Letícia Sorg – revista Época
Lourdes Maria Bandeira, professora do departamento de sociologia da Universidade de Brasília, diz que a eleição de Dilma Rousseff à presidência do Brasil representa uma ruptura no padrão masculino de representação do poder. Mas sua vitória no domingo, 31 de outubro, não deve suficiente para que remover os obstáculos que as mulheres enfrentam para chegar ao poder. Leia a entrevista com a especialista, que é também subsecretária de Planejamento e Gestão Interna da Secretaria de Política para as Mulheres do Paraná.
Lourdes Maria Bandeira – Esperamos que um projeto político mais inovador seja implementado com a presença de uma mulher na presidência, aprofundando-se uma proposta mais democrática e participativa com maior possibilidade de oportunidades e de direitos para as mulheres em geral. Como disse a própria presidenta em seu primeiro discurso à nação: “A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um principio essencial da democracia. Gostaria muito que os pais e mães de meninas olhassem hoje nos olhos delas, e lhes dissessem: Sim, a mulher pode!”
Lourdes – A presença de uma mulher na presidência da República significa uma ruptura com o padrão masculino historicamente estabelecido na ocupação e representação do poder. Deve-se destacar também que a presença da presidenta Dilma Rousseff causará mudanças nas interações sociais, nas dinâmicas de trabalho, nos campos jurídicos, econômicos, entre outros. É sabido que, atualmente, ainda se verificam várias desvantagens, opressões e explorações às mulheres. Ainda permanecem muitas disparidades e desigualdades, por exemplo, na esfera salarial e nos inúmeros limites a elas impostos para alcançarem o topo de suas carreiras, e no exercício das duplas e triplas jornadas de trabalho, por continuarem responsáveis pelas atividades domésticas. As situações de violências contra as mulheres, inclusive, nos espaços de trabalho, ainda persistem. Portanto, o “teto de vidro” ainda não foi quebrado definitivamente.
Lourdes – São diversas as causas que inviabilizam (ou excluem) a participação feminina na política. De maneira resumida, são elas: a ainda tímida posição ocupada pelas mulheres nos espaços públicos da sociedade; a estrutura político-partidária que continua sendo muito restrita e autoritária, com escassos espaços e recursos ao acesso das mulheres; a falta de educação política e de uma cultura política desvinculadas de um olhar “masculino”, pelo qual as mulheres ainda se caracterizam como subordinadas aos homens na sociedade e não são reconhecidas como sujeitos políticos. Por fim, vale destacar que a lei de cotas, mais uma vez, não foi cumprida pelos partidos políticos, ainda que sua obrigatoriedade tenha sido aprovada na minirreforma eleitoral de 2009. Os partidos políticos ainda resistem a uma nova e necessária divisão do poder.
Lourdes – O Congresso reflete a sociedade de forma ambígua: pela exclusão persistente das mulheres, negros e pobres e pela inclusão demarcada das elites sociais e econômicas. Por sua vez o Congresso também não reflete a presença/ausência das mulheres, nem em relação à forma como as mulheres se fazem representar. O que o Congresso reflete é a presença da divisão sexual do trabalho entre homens e mulheres que estabelece as hierarquias de poder.
Lourdes – O resultado do primeiro turno assegurou à Dilma e Marina 66,2% dos votos. E tanto no primeiro como no segundo turno, foram as mulheres brasileiras que asseguraram a vitória da primeira presidenta mulher.
Lourdes – A importância da maior presença feminina no Congresso Nacional é possibilitar que as diferenças de ideias, de reivindicações possam interagir e dialogar. A ausência da diferença possibilita a expressão e a reprodução das desigualdades entre mulheres e homens. Além disso, é fundamental conjugar uma política de presença com uma política de ideias que coloque o tema da igualdade de gênero como central também para os homens.
