The New York Times | 23/11/2010 08:00
Mulheres vendem fios naturais usados em perucas e extensões usadas principalmente pelos Estados Unidos
A estrada que leva à cidade de Mosal’sk é uma pista esburacada que passa por aldeias de chalés e terras devolutas que demonstram a pobreza que assola esta parte da região central da Rússia há mais tempo do que qualquer um consegue imaginar.
Mas em uma rua na qual gansos caminham por poças de lama, uma loja armazena caixas e mais caixas da principal riqueza da região: cabelos humanos naturalmente louros.
Para a indústria mundial da beleza, este tesouro vale ouro. “Ninguém mais tem isso, ninguém no mundo”, disse Aleksei N. Kuznetsov, o proprietário. “O cabelo russo é o melhor do mundo”.
Anastasia Vylchan, funcionária de uma fábrica de produção de cabelo em Yukhnov, na Rússia
Os compradores de cabelo humano, na sua maioria ambulantes russos e ucranianos que os vendem a processadores de cabelo como Kuznetsov, atuam em regiões pobres como esta. Com dinheiro na mão, eles pagam pequenas quantias pelos cabelos de mulheres que muitas vezes têm poucas alternativas econômicas.
Muito procurado para a fabricação de perucas, o cabelo humano agora tem maior demanda particularmente por causa de procedimentos de extensão de cabelos em países mais ricos. Cabelos escuros são mais abundantes na Índia e na China, mas louros e outros tons claros são valorizados por sua relativa escassez e porque eles são mais fáceis de se equiparar com tintura a quase qualquer tom natural.
O maior mercado de cabelos é os Estados Unidos, onde milhares de salões de beleza oferecem extensões. Mulheres afro-americanas há muito usam extensões de cabelo, mas a tendência entre as mulheres com cabelos mais claros tem sido popularizada por celebridades como Jessica Simpson e Paris Hilton.
A Great Lengths, empresa italiana e principal fornecedora de cabelos para os Estados Unidos, estimou o mercado americano de varejo para as extensões de cabelo em US$ 250 milhões anuais, ou cerca de 3% do mercado. O preço médio é de US$ 439, de acordo com uma pesquisa realizada em 2009 pela American Salon Magazine, embora o procedimento possa custar milhares de dólares em salões de elite.
O negócio também está crescendo na Europa. Estima-se que 20% do cabelo russo seja usado internamente, pela mulheres de Moscou e São Petersburgo.
A colheita loura não é algo necessariamente novo, tendo seguido um caminho de desenvolvimento econômico nas últimas décadas, passando da Europa Ocidental na década de 1960 e 1970, pela Polônia nos anos 1980 e chegando à Ucrânia e à Rússia após o colapso da União Soviética em 1991. Mas conforme mais mulheres de cabelos claros escalam a escada econômica, a busca por louras pobres dispostas a abrir mão de suas madeixas tornou-se cada vez mais difícil.
“Não é difícil entender por que as pessoas na Ucrânia vendem seus cabelos cem vezes mais frequentemente do que as pessoas na Suécia”, disse David Elman, co-proprietário da Virgin Raw Hair Co., uma importadora com sede em Kiev, na Ucrânia, em uma entrevista por telefone.
“Elas não estão fazendo isso por diversão. Geralmente, apenas pessoas que têm dificuldades financeiras temporárias em regiões de economia fraca vendem seus cabelos”.
Em Mosal’sk, uma trança de 40 centímetros, o comprimento mínimo aceito por um comprador, vale US$ 50.
Natalya N. Vinokurova, 26, cresceu nas proximidades de Yukhnov, uma cidade onde a metade dos lares não tem água encanada e o salário médio mensal é de cerca de US$ 300. O pouco dinheiro obtido com a agricultura acabou com a União Soviética.
Mas Vinokurova cultivou algo com valor de mercado: o cabelo louro que chegava até a cintura antes de ser vendido.
“Eu o usava em uma trança, um rabo de cavalo, de diferentes maneiras”, ela disse. “Mas cansei dele, e como todas as outras meninas têm cabelos curtos, cortei e depois o vendi”, disse ela, dando de ombros. Vinokurova agora usa um corte Channel e não tem planos imediatos de deixá-lo atingir um comprimento de venda, o que disse que levaria anos. A empresa de Kuznetsov, Belli Capelli, que processa cabelo humano em kits de extensão, é a maior empresa de seu tipo na Rússia, com receita anual de cerca de US$ 16 milhões.
Caminhando com lama nas botas, ele subiu em uma Land Rover para visitar suas instalações na região, onde algumas dezenas de funcionários lavam, tingem e penteiam os cabelos para, em seguida, classificá-los por tonalidade e comprimento. Numa mesa de triagem, onde cerca de 500 tranças foram colocadas, ele parou para exaltar a qualidade do seu produto. O melhor cabelo, segundo ele, é aquele em tons de mel, que muda de cor à luz e é suave ao toque.
“Esse é o capitalismo”, ele disse. “As pessoas com dinheiro querem distinguir-se das pessoas sem dinheiro. Por que uma mulher venderia seus cabelos para outra? A pessoa com dinheiro quer parecer melhor do que a pessoa sem dinheiro”.
Clientes americanos costumam não se preocupar com as origens das extensões, além de perguntar se elas são higiênicas, disse Ron Landzaat, fundador da Hair Extensions Guide, um grupo comercial em Santa Rosa, Califórnia, que afirma que o cabelo foi esterilizado através da fervura. “Elas se preocupam com sua aparência antes de mais nada”, disse Landzaat por telefone.
Obter um abastecimento adequado é o maior desafio da indústria.
A Great Lengths, fornecedora italiana para o mercado americano, obtém cabelos que as mulheres ritualisticamente doaram a templos na Índia, e diz que podem ser tingidos para combinar com a maioria dos tipos de cabelo. Outros no negócio, incluindo Kuznetsov, dizem que o cabelo europeu é a melhor opção para as mulheres com cabelos claros e por isso é valorizado.
Cidades industriais russas nos Montes Urais, cerca de 900 quilômetros a leste de Mosal’sk, tornaram-se território tão disputado entre os compradores de cabelo que, em 2006, um deles foi baleado em uma disputa com outro, sugerindo o envolvimento do crime organizado russo, informou o jornal Kommersant.
Embora Kuznetsov não tenha rivais locais que conheça, ele mantém um guarda de segurança na entrada de seu posto de arrecadação. Caixas de leite contendo o cabelo de milhares de mulheres e ordenadas por categorias, incluindo “Sul da Rússia” e “Ouro Russo “, podem ser alvo atrativo para um assalto.
A maior parte do cabelo vem de compradores que percorrem as regiões mais difíceis da Rússia, Ucrânia e de outros ex-Estados soviéticos, colando folhetos em postes que oferecem dinheiro por cabelos. Na Bielorrússia, o Presidente Aleksander G. Lukashenko, um nacionalista convicto, implementou controle rigoroso sobre os pequenos empresários e o comércio é praticamente impossível, para o desgosto dos que estão no negócio, porque o país é pobre e tem ab
undância de mulheres louras.
Geralmente, cerca de 70% do cabelo comprado na Rússia vem de cortes anteriores mantidos em casa. Algumas mulheres ucranianas e russas, por exemplo, tradicionalmente cortam o cabelo após o nascimento de seu primeiro filho e podem decidir vendê-lo apenas depois de muitos anos. Em áreas de extrema pobreza, o cabelo é um recurso final em momentos de desespero.
O restante é comprado, muitas vezes depois de alguma negociação, diretamente da cabeça da vendedora, que então recebe um corte de cabelo no local. Como cortesia, na Rússia, o negócio é quase sempre feito em um salão para que se possa fazer o corte com cuidado.
“Algumas mulheres cortam seus cabelos para mudar o seu estilo, outras precisam de dinheiro”, disse Sergei V. Kotlubi, um comprador que trabalha nas regiões arruinadas perto da cidade de Novosibirsk, na Sibéria. “É como pescar. Você nunca sabe o que vai pegar”.
Por Andrew E. Kramer