Grito esta palavra jogada pelo chão, professo sua face suja de quem andou mil voltas a colher migalhas pelos bueiros e valas, ferida na alma por desterro dos céus de suas mãos escorre o sangue de ventres mudos que jorram das mortes fêmeas, e das chagas das meninas de rua restos jogados nos lixões entre fezes e entulhos a palavra que professo brota nos veios da ignomínia é podre, é purulenta, é nauseante, é cancerígena fere o olfato da humanidade: -irrita sua hipocrisia! |
O STJ e a violência doméstica
Uma nota sobre a coragem de três Ministros para rejeitar a institucionalização do espancamento contra mulheres
É inegável e dolorida a constatação: vive-se um tempo de descrédito generalizado nas Instituições. De dentro para fora, de cima para baixo, a estrutura político-social, como conhecida, parece não mais oferecer resposta às inquietudes que assolam o espírito desolado do cidadão moderno. A angústia pelo descontrole quanto ao rumo das situações, a evidente impotência pública, é pontuada pelo filósofo francês Luc Ferry como advinda “da sensação de que o Estado é fraco, de que em todos os campos ele está praticamente incapacitado de levar a termo as reformas, inclusive as mais amplamente justificadas, ou até mesmo de se opor a processos nefastos, sobre os quais não tem mais domínio”(1). |
Tal consciência de fragilidade estrutural deveria ocupar diuturnamente os agentes políticos do direito, por dever de legitimidade e lealdade de atuação, além de impeli-los, motivá-los sempre a aproximarem-se do clamor de coragem e esforço moral que a sociedade lhes dirige. Os tempos modernos demandam homens e mulheres corajosos, que refutem o medo travestido de prudência, que rechacem a tranqüilidade da torre que vigia as muralhas corrompidas. Há situações em que é preciso e necessário não temer o alargamento dos horizontes, os ventos de mudanças: antes, é urgente buscá-los. É preciso confiar que o céu não cairá sobre as cabeças dos “incautos” inovadores, dos que se arriscam por um ideal.
Recentemente o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Sexta Turma e por ocasião do julgamento do HC 96992/DF, de relatoria da Ministra Jane Silva, pela primeira vez desde a vigência da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06) concluiu que o crime de lesão corporal praticado em contexto de violência doméstica contra a mulher constitui delito submetido à ação penal pública incondicionada. Com este entendimento, a Turma rejeitou o pedido de habeas corpus formulado por José Francisco da Silva Neto, denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios por crime de lesões corporais contra sua ex-companheira.
O leading case, produto de julgamento alcançado a partir de recurso interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios(2), merece destaque, porquanto exemplifica a ruptura de um paradigma cultural de silêncio, tolerância e cumplicidade por parte dos poderes públicos – em todas as suas esferas – para com os atos de violência praticados contra mulheres na intimidade do lar.
A primeira ruptura, certamente, advém da existência própria de uma lei coibindo a prática de violência doméstica. Em que pese possa parecer pouco, uma evolução legislativa de tal magnitude evidencia, igualmente, a grandeza do problema, bem como a cristalina ineficiência dos instrumentos legais até então disponibilizados para seu enfrentamento(3).
A segunda ruptura é evidenciada pelo comportamento das v] ]>