Aumento de histórias de intolerância assusta os brasileiros

Fantástico – Rede Globo

O Fantástico investiga o que existe por trás de tantos casos de intolerância. Intolerância nas ruas de São Paulo, do Rio de Janeiro, dentro de um avião.

Intolerância! O Fantástico deste domingo (21) fala da palavra que ficou na cabeça dos brasileiros essa semana. Intolerância nas ruas de São Paulo, do Rio de Janeiro, dentro de um avião. Intolerância que se espalhou e matou um brasileiro em Portugal. Que se espalha em vídeos como este, exclusivo, que você vai ver agora.

Intolerância ao extremo. São vídeos e fotos de grupos neonazistas do Rio Grande do Sul.

“Um dia, eu fiz uma pergunta pra um dos rapazes ‘mas por que dessa violência ?’ Sabe por quê? Uma barata é uma subespécie, uma sub-raça. Dá mesma forma o negro, o judeu, o homossexual”, contou o delegado Paulo César Jardim.

Adoradores de Adolf Hitler, os neonazistas dizem seguir uma ideologia. “A intolerância não tem justificativa. Ela é irracional, vai além do que é saudável, vai além do que é esperado”, afirmou a psicóloga Desirée Monteiro Cordeiro.

Mas como explicar quando a intolerância e a violência não surgem de grupos tão radicais assim? De pessoas aparentemente normais.

“Falou que a gente era brasileira, preta e pobre. Prostituta, chamou de prostituta, que a gente tava se roçando com os homens”, disse a dançarina Edimara Elba Castro dos Santos.

“Diziam que nós éramos uma raça desgraçada por sermos homossexuais”, contou uma vitima.

“Ele atirou porque eu disse pra ele que meus pais sabiam de mim. Eu era assumido”, contou o rapaz. Ser homossexual nunca foi problema dentro de casa para o carioca de 19 anos. O tiro na barriga, disparado por um sargento do Exército do Forte de Copacabana, serviu para unir a família ainda mais. “Disse que eu era uma vergonha pra minha família. Por mim, eu não teria nem denunciado. Eu só estou fazendo o que eu estou fazendo por causa da minha mãe”.

“Eu estou fazendo com que meu filho coloque isso pra frente, mas também por causa de outras pessoas que não tiveram oportunidade de se defender. Pelos amigos do meu filho, pelos amigos dos amigos”, disse a mãe do jovem.

O Brasil é o país que mais mata homossexuais no mundo. Ano passado, foram 198 assassinatos. A informação é da Associação Internacional de Gays e Lésbicas, com representação em quase todo o mundo.

Alessandro Araújo é professor de filosofia. Em 2007, na região da Avenida Paulista, em São Paulo, ele foi espancado por quatro integrantes de um grupo que odeia homossexuais: “Eles me atacavam com chutes e com chutes no rosto. Tanto que aqui eu perdi dois dentes e ainda tive um corte bem profundo na boca”, lembrou o filósofo.

Quando o espancamento e a sexualidade dele vieram a público, muitos tiveram uma reação inesperada. O professor ficou só. “Ainda me emociono com o caso, você perder a família, perder o emprego, perder os amigos, tudo ao mesmo tempo”, contou.

À noite, os bares e as boates da Avenida Paulista e das ruas próximas atraem jovens de todas as tendências. Os grupos radicais, que pregam a violência e o ódio, também circulam na avenida. Os alvos são sempre os mesmos: homossexuais, travestis, nordestinos e negros.

“São geralmente atos bastante covardes. Em geral, as pessoas são atacadas sem perceber isso”, afirma Franco Reinaldo, da coordenadoria de assuntos da diversidade sexual de São Paulo.

Morador da região, o professor falou sobre a violência contra três jovens, que aconteceu às 6h30 de domingo passado na Paulista. Um dos rapazes é ferido com lâmpadas fluorescentes. A polícia suspeita que os agressores, quatro menores e um rapaz de 19 anos, teriam agido porque as vítimas aparentavam ser homossexuais.

Segundo Alessandro Araújo, é comum o ataque de grupos radicais nesse horário: “Justamente, foi de manhã porque é de manhã o horário que os gays costumam sair das boates”.

“Não é qualquer pessoa que faz isso. Uma pessoa que tem algum distúrbio, algum desvio. E vai partir pra cima quando encontrar algo que incomode muito, seja gay, negro, estrangeiro”, conta a psicóloga Desirée Monteiro Cordeiro. 

