Estupradas demoram para buscar médico; é comum engravidarem e não poderem abortar

Folha de S.Paulo

Hoje na FolhaSimone, 27, foi estuprada a caminho do trabalho. Carmem, 28, indo para a casa de uma amiga. Mara, 42, quando voltava de um posto de saúde. Taís, 18, estava em um parque. Karina, 29, em casa.

Mulheres contam sobre dificuldade em pedir ajuda após estupro

Em comum, essas mulheres também compartilham o fato de terem engravidado por falta de um atendimento médico imediato após o estupro. A anticoncepção de emergência, se usada até 72 horas após a relação sexual, pode evitar a gravidez.

Um estudo inédito do Hospital Pérola Byington mostra que essa é a realidade de 88,9% das grávidas vítimas de estupro atendidas em um projeto da instituição Bem-Me-Quer, que oferece ajuda médica e psicológica, informa reportagem de Cláudia Collucci, publicada na edição desta segunda-feira, da Folha. (íntegra disponível para assinantes do jornal e do UOL).

Para o ginecologista Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre Aborto, as mulheres ainda não têm noção de seus direitos e temem procurar ajuda.

‘Há também uma questão vinculada à vergonha que impede a mulher de revelar a violência praticada contra ela. Quando engravidam, escondem a gravidez e só procuram assistência quando ela é claramente evidente.’

Foram avaliadas 936 mulheres ao longo de 15 anos do projeto: 65% optaram pelo aborto. O restante (326) não fez o procedimento porque não houve aprovação para o aborto (60,7%) ou porque a gestante desistiu de interromper a gravidez.

Segundo a psicóloga Daniela Pedroso, a maioria dos casos de não aprovação (39%) do aborto ocorreu em razão de a idade gestacional estar acima da prevista pelo serviço de saúde –após a 22ª semana de gravidez ou com o feto pesando mais do que 400 gramas.

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Mulheres contam sobre dificuldade em pedir ajuda após estupro

Era Dia das Mães de 2004. Marta saiu cedo de casa para visitar a família. Horário de verão, 6h30, ainda estava escuro. Nas proximidades da estação Sé do metrô, centro de São Paulo, ela sentiu dois homens se aproximando. Eles a jogaram no chão e a doparam, fazendo cheirar um líquido entorpecente.

Estupradas demoram para buscar médico; é comum engravidarem e não poderem abortar

Quando acordou, estava sozinha, jogada na calçada suja de uma rua semideserta e sentindo muita dor. Gritou por socorro, mas ninguém surgiu para socorrê-la. Voltou andando para casa, sentindo-se a “última das mulheres”. “Nem me olhava no espelho. Saí do emprego, não falava com ninguém, nem com a minha mãe”, conta Marta, 36, vendedora.

Um mês depois, veio a notícia: estava grávida. Foi aí que reuniu forças para contar sobre a violência sexual à família e buscar ajuda médica. “Na delegacia, fizeram chacota comigo e insinuaram que eu poderia estar mentindo sobre o estupro só para fazer o aborto”, lembra ela, homossexual assumida.

A gravidez foi interrompida alguns dias depois, no hospital Pérola Byington. “Foi um alívio, como sair de um pesadelo.”

A mesma sensação é descrita por Daniela, 32, estuprada quando tinha 16 anos. Ela morava em Santana (zona norte) e foi visitar uma amiga no mesmo bairro.

Um homem se aproximou, agarrou seu braço, disse que estava armado e ordenou que ela o acompanhasse.

Ela obedeceu. Foi levada até uma favela e estuprada em um matagal. Na época, era virgem. O agressor a deixou, depois, no ponto de ônibus mais perto. “Era muito ingênua. Fiquei em estado de choque, só chorava.”

Na mesma noite, a mãe a levou à delegacia, ao IML e ao hospital. Três semanas depois, porém, descobriu que estava grávida. O aborto legal foi feito rapidamente.

“Não havia a mínima possibilidade de ter aquele bebê. Foi um alívio quando tudo acabou”, diz ela, hoje mãe de um menino de oito anos.

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