Por Daniela Pastrana, da IPS
Cidade do México, México, 25/11/2010 – Elas não pediram uma guerra, mas foram afetadas: Griselda e Yosmireli, de quatro e dois anos, morreram com o crânio perfurado pelas balas dos soldados. A morte também levou sua mãe, a tia e um irmão de sete anos, em uma estrada rural do noroeste do México. Griselda Galaviz, a mãe, e Gloria Alicia Esparza, a tia, eram professoras em uma afastada aldeia do Estado de Sinaloa, na costa do Pacífico, e se deslocavam em um veículo rústico familiar quando este foi alvo de disparos feitos por um regimento militar. Apenas sobreviveram outras duas professoras e Adán Esparza, marido, irmão e pai das cinco vítimas.
Era 1º de julho de 2007 e a chacina se converteu no primeiro caso de civis assassinados por soldados dentro da “guerra” empreendida pelo governo do conservador Felipe Calderón contra os cartéis da droga, que empurrou o país para uma espiral incontida de violência. Oficialmente, são 30 mil vítimas fatais em quase quatro anos de militarização do combate aos traficantes. Contudo, falta somar uma quantidade não conhecida de pessoas órfãs, viúvas, mutiladas, exiladas e deslocadas.
A estratégia governamental inclui a participação ativa das forças militares e causou diferentes efeitos na população mexicana, de 108 milhões de habitantes. Um, muito claro, é a “invisibilidade da violência contra as mulheres”, disse à IPS David Peña, da Associação Nacional de Advogados Democráticos, que levou ao Tribunal Interamericano de Direitos Humanos o caso do Campo Algodoeiro pelo assassinato de três mulheres em Cuidad Juárez, em que o Estado mexicano foi considerado responsável.
“É tamanha a quantidade de mortos que não há uma diferenciação entre homens e mulheres. E, pior, não há distinção entre os motivos dos assassinatos”, explicou. “Se uma moça é encontrada morta na rua com sinais de violência, mas recebeu um tiro, está amarrada ou ao seu lado tem um homem morto, entra na lista do crime organizado”, disse o advogado. Um exemplo deste fenômeno é Ciudad Juárez, na fronteira com os Estados Unidos, conhecida mundialmente pela cadeia de feminicídios iniciada em 1993.
O número de mulheres assassinadas nos últimos três anos já superou o total de feminicídios dos 13 anos anteriores: 575. Este ano já somam 288 os assassinatos por violência. “Ao entrar na lista da criminalidade organizada, as famílias já não têm acesso ao prontuário, nem podem pressionar as autoridades para que esclareçam o crime”, explicou David, assegurando, ainda, que nestes quatro anos “diminuíram” os avanços que a sociedade civil havia conseguido em matéria de direitos humanos.
O fenômeno se estende a todo o país. Um informe de abril da Comissão Especial de Feminicídios da Câmara dos Deputados indica que, desde 2007, foram registrados 1.756 homicídios dolosos contra mulheres em 18 Estados, dos quais em apenas 3% há sentença, sem que exista registro sobre condenados ou não. “Não há registros e os que existem são insuficientes”, resumiu a presidente da Comissão, deputada Teresa Incháustegui, do opositor Partido Revolucionário Democrático.
“As mulheres mortas ou o aumento de seu número não são o único problema”, disse à IPS Sara Lovera, pioneira no México do jornalismo com enfoque de gênero. “Está constatado historicamente: sempre que há uma guerra, as mulheres são as vítimas”, afirmou. “A presença dos militares nas ruas aumenta a vulnerabilidade das mulheres, as coloca em risco, gera medo e, sobretudo, não prestam contas de seus abusos”, acrescentou.
Sara deu com exemplo o caso de Castaños, localidade do Estado de Coahuila, onde em julho de 2006 foram violentadas 13 bailarinas em um centro noturno por um grupo de soldados. Dos acusados, 80% estão livres, recordou. O México é a mais recente expressão na América Latina da ligação entre militarismo e violência de gênero, tema central dos 16 dias de ativismo contra maus-tratos sexistas, que começa no mundo hoje, Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher.
“Em qualquer circunstância em que o exército participa ativamente, as mulheres se convertem em troféu de guerra e são as mais vulneráveis às agressões”, disse Blanca Rico, diretora-executiva da não governamental Sementes, promotora dos direitos da mulher. O problema, disse, é que da parte do Estado não há mecanismo algum de contenção ou reparação do dano. E mesmo as próprias organizações estão tendo de rever suas metas para fazer o diagnóstico que o governo não quer aceitar.
“É um fenômeno de excesso total. A Sementes nunca teve com tema central a defesa de direitos humanos porque não acontecia o que acontece hoje: um brutal aumento de ameaças, que é constante. Todas estão sendo acossadas, ameaçadas”, contou Blanca. Os “danos colaterais” da violência generalizada no país ainda não podem ser quantificados, mas são um poliedro de muitas faces afirmam os especialistas. Estão, por exemplo, os casos de presas sob acusação de “serem mulheres de narcotraficantes”, sem que haja provas de sua participação em algum delito. Ou o aumento da prostituição em lugares onde há acampamentos militares.
“É o uso e abuso das mulheres. Algo que acontecia em regiões muito específicas onde havia presença militar, mas agora se espalhou”, disse Sara. A organização Human Rights Watch (HRW) criticou o governo por sua proposta de reforma do sistema de justiça militar e de seu foro especial. No dia 23, pediu a exclusão da jurisdição militar de crimes de agressão sexual e violação dos direitos humanos, entre outros.
O Código de Justiça Militar, de 1933, atua para crimes cometidos por militares da ativa no desempenho de suas funções, e não inclui crimes cometidos por militares contra civis, por ter sido elaborado para uma situação de guerra. O caso da família Esparza é um exemplo. Quando aconteceram os fatos, as mulheres da aldeia de Sinaloa de Leyva, onde as professoras mortas davam aula, aproveitaram a chegada de jornalistas para cobrir o caso e se reuniram e cobraram do presidente Calderón o esclarecimento do massacre.
Mais de três anos depois, a família não recebeu desculpa pública, nem mesmo uma nota de condolências. Não há informação oficial do julgamento militar contra os 19 soldados envolvidos. “As provas existentes indicam que os soldados dispararam sem justificativa” contra o carro onde viajavam as cinco pessoas mortas e os três sobreviventes, afirma o informe “Impunidade Uniformizada”, divulgado no ano passado pela HRW. Envolverde/IPS
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Crédito: Mónica González /IPS
Legenda: Mulheres da aldeia onde foi assassinada a família Esparza demandam justiça diante da escola.
(IPS/Envolverde)