A história de uma mãe de um portador de deficiência

 

KÁTIA MELLO – Revista Época

Delci e uma criança de 5 meses, portadora de Síndrome de Down

Quando conheci a história da pedagoga Delci Batista do Nascimento, de 58 anos, me emocionei. Talvez pelo fato de ter um cunhado com paralisia cerebral, talvez pelo fato de ter uma sogra tão lutadora, que batalhou por muitas conquistas na vida de seu filho especial -(contarei a história dela logo abaixo). Delci ( na foto ao lado) é fundadora do Centro de Reabilitação Infantil dos Amigos do Marinho (CRIAM), uma organização-não-governamental que atende gratuitamente 25 bebês, meninos e meninas de zero a seis anos com necessidades especiais. A ONG fica em São Paulo, num espaço cedido pelos ex-alunos do Hospital Santa Casa e foi fundada em 2005, quando recebeu o nome Clubinho Especial dos Amigos do Marinho. Os pacientes, em sua maioria bebês, são encaminhados pelos médicos da Santa Casa. A equipe clínica é formada por uma fisioterapeuta, uma fonoaudióloga, uma terapeuta ocupacional, uma arteterapeuta e uma pedagoga que trabalham no desenvolvimento neuropsicomotor, cognitivo e psicológico das crianças. A ONG ainda dá assistência às mães dessas crianças.

A criação da ONG está diretamente ligada à história pessoal de Delci. O nome Marinho da ONG vem de seu filho que teve meningite aos três meses e meio. A doença fez com que ele tivesse sequelas graves, entre elas, deficiência no desenvolvimento mental. Quando Marinho nasceu, em meados da década de 70, Delci ouviu do médico que seu filho seria apenas “uma plantinha a ser regada todos os dias”. A mãe, sem ter nenhum conhecimento técnico de reabilitação mental, estava determinada a fazer com que seu bebê fosse muito além de uma vida vegetativa. “Eu era muito jovem e não sabia como ajudá-lo. Se hoje já é difícil, imagine naquela época. Fiz de tudo: cantava para ele, brincava com ele. Com um ano e meio, Marinho aprendeu a andar. Ensinei ele a comer de colher e assim fui fazendo”. Aos seis anos, ela conseguiu tirar suas fraldas. As benfeitorias a Marinho se ampliaram e Delci, com o apoio da família, fez pedagogia e fundou em São Paulo uma escola particular para crianças especiais. “Aprendi que quanto mais cedo as crianças são estimuladas, maior o ganho delas de independência”, diz. O menino cresceu, se tornou um adulto amado por todos, inclusive pelos irmãos mais novos.  Mas Marinho não resistiu à uma série de convulsões, e em 5 de abril de 2003,  morreu aos 28 anos. “Fiquei sem chão”, diz ela.

O marido e ela resolveram então se mudar para Nova Monte Verde, no Mato Grosso, onde ele montou uma serralharia. “Eu queria voltar para São Paulo, mas meu filho mais novo me dizia que deveria haver alguma criança precisando de mim na cidade”. De uma em uma, Delci conseguiu juntar 45 crianças e lá estava ela novamente em um projeto com meninos e meninas especiais. Com a ajuda de alguns professores e da secretaria de Saúde da cidade, ela montou uma APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais). “Foram dois anos e meio de luta”. Mas o marido resolveu voltar a capital paulista. “Voltei chorando de ter que deixar as crianças”. Em São Paulo, em 2005,  com a ajuda do médico ortopedista da Santa Casa, Andraus Kehde, Delci fundou a ONG que leva o nome de seu filho (aqui está o site deles).

Hoje, a organização vive de doações. “É uma batalha diária para conseguir levantar fundos. Invento almoços, jantares”. Como eu disse no começo, a história de Delci me lembra muito a de minha sogra. Meu cunhado, que tem paralisia cerebral, hoje tem 47 anos bem vividos graças a ela e ao apoio familiar. Foi minha sogra quem o ensinou tudo o que ele sabe. Foi quem o carregava de ônibus para tentar conseguir algum tipo de atividade para ele, alguma escola, uma fisioterapia, um médico que lhe prometesse um melhor tratamento, algo que o fizesse a ser inserido em nossa sociedade. A minha sogra, também uma pedagoga como Delci, se dedicou tanto a seu filho, que foi capaz de ensinar a ler crianças com deficiência. Um dos rapazes que é amigo do meu cunhado lê com os pés, escrevendo sinais em um tabuleiro. Ele ainda é capaz de escrever no computador e enviar mensagens. É bonito de ver. Os aniversários do meu cunhado são sempre muito divertidos e falam muito sobre a interação entre  pessoas especiais.

Por esse Brasil, existe um Exército de Delcis, que trabalham incessantemente,  motivadas por uma força maior que elas. São mães, pais,filhos,  profissionais da saúde, voluntários, que têm um propósito maior de vida. Além da minha sogra, eu também tenho uma tia por parte de mãe que montou uma APAE em Nova Andradina, no interior do Mato Grosso do Sul.

Eu tenho uma profunda admiração por essas pessoas.

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