governo federal, a verba prevista para a juventude só é liberada no fim do ano. Isso faz com que as políticas deixem a desejar. Tudo é feito a toque de caixa em uma área extremamente carente e cheia de problemas”, afirma.
Cleomar aponta problemas de gestão para justificar a redução de recursos para 2011
. “Os órgãos com políticas destinadas à infância não têm conseguido executar o que é autorizado no Orçamento. Assim, no ano seguinte, acontecem as reduções, pois na hora de elaborar o orçamento os gestores se baseiam no total pago, bem menor do que o valor previsto”, ressalta. Segundo a especialista, alguns estados e municípios deixam a desejar. “Muitas vezes, eles não priorizam as políticas de infância e adolescência implementadas pelo governo federal”, diz.