“Casamento infantil é uma forma de violência”

 

Por Cléo Fatoorehchi, da IPS

Jennifer_Redner

Nova York, Estados Unidos, 17/12/2010 – No começo deste mês, o senado norte-americano adotou de forma unânime a Lei de Proteção Internacional de Meninas pelo Impedimento do Casamento Infantil. Agora, organizações de mulheres cobram da câmara baixa do Congresso dos Estados Unidos que a aprove ainda este ano. Jennifer Redner, conselheira da Coalizão Internacional pela Saúde das Mulheres para assuntos de política externa norte-americana relacionados com temas de gênero, explicou que a aprovação da lei é uma oportunidade para chamar a atenção mundial para o problema do casamento infantil, que prejudica tanto os esforços com vistas aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio como a efetividade dos programas de ajuda externa de Washington.

Por exemplo, em muitos países em desenvolvimento, a principal causa de morte entre adolescentes mulheres são as complicações relacionadas com a gravidez e o parto. Para meninas casadas aos 14 anos, e mais jovens, as probabilidades de morrerem ao dar à luz são cinco vezes maiores do que em jovens com idades entre 20 e 24 anos. O casamento precoce também pode colocar as meninas em maior risco de contrair o HIV, vírus causador da aids. Um estudo com adolescentes entre 15 e 19 anos, em Kisumu, no Quênia, concluiu que cerca de 33% das casadas tinham HIV, contra 22,3% das solteiras mas sexualmente ativas.

IPS: Como o casamento infantil afeta o futuro das meninas?

JENNIFER REDNER: Seja em países industrializados ou nações em desenvolvimento, o casamento infantil afeta a saúde e os direitos humanos das meninas. Em todo o mundo, mais de 60 milhões de mulheres entre 20 e 24 anos se casaram antes de completarem 18 anos, em geral incentivadas pelos pais e normalmente com homens muito mais velhos que elas, sem possibilidade de opinar. O casamento infantil, em geral, leva à morte durante a gravidez ou no parto, e as jovens noivas também têm mais probabilidades de sofrerem violência de gênero e são vulneráveis às doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV. Toda menina merece decidir e traçar sua vida, e esta legislação ajudará a que isto se torne realidade para as meninas de todo o mundo.

IPS: Como os Estados Unidos podem agir para que esta lei também tenha influência em outros países?

JR: A lei tem várias partes importantes que juntas fornecem uma ampla gama de ferramentas e suportes para enfrentar o problema do casamento precoce forçado. Em seu Informe de Direitos Humanos, o Departamento de Estado norte-americano informará sobre a situação em países onde a prática prevalece. Isto enviará um sinal aos governos de outros países de que Washington considera esta prática uma violação dos direitos humanos. Hoje, os Estados Unidos investem milhares de milhões de dólares em programas de assistência externa à saúde, educação e alívio da pobreza, em grande parte administrados por sua agência Usaid. Em áreas onde a prática prevalece, a adoção da lei garantirá que o assunto do matrimônio infantil seja integrado a esses programas. Atualmente, os Estados Unidos, principalmente por meio da Usaid, apoia alguns programas destinados a trabalhar com comunidades para tratar do tema e evitar que mais meninas se casem antes de estarem física e emocionalmente preparadas. Porém, não há um plano de ação de longo prazo para abordar o problema de maneira completa. Portanto, um aspecto fundamental da legislação é o que cobra da Casa Branca o desenvolvimento de uma estratégia ampla para acabar com essa prática.

IPS: Alguns governos adotaram, nos últimos anos, leis que elevam para 18 anos a idade mínima para o casamento. Como este tipo de lei pode ser efetiva?

JR: Países que têm uma idade mínima para casamento e buscam adotar esta lei devem trabalhar com as comunidades para conseguir soluções duradouras. Trabalhar com pais, mães e líderes da comunidade é fundamental para acabar com o casamento infantil e mudar as perspectivas e o valor que as meninas lhe dão. Elevar a idade mínima é importante, mas, definitivamente, não é a única peça necessária para se ter êxito nestes esforços.

IPS: Os casamentos infantis parecem difíceis de acabar por serem parte da esfera privada, e devido ao peso da tradição…

JR: Os casamentos precoces e forçados são considerados uma forma de violência contra as mulheres. A ideia de que a violência de gênero é parte da esfera privada e, portanto, não deve ser abordada, é um argumento que ouvimos antes. Cremos no direito de cada mulher e menina a uma vida saudável e justa, e nós, enquanto comunidade internacional, temos a responsabilidade de responder trabalhando com comunidades para transformar leis e comportamento que implícita ou explicitamente aprovam estas violações dos direitos humanos. Muitas famílias veem as meninas como um peso econômico e não as valorizam para nada, em comparação aos meninos. Algumas têm tanto medo de que suas filhas fiquem grávidas antes do casamento que consideram o casamento precoce um refúgio seguro, quando, na realidade, é o contrário. Mudar essas ideias e esses mitos exigirá educação, incluindo um completo ensino sexual, programas que destaquem os direitos humanos e a igualdade de gênero, incluindo o direito a negar-se a se casar. Também é preciso construir a capacidade econômica e social destas meninas para que tenham alternativas. Envolverde/IPS

FOTO
Crédito:
Cortesia International Women´s Health Coalition
Legenda: Jennifer Redner.

(IPS/Envolverde)

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