Iáris Ramalho Cortês
Em março de 2005 o Editorial do Jornal Fêmea, escrito por mim, estava cheio de revolta diante do conselho que o presidente Lula deu a nós mulheres, no dia Internacional da Mulher, para que não fossemos “desaforadas” e não começássemos a “pensar na Presidência da República”.
Na matéria fiz uma retrospectiva dos nossos “desaforos” e encontrei a resposta na nossa luta para conseguir votar e ser votada, para entrarmos no mercado de trabalho, para termos 120 dias de licença maternidade, para deixarmos de ser “colaboradoras” e “com-sorte” do marido, pala lutar pelas cotas de mulheres na política e muitas outras reivindicações.
Apontei o porquê de precisarmos continuar sendo “desaforadas” para conseguirmos ganhar o mesmo salário dos homens para um mesmo tipo de trabalho, para deixar de sermos violentadas, assediadas, maltratadas, estupradas. Que precisamos continuar a ser “desaforada” para que a sociedade entenda que nossos corpos nos pertencem, que nossos úteros são parte de nós, que nós é que temos que decidir se e quando termos nossos filhos.
Cinco anos se passaram e o conselho do Presidente parece ter fermentado o íntimo das mulheres brasileiras e uma delas se colocou para enfrentar, com “desaforo” a feroz batalha contra magos da política nacional.
É verdade que aquele que há cinco anos pediu para que a mulher brasileira “não fosse desaforada para pensar na Presidência da República”, como que, medindo e pesando aquelas palavras, agora resolveu se redimir e apostar em uma mulher e apostou com todas as forças de seu poder presidencial.
Temos uma mulher eleita para Presidenta da República Federativa do Brasil e, como mulher que sonhava ver outra mulher na presidência, me dou o direito de dizer o que penso para não vê-la decepcionando as mulheres, pois afinal, também sou “desaforada”. E pergunto:
E agora Maria?
Escutei atentamente seu pronunciamento de vitória. Você nunca se intitulou “feminista”, mas, pelo seu histórico de vida sei que é uma guerreira e toda guerreira tem um pouco de feminismo, mesmo sem saber. Gostei do que falou das mulheres (aconselho um pequeno estagio na SPM para conhecer mais as diversidades de mulheres brasileiras – a brasileira não é a mulher e sim as mulheres).
Você vai ter que ser muito “desaforada” para enfrentar o que lhe espera. Vai precisar ser “desaforada” quando for escolher sua equipe (os gorgulhos do Poder estão de olhos nos cargos) que, esperamos, tenha um razoável numero de mulheres.
Vai ter que ser mais “desaforada” ainda, quando tiver que limpar a Corte Palaciana dos corruptos, fichas sujas, aproveitadores etc.
E quando tiver que decidir sobre o orçamento público aí sim seu “desaforo” deve ser implacável do contrário não erradicará a miséria.
O desenvolvimento econômico jamais deverá sobrepujar o desenvolvimento humano e para isto você vai ter que ser, mais uma vez “desaforada”.
E como você vai fazer para separar a religião da política sem ter que ser “desaforada” com os fundamentalistas de plantão?
Há cinco anos disse que além de “desaforadas” precisávamos ser mais apressadas para conseguirmos uma igualdade democrática, uma melhor distribuição das riquezas, maiores oportunidade de trabalho para homens e mulheres, repartição das tarefas domésticas para o cuidado com crianças, familiares idosos, pessoas com deficiência e doentes; políticas públicas realmente implementadas, com equipamentos sociais como creches, lavanderias e refeitórios públicos.
Muito disso só será concretizado se a educação do país incluir estas questões, sem discriminações, sem tabus, sem covardia, desde o ensino fundamental. É outro “desaforo” que terá que enfrentar.
Enfim, desejo que seja “desaforada” e “atrevida”, só assim marcará este país com sua passagem.
E, como há cinco anos, trago a mesma frase de Fernando Pessoa: “Tudo parece ousado para quem nada se atreve”.
Iáris Ramalho Cortês – sócia do CFEMEA
Brasília, 01 de novembro de 2010
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