No Brasil, Graça Machel diz que “há mais esperança na África do que jamais houve”

JULIANO MACHADO – Revista Época

Em um seminário na Universidade de São Paulo, a moçambicana ativista dos direitos humanos e mulher do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, reconhece os problemas da África, mas afirma que o continente está “mudando para melhor”

 

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GRAÇA MACHEL
A ativista foi ministra da Educação e da Cultura de Moçambique por 14 anos

Guerras civis, fome, miséria e várias epidemias, especialmente a da aids, podem fazer qualquer declaração otimista sobre a África parecer ingênua. Não quando a perspectiva positiva vem de uma pessoa como a moçambicana Graça Machel. Aos 65 anos, ela é mais conhecida por ser mulher do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, mas Graça também é uma referência na luta pelos direitos das crianças e das mulheres no continente. Em visita ao Brasil, ela abriu na manhã desta quarta-feira (24) o I Seminário Internacional do Centro Ruth Cardoso, em um auditório na Universidade de São Paulo. Em entrevista coletiva após o evento, foi questionada sobre a condição das mulheres e o combate à aids no continente africano, mais especificamente na chamada África Austral. E demonstrou otimismo: “Acreditem, a África está mudando para melhor.”

Graça foi convidada pelo Centro Ruth Cardoso por conta da longa amizade que teve com a antropóloga e mulher do ex-presidente Fernado Henrique Cardoso, que morreu em 2008, aos 77 anos. “Mesmo com técnicas e realidades diferentes, nós duas sempre buscamos melhorar a vida das pessoas. Desde o dia em que a conheci, senti uma irmandade entre nós”, disse Graça. Em sua apresentação, falou dos conceitos que nortearam sua vida desde o início de sua participação na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), movimento fundamental no processo de independência de Moçambique, ex-colônia de Portugal, em 1975. “Penso em três grandes princípios: não é a origem que vai determinar quem você será na vida; a escola é a base para se tomar o poder, seja emancipação política ou social; a emancipação da mulher é uma condição fundamental para qualquer processo.”

 

Gui Tamburus/Divulgação

LONGA AMIZADE
Graça Machel era amiga de Ruth Cardoso, mulher do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que morreu em 2008

Ruth e Graça compartilhavam uma preocupação em combater o analfabetismo. No Brasil, a ex-primeira-dama fundou em 1997 a Alfabetização Solidária (AlfaSol), uma ONG que afirma já ter atendido 5,5 milhões de pessoas no país e capacitado 254 mil alfabetizadores. Em Moçambique, depois de ter sido ministra da Educação e da Cultura por 14 anos, Graça criou em 1990 a Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade, que ajudou a reduzir o índice de analfabetismo do país para 52% da população (taxa ainda muito alta, mas bem menor do que os 93% de analfabetos moçambicanos na época da independência).

Sobre o combate à aids na África, Graça afirmou que alguns países estão evoluindo bem na contenção do número de infectados entre os homens mais jovens, mas ainda há muita resistência entre os mais velhos. Dos 33 milhões de contaminados com o vírus HIV no mundo, 22,5 milhões vivem nos países da África Sub-Saariana. “As mulheres são as principais vítimas da doença, e os homens têm de entender que a proteção deve ser mútua.” Apesar dos números ainda alarmantes, Graça diz que o cenário é mais animador. “Há mais esperanças na África do que jamais houve”

Graça Machel recebe, em nome de Nelson Mandela, certificado do título de doutor honoris

O seminário serviu para a USP entregar a Graça o certificado do título de doutor honoris causa para Nelson Mandela. Na hora da entrega, Graça brincou: “Não sou meu marido para dizer com aquela voz forte: ‘Thank you very much (muito obrigado)’, mas certamente ele está honrado com essa homenagem”. Graça afirmou que espera que Mandela sinta, mesmo longe da vida pública (“e a lei da natureza implica que ele também poderá deixar este mundo”), que sua luta continua. “Que ele sinta que, quer do ponto de vista das instituições, da juventude do mundo, e em particular do Hemisfério Sul, vão continuar as lutas justas dos nossos povos e criar um mundo de igualdade e equidade para todos.”

FHC disse que era a USP quem deveria se sentir homenageada por associar seu nome a Mandela. “Sou privilegiado por ser amigo desse casal. Mandela não precisa falar, é só estar em algum lugar para transmitir liderança, sabedoria. É assim com a Graça também”.

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