A eleição de Dilma Rousseff pode incentivar mais mulheres a seguir a carreira política. Mas o caminho do poder ainda é muito mais difícil para elas
Letícia Sorg – revista Época
Lorena Mendes Resende, uma estudante de 13 anos, ficou surpresa ao saber que Dilma Rousseff será a primeira mulher a assumir a Presidência na história do país. “Achei que já tivéssemos tido outra presidenta no passado”, diz Lorena, que cursa o 7º ano do ensino fundamental no Centro de Educação Nery Lacerda, em Sobradinho, cidade-satélite de Brasília. Lorena também não notou que apenas uma em cada dez congressistas brasileiros é mulher quando, no dia 22 de outubro, esteve na Câmara dos Deputados para apresentar seu projeto de lei. Escolhidas pelo Plenarinho – uma iniciativa da Câmara para estimular a participação política de crianças -, Lorena e outras três estudantes brasileiras apresentaram propostas para um plenário ocupado por crianças de ambos os sexos. A sessão foi presidida por uma garota.
Lorena representa uma nova geração, para quem não haverá mais nada de extraordinário em uma mulher presidente. E talvez Dilma sirva de modelo para ela e outras meninas. Lorena já mostra um interesse acima da média pela política. Foi eleita representante de classe pelos colegas e recebeu o maior número de votos entre os 15 candidatos, pelo Partido Político Mirim dos Alunos (PPMA), em uma eleição simulada na escola. O projeto de Lorena no Plenarinho foi aprovado pelos deputados mirins e está à espera de um padrinho para levá-lo à Câmara “adulta”. Nele, a estudante pedia a instalação de assentos especiais para garantir a segurança das crianças no transporte público. Ela notou o problema ao andar de ônibus com sua mãe e a irmã, que tem 4 anos. “Agora, tudo o que ve
jo de errado me faz pensar em criar um projeto de lei”, afirma Lorena.
“Com a eleição de uma mulher, as garotas passam a considerar a política como uma opção viável de carreira”, diz Mark P. Jones, professor do Departamento de Ciência Política da Rice University, em Houston, no Texas. “No Chile, a eleição de Michelle Bachelet (leia a entrevista com a ex-presidente) teve um forte efeito sobre como as mulheres, particularmente as mais jovens, viam a política e participavam dela. Podemos ver algo parecido acontecer no Brasil”, afirma Jones, coautor do livro Women in executive power: a global overview (Mulheres no poder executivo: uma visão global) , que será lançado no início do ano que vem.
Pelo menos na base do caminho para a política, a escola, meninos e meninas começam em igualdade de condições. “O sistema educacional hoje é igualitário”, diz Ilene Lang, da Catalyst, organização sem fins lucrativos que incentiva a participação de mulheres no mercado de trabalho em vários lugares do mundo. “As mulheres só começam a ver as barreiras a seu crescimento depois de alguns anos de carreira.” É o que os especialistas chamam de “teto de vidro” – as barreiras invisíveis que impedem o avanço na carreira. A vitória de Dilma ajuda a abrir um buraco nesse teto – na cabeça das mulheres e também dos homens. “É um avanço importante para que eles vejam as mulheres como iguais”, afirma Karen Kampwirth, autora do livro Gender and populism in Latin America: passionate politics (Gênero e populismo na América Latina: política passional) e professora de ciências políticas do Knox College, em Illinois.
Certa vez, uma deputada teve uma crise epilética no plenário. “É um chilique!”, disse um colega homem
Hoje, as mulheres representam quase metade da população economicamente ativa do país e são maioria nas universidades. Mas ainda ganham, em média, 40% menos do que os homens, segundo dados do Fórum Econômico Mundial, e são minoria no topo da hierarquia corporativa: de 61 empresas que compõem o índice da Bolsa de Valores de São Paulo, apenas uma é dirigida por mulher, por exemplo.
Para que mais mulheres possam, como Dilma, pleitear a Presidência do país é preciso haver mais mulheres em ministérios, nos governos estaduais e na liderança do Congresso – e, antes disso, mais deputadas, senadoras e, claro, candidatas a esses postos. Segundo o índice de desigualdade de gênero do Fórum Econômico Mundial, o principal problema para as mulheres do Brasil é justamente a representação política. Considerando outros aspectos, além da política – como acesso à saúde, à educação e à igualdade salarial -, o Brasil está na 85ª posição entre 134 países. Olhando apenas para o número de mulheres no Congresso, o país cai para o 108º lugar no ranking.
