Por Sarah Fernandes, do Aprendiz
“O mais difícil é quando a criança começa a perguntar por que tem que ir tanto ao médico, tomar tanto remédio e fazer exames sempre. Ela não sabe o que aconteceu e nós temos que explicar”. A angústia descrita por Maria de Fátima Reis, coordenadora de um abrigo para crianças com HIV de São Paulo, revela um problema ainda não superado no Brasil e na América Latina: a falta de acompanhamento às gestantes soropositivos, que aumenta o número de crianças infectadas na região.
Em 2009, apenas 54% das gestantes com HIV da América Latina recebiam medicamentos antirretrovirais para evitar a contaminação do filho. Como resultado, o número de crianças vivendo com AIDS na região aumentou 20% entre 2001 e 2009, passando de 30 mil casos para 36 mil, segundo o Relatório Global de 2010 do UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS), divulgado na última semana.
Os números vão na contramão da tendência mundial, em que o total de crianças que nascem com HIV reduziu 24% entre 2005 e 2009, devido a ampliação das políticas de tratamento às gestantes, segundo o relatório. Ainda assim, 370 mil crianças nasceram com AIDS em 2009, aumentando para 2,5 milhões o número total de pessoas com menos de 15 anos vivendo com o vírus no mundo.
“Essas crianças nasceram com HIV positivo por falta de cuidado. É diferente de um adulto que pôde fazer uma escolha. Para elas a doença foi imposta”, avalia Fátima, que há 10 anos está à frente da chácara do Instituto Beneficente Viva a Vida, de Suzano (SP). Dos atendidos seis adolescentes, 12 crianças e oito gestantes vivem com HIV. “Quando a mãe recebe o atendimento correto, é muito difícil a criança nascer com a doença”.
As mães com HIV da chácara se dividem em três perfis: ou são moradoras de ruas, ou prostitutas ou, na maioria dos casos, contraíram a doença do companheiro, segundo Fátima. Já as crianças e os adolescentes são, na maioria, órfãos, devido à doença. “Em muitos casos a família se recusa a ficar com a criança por preconceito”, conta.
O total de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos, que perderam seus pais devido ao HIV aumentou de 14,6 milhões em 2005 para 16,6 milhões em 2009, segundo o Relatório.
Transmissão
A contaminação do bebê pela mãe, chamada de transmissão vertical, é tratada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro desde 1997. Ainda assim há uma concentração nos serviços, segundo o coordenador da UNAIDS Brasil, Pedro Chequer. “Há bastante cobertura na região Sul e Sudeste, mas quase nenhuma no Norte”.
“Observo certa omissão da Saúde em relação ao tema. Se os profissionais ofertassem mais testes de HIV novos casos poderiam ser descobertos e tratados”, avalia. “É um problema de falta de políticas públicas e de falta engajamento social. Faltam movimentos pedindo a ampliação ao atendimento às mães com HIV, o que é, inclusive, uma questão ética”.
Desafios
Fátima, coordenadora do abrigo, garante que “se você nos faz uma visita, não consegue distinguir quais as crianças com HIV entre as outras”. “Com boa alimentação, acompanhamento médico e remédios elas crescem normalmente”.
Já os adolescentes possuem algumas características que podem indicar a doença. “Há um efeito colateral por uso prolongado do coquetel que altera a distribuição de gordura no corpo. Além deles já estarem em uma fase confusa e viverem em um abrigo, ainda precisam lidar com esse problema de auto-estima”. Eles recebem atendimento psicológico tanto no abrigo como nos hospitais públicos.
As crianças do Instituto Beneficente Viva a Vida frequentam escolas municipais e estaduais de Suzano e os adolescentes fazem cursos profissionalizantes, mas encontram dificuldade de entrarem no mercado de trabalho, segundo Fátima. “Por conta do coquetel eles se desenvolvem pouco, o que acirra do preconceito. Eles precisam conseguir um emprego para se sustentar, moram em um abrigo e tem HIV. As coisas são três vezes mais difíceis para eles”.
Quando completam 18 anos, as meninas continuam na chácara e os meninos são transferidos para abrigos para adultos, mas continuam acompanhados pelo projeto.
O número de crianças e jovens de até 15 anos da América Latina que se contaminam com o vírus foi considerado baixo no relatório da ONU, ficando em torno de 4 mil novas infecções. Na África Subsaariana, região com o maior número de casos, as novas infecções pelo HIV em crianças caíram em 32%
Adultos
Um terço de todas as pessoas com HIV na América Latina vivem no Brasil, onde, segundo o estudo, “esforços precoces e continuados de prevenção e tratamento do HIV conseguiram conter a epidemia”. Ao todo, 92 mil pessoas da região foram infectadas pelo HIV em 2009, menos que os 99 mil de 2001.
Foram registrados 58 mil óbitos relacionados à AIDS na região no último ano, cerca de 10% mais que em 2001.
(Envolverde/Aprendiz)