Caroline Lanhi – A GAZETA (Cuiabá-MT)
Em 9 anos, o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (Nepre), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), constatou que um dos fatores que influenciam no desempenho escolar é a cor da pele. Com 30 dissertações de mestrado, sendo 28 sobre como a criança negra é tratada na escola e 2 de estudo com público infantil indígena, os pesquisadores percebem que a discriminação afeta a vida escolar como um todo.
A teoria racista criada no século XIX, que colocava o branco como um ser superior e mais capaz, foi tão difundida que, mesmo inconscientemente, ficou na cabeça das pessoas, inclusive nas crianças brancas de hoje, explica a doutora em educação Maria Lúcia Rodrigues Müller. Essa discriminação, durante um longo período, interfere na autoestima da criança, reduz o desempenho escolar e até expulsa esse aluno da escola. “Nas pesquisas, há o depoimento de uma menina negra que chora ao se olhar no espelho”.
Segundo a pesquisadora, essa discriminação parte tanto dos colegas brancos quanto dos professores, ainda que sem perceber. Muitas vezes, conta Maria Lúcia, o estudante traz esse preconceito de dentro de casa e fica difícil para a escola desconstruir esse pensamento, pois os pequenos têm a “autorização” dos pais.
Essa discriminação resultante em baixo rendimento na vida escolar acaba por aprofundar ainda mais as diferenças sociais, pois influencia na formação profissional desse jovem, no emprego, na remuneração dele e, no futuro, na estrutura que ele poderá dar à família. “É importante ressaltar que o Brasil é o país mais desigual do mundo. Na África do Sul, durante o Apartheid (regime de segregação racial adotado de 1948 a 1994 naquele país), existia mais negros na faculdade do que no Brasil hoje”.
Nesses quase 10 anos de observação, estudo e conclusões, a doutora em educação aponta que houve avanços. Apesar de não ser extraordinário, esse progresso se deve a professores mais atentos às questões raciais, debates sobre políticas afirmativas e à imprensa, que intensificou os trabalhos dentro dessa temática.
“Mas ainda faltam mais investimentos na formação dos professores; fiscalização das escolas e universidade sobre o cumprimento da Lei 10.639 (que tornou obrigatório o ensino sobre história e cultura afrobrasileira) e envolvimento de outras organizações”.
Unicef – Para alertar sobre o preconceito racial existente entre crianças e adolescentes no Brasil, começa a campanha “Por uma infância e adolescência sem racismo – Valorizar as diferenças na infância é cultivar igualdades”, lançada ontem pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em parceria com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir).
A campanha é parte da celebração dos 60 anos de atuação do Unicef no Brasil e o alvo são os 57 milhões de crianças e adolescentes negros e indígenas que vivem no Brasil. A intenção é “fazer um alerta sobre a necessidade da quebra do círculo vicioso do racismo para, dessa forma, estimular a criação e o fortalecimento de políticas públicas voltadas para as populações mais vulneráveis”.
Em Mato Grosso, a campanha chega em boa hora, já que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2009) mostrou que, no Estado, a taxa de analfabetismo funcional de pessoas com 15 anos ou mais da cor preta chega a 25,7% e da cor parda a 26,9%.
As últimas pesquisas mostram ainda que população indígena com menos de 1 ano precisa de mais atenção e cuidado. Em 2009, a taxa de mortalidade infantil entre crianças dessa raça chegou a 56,9 óbitos para cada 1000 nascidos vivos, segundo o Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Siasi), da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). O número é 196% maior que a taxa de mortalidade infantil dos mato-grossenses, que é 19,2.
Além da divulgação por meio de um curta metragem sobre a situação das crianças negras e indígenas no Brasil, foi criado um material gráfico com as “Dez maneiras de contribuir para uma infância sem racismo”. A campanha terá duração de um ano e pode ser acompanhada no blog www. infanciasemracismo.org.br. Na página o usuário também pode contribuir contando a história de sua ação contra o racismo na infância e adolescência e/ou compartilhar a história de algum projeto desenvolvido em escolas ou comunidades à favor da igualdade racial.
Pixaim – A Central Única das Favelas (Cufa) é uma das instituições que desenvolve trabalhos pela igualdade racial nas escolas de Mato Grosso. Desde 18 de outubro, estudantes de 2 escolas públicas, uma de Cuiabá e outra de Várzea Grande, participam do projeto Pixaim nas Escolas, que leva para a sala de aula discussões sobre o padrão de beleza difundido na mídia e a valorização das diferenças. Aos sábados, os alunos participam de oficinas de trança em bonecas, valorizando a beleza negra.
No próximo ano, outras 4 escolas vão participar do programa. “Discutimos muito os padrões de beleza estabelecidos e dentro disso observamos que não há pessoas negras nas listas das pessoas mais bonitas. A partir disso abrimos questionamentos e os jovens participam”, conta a coordenadora do Núcleo Maria Maria, Neusa Baptista.
Durante 2010, aconteceu ainda a Caravana do Projeto Pixaim, que levou às escolas de 30 municípios mato-grossenses a peça teatral “Cabelo Ruim?”, homônima ao livro escrito pela coordenadora. O projeto contou ainda com demonstrações de trança afro e discussões sobre racismo, imagem e consumo, além de distribuição de livros para as instituições. A meta é executar o projeto também em 2011, em outros municípios do Estado, mas ainda faltam empresas dispostas a patrociná-lo por meio da Lei Rouanet.