Basta de violência, diz sociedade civil

Por Baudry Aluma, da IPS

Kivu do Sul, R. D. Congo, 27/10/2010 – A sociedade civil da República Democrática do Congo (RDC) está decidida a realizar um acompanhamento do ocorrido no conflito entre 1993 e 2003, após a publicação do controvertido informe da Organização das Nações Unidas que documenta terríveis violações de direitos humanos.

Nesse período de conflitos, os atores em confronto recorreram à violência sexual de forma sistemática e indiscriminada. No contexto da campanha de terror, os combatentes cometeram violações públicas, em grupo, obrigaram as pessoas a manterem relações incestuosas, mutilaram os órgãos genitais das pessoas e praticaram canibalismo contra a população civil.

O informe divulgado pelo escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos também aponta a necessidade de processar os responsáveis dos grupos em luta e criar uma instância de conciliação. O conteúdo do documento vazou em agosto e deu lugar a uma dura condenação dos governos de Ruanda e Uganda, cujas forças armadas estão implicadas nos crimes documentados.

Uma coalizão de 220 organizações de direitos humanos congolesas divulgou no dia 3 de setembro uma declaração de apoio ao informe e reclamando a implementação de um sistema para processar e condenar os responsáveis. O conteúdo do informe não é novo, mas o trabalho feito por uma equipe de investigadores em todo o país durante vários meses oferece uma documentação detalhada.

A sociedade civil organiza uma série de ações para realizar um acompanhamento das denúncias. “A comissão do Grupo de Coordenação da Sociedade Civil de Kivu do Sul analisa página por página”, disse Dieudonné Sango, um de seus integrantes. “Após lermos todo o documento, faremos recomendações ao governo e à ONU”, acrescentou. Buscamos fundos para traduzir o documento para os dialetos desta província para que todos possam ler”, explicou.

“Nossos membros farão uma viagem pelos oito territórios do país, demoraremos várias semanas para ler o informe e pedir à população que apresente suas próprias recomendações. É uma oportunidade para que nunca mais estes crimes voltem a ocorrer”, afirmou Dieudonné.

A divulgação do informe da Organização das Nações Unidas (ONU) coincidiu com a preparação do encontro Marcha Mundial das Mulheres, realizado entre os dias 13 e 17 deste mês na cidade de Bukavu, nesta província, afirmou Solange Lwashiga, secretária-executiva do Grupo de Mulheres pela Paz de Kivu do Sul.

Uma das atividades realizadas foi visitar o lugar onde 15 mulheres foram enterradas vivas em novembro de 1999 após serem torturadas, violentadas e submetidas a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, diz o documento. A Marcha Mundial das Mulheres é um movimento internacional que luta contra as desigualdades e a discriminação de gênero.

Os tribunais da RDC não têm autoridade para fazer justiça às milhares de vítimas, devido à dimensão dos crimes documentados, sua complexidade e seu caráter transnacional, disse Solange. “Por isso, pedimos à comunidade internacional, com apoio das autoridades congolesas, que se mobilizem para fazer justiça para as vítimas esquecidas dos diferentes conflitos que ensanguentaram este país e contribuir para o fim do ciclo de impunidade e insegurança”, acrescentou.

O objetivo é reunir as mulheres com vistas às eleições de 2011, disse Agnès Sadiki, vice-presidente da Afem, uma associação de jornalistas local que se propõe a reclamar mecanismos judiciais práticos e confiáveis, reparação pelos crimes cometidos no país e impedir a eleição de toda pessoa que não esteja disposta a participar do processo. “O informe ajuda porque é a forma com que a comunidade internacional reconhece o grande sofrimento das mulheres. É preciso celebrar o chamado da ONU, embora chegue tarde”, acrescentou. 

“Em certo sentido, já se sabe. Mas as mulheres reforçarão os argumentos percorrendo a província, conversando com as pessoas que não saibam ler nem escrever e pedindo que assinem a petição para dizer basta e que é hora de o mundo se envolver e ajudar a pôr fim ao ciclo de violência”, disse Agnès, que trabalha para o canal estatal RTN. A Coalizão Congolense de Justiça de Transição organizará, em fevereiro de 2011, uma conferência internacional em apoio ao informe das Nações Unidas. Envolverde/IPS

 

(IPS/Envolverde)

 

 


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