Alguns números melhoraram – em 2006, 13% dos candidatos à Câmara eram mulheres; em 2010, 22% -, mas a participação continua baixa: cerca de 10% nas duas Casas. O número é ainda mais baixo considerando que desde 1997 vigora, no país, uma lei que prevê que pelo menos 30% das candidaturas à Câmara sejam de mulheres. Na última eleição, as legendas também não reservaram 10% de seu tempo de horário eleitoral gratuito para candidatas, como prevê a legislação. “Os partidos políticos ainda resistem a uma nova e necessária divisão do poder”, afirma Lourdes Bandeira, professora de sociologia da Universidade de Brasília e subsecretária de Política para as Mulheres do Paraná. “Mesmo quando se elegem, as mulheres geralmente são marginalizadas em comissões de menos prestígio”, diz Leslie Schwindt-Bayer, professora do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Missouri e autora do recém-lançado Political power and women’s representation in Latin America (Poder político e representação feminina na América Latina, Oxford University Press).
A deputada Iriny Lopes (PT-ES), uma das 45 mulheres entre os 513 deputados da próxima legislatura, diz que é mais difícil para as mulheres fazer campanha porque as empresas costumam doar menos dinheiro para candidaturas femininas. Outra dificuldade é lidar com o ambiente predominantemente masculino do Congresso. “Certa vez, uma colega parlamentar teve uma crise epilética no plenário. Ouvi um deputado dizer: ‘É um chilique!’.” A presença de uma mulher era tão incomum na política que, quando a senadora Serys Slhessarenko (PT) elegeu-se deputada estadual, em 1990, o prédio da Assembleia Legislativa de Mato Grosso não tinha nem banheiro feminino.
No outro extremo, alguns políticos tratam seus pares do sexo feminino como seres frágeis. Foi com uma rosa vermelha que o presidente Lula presenteou Dilma Rousseff após uma entrevista da candidata ao Jornal Nacional. “Eu esperava, pelo fato de você ser mulher e candidata, que o entrevistador tivesse um pouco mais de gentileza”, afirmou Lula em um comício em Belo Horizonte. Talvez Dilma não esperasse nem quisesse um tratamento diferente do dispensado aos outros candidatos. No Plenarinho de crianças na Câmara, uma menina de 10 anos, Bárbara Gabriele Hermógenes Castanho, ocupou a Mesa Diretora da Câmara – posto a que nenhuma mulher chegou entre os adultos. Ela não pensa em ser política quando crescer. “Quero ser atriz.” Mas, se ela mudar de ideia, como disse Dilma Rousseff em seu discurso da vitória: sim, as mulheres podem.
Os obstáculos
Cinco barreiras que dificultam a ascensão das mulheres na política
1 – Há poucos modelos de mulheres bem-sucedidas
“Se as mulheres não veem outras ocuparem posições de poder, têm menos probabilidade do que os homens de considerar seguir a carreira na política”, diz Karen Kampwirth, professora de ciência política do Knox College, em Illinois. Daí a importância simbólica da vitória de Dilma Rousseff
2 – Mulheres no poder são muito fortes ou muito fracas
Se uma mulher chora, é fraca; se é firme, é mandona. Para Ilene Lang, presidente da organização feminista Catalyst, exige-se das mulheres um comportamento ideal que não é cobrado dos homens. “Ou elas são muito fracas ou muito duronas. Parece que nunca estão certas”
3 – Simpatia e competência são incompatíveis?
Segundo Ilene, uma das principais barreiras para a ascensão das mulheres é a percepção de que, para ser competente na liderança, uma mulher não pode ser amada. É provável que essa seja a explicação para “damas de ferro”, como as ex-primeiras-ministras Margaret Thatcher, do Reino Unido, e Golda Meir, de Israel, na política mundial
4 – A máquina dos partidos é controlada por homens
Embora exista desde 1997 a Lei do Batom, que estabelece uma cota de 30% de candidaturas femininas à Câmara, nas últimas eleições só 22% dos candidatos eram mulheres. “A estrutura político-partidária continua sendo muito restrita, com escasso acesso das mulheres”, diz Lourdes Bandeira, professora de sociologia da UnB
5 – Mulheres são avaliadas com maior rigor