Fabio Murakawa, do R7
Jornalista Roxana Saberi diz ter sido forçada a admitir que espionava para os EUA
Roxana Saberi fala com a imprensa em frente à sua casa em Teerã, dois dias após ter sido libertada, em maio de 2010; na cabeça, o chamado “véu de Roxana”, que teve réplicas vendidas nas ruas da capital iraniana
A jornalista iraniano-americana Roxana Saberi cobra do Brasil uma postura mais crítica em relação aos direitos humanos no Irã. Ela trabalhava como autônoma no país quando teve sua casa invadida por quatro agentes do governo na madrugada de 31 de janeiro de 2009. Acabou presa, acusada de espionagem.
Filha de pai iraniano e mãe japonesa, Roxana chegou a ser condenada a oito anos de prisão. Ficou detida por mais de três meses, passou vários dias sem contato com seu advogado e sem que vizinhos, parentes no Irã e sua família, nos Estados Unidos, soubessem de seu paradeiro. Não sofreu castigos físicos, mas diz ter sido submetida a tortura psicológica. Sua libertação ocorreu em 10 de maio do ano passado, após uma intensa pressão internacional.
Ex-miss Dakota do Norte, Roxana, de 33 anos, veio ao Brasil para lançar seu livro, Entre Dois Mundos (Editora Larousse), em que conta o que viu e sentiu no pavilhão 209 da prisão de Evin – destinado aos presos políticos. Já esteve em São Paulo e, nesta quinta-feira (25), visita o Rio.
A jornalista acha positiva a aproximação do Brasil com o Irã, iniciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva – que chegou a mediar um fracassado acordo para o polêmico programa nuclear do presidente Mahmoud Ahmadinejad. Mas acredita que o governo brasileiro deve usar os laços com os iranianos para pressionar contra a violação dos direitos humanos por lá.
Veja trechos da entrevista que Roxana concedeu ao R7.
R7 – Você foi torturada na prisão?
Roxana Saberi – Não sofri tortura física, mas psicológica. Logo no primeiro dia, me levaram vendada para uma sala, que tinha a parede isolada por espuma. Imaginei que, talvez, isso fosse usado para que eles pudessem atirar os presos contra a parede de modo que, caso machucasse, os ferimentos não fossem fatais. Os interrogadores me ameaçavam, diziam que sabiam que eu era espiã e que, se quisesse sair da prisão, teria que confessar. Cedi depois de duas semanas e assinei uma falsa confissão. Naquele momento, eu só pensava em ficar livre, a qualquer custo.
R7 – Você acha que o governo iraniano realmente acreditou que você poderia ser uma espiã?
Roxana – Não. E eu tive essa convicção quando quis retirar a minha falsa confissão e o interrogador me disse que sabia desde o início que ela era falsa. E em outra ocasião, numa conversa privada, o promotor do meu caso basicamente admitiu que sabia que eu não era uma espiã. Eles jamais diriam isso publicamente. Se essas pessoas querem criar um caso político com você, elas criam, não importa qual seja a realidade.
R7 – Ainda na prisão, você recebeu uma oferta para espionar para o Irã. Em algum momento admitiu a hipótese de aceitar essa oferta?
Roxana – Seriamente, nunca. Eu disse para eles “tudo bem”, mas só porque eu queria sair [da prisão]. Claro que eu me senti culpada sobre a minha falsa confissão, e depois eu a retirei.
R7 – Seus parentes no Irã te apoiaram? Em algum momento eles chegaram a desconfiar de você?
Roxana – Eu não acho que eles acreditavam nisso. Mas, você sabe, é muito… Eu entendo que eles tenham evitado contato com meus pais quando eles foram para o Irã, porque estavam sendo monitorados e controlados. Muitos iranianos estavam com medo de manter contato com meus pais quando eu estava na prisão. E eu não os culpo por isso de jeito nenhum, porque nunca se sabe o que essas autoridades podem fazer.
R7 – Você perdeu contato com os seus parentes no Irã desde então?
Roxana – Olha, eu prefiro não falar muito sobre meus parentes, se a gente puder evitar. Porque eu não quero que eles tenham nenhum problema…
R7 – Tudo bem. Você disse que foi forçada a fazer uma falsa confissão. Acredita que o mesmo tenha acontecido com a Sakineh [Mohammadi Ashtiani, iraniana que chegou a ser condenada ao apedrejamento por adultério]?
Roxana – É muito possível. É difícil depositar confiança em qualquer confissão que nós vemos na TV enquanto as pessoas ainda estão presas. Você não sabe sob que condições elas estão quando fazem essas supostas confissões, se sofreram tortura física ou psicológica. Elas não estão diante de seus advogados quando dão essas declarações de culpa, e os casos ainda estão tramitando na Justiça. É lamentável ver pessoas fazendo esse tipo de pronunciamento na TV.
R7 – Os iranianos acreditam quando veem essas confissões pela TV?
Roxana – Eu acho que a maioria das pessoas não acredita. Acho que muitos, inclusive, se sentem solidários com os prisioneiros. As pessoas acreditam que esses prisioneiros estão pagando o preço por direitos que outros iranianos também gostariam de ter. Quando eu fui solta, um motorista de táxi me disse que estavam vendendo nas ruas de Teerã o “véu da Roxana”, que era o véu que eu estava usando nas imagens divulgadas pela mídia.
R7 – Que papel o Brasil pode desempenhar no caso Sakineh?
Roxana – Bem, eu acho que foi positivo o presidente Lula ter oferecido asilo a Sakineh, depois da pressão da opinião pública e da atenção da mídia. Mas eu acho que o Brasil não deveria conversar apenas sobre uma pessoa. Neste momen
to, há três homens e 11 mulheres condenados ao apedrejamento no Irã. E os mais de 500 prisioneiros de consciência [presos políticos]? O Brasil pode usar seus laços com o Irã para pedir sua libertação. E também votar a favor da resolução da ONU sobre as violações dos direitos humanos no Irã [a delegação brasileira se absteve de condenar o Irã no Conselho de Direitos Humanos da entidade, nesta semana]. O Brasil pode mudar o seu voto no mês que vem.
R7 – Você acha que o Brasil deveria endurecer sua posição em relação ao Irã?
Roxana – Eu acho que o Brasil deve fazer dos direitos humanos uma prioridade [na relação com o Irã], não um ponto secundário ou terciário. Acredito que o país pode ter muita influência sobre o Irã, porque o Irã vê, na minha opinião, o Brasil como um igual. Então ele deveria assumir a responsabilidade de falar sobre os direitos humanos.
R7 – Você voltaria para lá?
Roxana – Depende da situação no Irã. Eu realmente gostaria de reencontrar as pessoas ali, eu tenho muito boas recordações. Sou grata ao povo iraniano, à sua generosidade e gentileza. Se a situação mudasse, eu ficaria muito contente em voltar algum dia. Mas agora não é uma boa hora.