Por Ligia Martins de Almeida em 9/11/2010 – Observatório da Imprensa
A eleição de Dilma Rousseff – considerada pela revista Forbes como a 16ª pessoa mais influente do mundo, embora seja apenas a 39ª colocada entre as mulheres mais poderosas – começa a fazer efeito na forma como a imprensa discute a situação das mulheres. Na semana que passou, pelo menos três artigos de revistas e jornais trataram do tema e deram a palavra às mais interessadas: as mulheres. As entrevistas discutiram o efeito que a presença de uma mulher na presidência da República terá sobre a vida das mulheres comuns, a pequena participação das mulheres em cargos de comando e até a influência de homens poderosos no sucesso dessas mulheres.
Para a socióloga Lourdes Maria Bandeira, da Universidade de Brasília (revista Época, 7/11/20), “a presença de uma mulher na presidência da República significa uma ruptura com o padrão masculino historicamente estabelecido na ocupação e representação do poder”.
A também socióloga Maria Vitória Benevides falou à IstoÉ (5/11/2010):
“A política brasileira não é apenas muito machista, mas também personalista. A própria Dilma, quando candidata, sempre se referiu a isso. Lula dizia que não podia errar por ser um operário, pau-de-arara, um nordestino de origem pobre que chegou a presidente do Brasil. Não podia errar e trair a confiança de todos que votaram nele e se identificaram com ele. Dilma, por sua vez, não poderá errar pelo fato de ser a primeira mulher.”
Participação das mulheres
Já a cientista política Sonia Alvarez (autora de Engendrando Democracia no Brasil: Movimento Feminista e transição política) afirma:
“Existe um padrão histórico comum em que as mulheres chegam ao poder a partir de uma relação de parentesco com o `homem político´. São esposas, filhas… Elas são `pescadas´, por assim dizer. A façanha de Weslian Roriz (esposa de Joaquim Roriz, que desistiu da reeleição ao governo do Distrito Federal) só pode ser imaginada, e muito menos permitida, politicamente, porque o senso comum ainda aceita a ideia de que a esposa seja naturalmente submissa ao seu `dono´. Agora, o caso de Dilma é totalmente diferente. É mais parecido com o de Bachelet. Ou seja, não há uma ligação por casamento, ou uma relação consanguínea com estes homens, mas existe o apadrinhamento político. Não quero tirar o mérito nem de Dilma, nem de Bachelet, que apesar de apresentadas como `amigas do homem´, tinham uma carreira política própria, essencialmente administrativa. Mas é fato que a relação com o masculino político de grande influência facilitou-lhes a chegada ao poder” (O Estado de S. Paulo, 7/11/2010).
Para Sonia Alvarez, a eleição de Dilma é apenas o começo:
“Em vez de nos preocuparmos só com as presidentes, é importante pensar nas mulheres que conseguiram se eleger vereadoras, deputadas, senadoras, ou mulheres que estejam na liderança de partidos políticos e sindicatos. É preciso construir uma nação desde a base, onde tanto mulheres quanto homens sejam capazes de governar. O fato de só termos 17 mulheres líderes mundiais já diz muito. A agenda não deveria ser como eleger mais mulheres presidentes, mas como mudar a política para que isso não seja mais um feito excepcional. Agora, não há razão pela qual devemos esperar de uma mulher algo em particular na política, ou seja, que sejam mais ligadas às questões sociais. Não é pelo fato da Dilma ser mulher que o Brasil vai ter políticas mais progressistas em relação às mulheres. Isso dependerá da vontade política dela e das relações que mantiver com os movimentos sociais, especialmente o movimento de mulheres.”
A socióloga Lourdes Maria Bandeira se mostra mais otimista, ao dizer:
“A presença da presidenta Dilma Rousseff causará mudanças nas interações sociais, nas dinâmicas de trabalho, nos campos jurídicos, econômicos, entre outros. É sabido que, atualmente, ainda se verificam várias desvantagens, opressões e explorações às mulheres. Ainda permanecem muitas disparidades e desigualdades, por exemplo, na esfera salarial e nos inúmeros limites a elas impostos para alcançarem o topo de suas carreiras, e no exercício das duplas e triplas jornadas de trabalho, por continuarem responsáveis pelas atividades domésticas. As situações de violências contra as mulheres, inclusive, nos espaços de trabalho, ainda persistem.”
Se esse otimismo é justificado, só o tempo dirá. O importante é que a imprensa parece estar descobrindo uma forma séria de discutir a participação das mulheres na política. Vamos esperar que o destaque recebido pelo tema nesse início da era Dilma seja o começo de novos tempos também para a mídia.