Durante seis meses, a banda “Arte Dance Bahia”  se apresentou em palcos peruanos, a mais de cinco mil quilômetros de casa.

“No Peru nós fomos tratados como celebridades. As pessoas faziam filas e filas pra ver a gente, pra tirar foto”, lembrou o dançarino Igor Souza Silva.

“Eles gostavam da nossa cor, do nosso jeito de ser, do nosso cabelo”, completou Edimara Elba Castro dos Santos, bailarina.

Esta semana, o grupo já estava dentro do avião, voltando para o Brasil.

“Tinha uma pessoa sentada no banco da frente da gente, uma loira dos olhos claros. Aí essa senhora falou: ‘se eu soubesse que tinha preto e pobre dentro do avião, eu não pegaria esse voo. Eu trocaria de voo’. A gente foi muito ofendida. Muito”, contou Edimara Elba Castro dos Santos.

A mulher que teria feito as ofensas é uma médica brasileira, de 45 anos. No aeroporto de Guarulhos, São Paulo, ela foi indiciada por injúria. A pena é de um a três anos de cadeia.

“Perante a delegada e um delegado que tava na sala. Ela falou: ‘Gente, me desculpa’, pegou na mão da gente: ‘Me desculpa, eu estou muito arrependida de ter falado isso pra vocês’. É muito fácil pedir desculpa depois”, completou Edimara.

Tentamos falar com a médica, mas ela não retornou as nossas ligações.

Alguns vídeos apreendidos há duas semanas, em Porto Alegre, mostram até que ponto a intolerância pode chegar. Os policiais também encontraram várias fotos. Os suspeitos de participar do grupo neonazista já foram identificados. Segundo a investigação, uma tragédia poderia ter acontecido.

“O objetivo era explodir uma sinagoga e em um segundo momento eles pretendiam fazer um ataque na passeata gay, a passeata do movimento livre, que acontece em Porto Alegre, no Parque da Redenção”, contou o delegado Paulo Cesar Jardim.

Nos vídeos, aparece o senador gaúcho Paulo Paim: “Eles podem estar tentando me assustar, mas não conseguirão. Eu vou continuar defendendo tanto os idosos quanto os negros, pessoas com deficiência, os judeus, os palestinos, os nordestinos. Eu não aceito nenhum tipo de discriminação”, afirma o senador.

Este homem foi atacado por um grupo neonazista gaúcho. Foi cercado por quatro criminosos, apanhou e levou uma facada no pescoço. “Começaram a proferir palavras de ordem racista. Negro sujo, nós vamos te matar, essa raça não presta, vamos exterminar todo mundo”, disse o homem que não quis ser identificado.

Luciano da Silva, 28 anos, marceneiro. A polícia de Portugal investiga se ele foi vítima de xenofobia, que é a intolerância contra estrangeiros. Ele foi morto a facada, depois de urinar numa rua de Caldas da Rainha, cidade com 50 mil habitantes, a 100 quilômetros de Lisboa.

O
Fantástico foi até lá. A mulher de Luciano conta que o casal e mais dois amigos, também brasileiros, voltavam de um bar.

“Fez xixi, vinha descendo um homem: ‘só veio aqui pra estragar o nosso país. Brasileiro de m***, porco de m***. Vai pra sua terra’. Ele foi ficando nervoso e eu pedindo: ‘Luciano, calma’. E ele foi e retrucou: ‘Eu já estou farto de vocês, essa porcaria desse país, preconceituoso’”, contou Andressa da Silva, mulher de Luciano.

Andressa fala que foi pedir ajuda e que logo depois os amigos avisaram que Luciano estava ferido.

“Eu encontrei ele exatamente caído no chão. Eu estou tentando ser forte, mas está sendo tão difícil. Cada vez que a Isadora chama o pai, me dói demais, demais”, lembra Andressa.

O assassino ainda não foi identificado.

“O preconceito está relacionado à falta de conhecimento, a ignorância também. A gente teria que trabalhar realmente na educação”, afirmou o filósofo Luiz Paulo Rouanet.

“Educar dentro de uma concepção de cidadania, de garantia de direitos, de respeito ao próximo”, disse a defensora pública Maíra Coraci Diniz.

“Se a pessoa é gorda, se a pessoa é baixa, se a pessoa tem deficiência, isso não se faz com ninguém que é um ser humano”, completou a bailarina Edimara Elba Castro dos Santos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *