O orgasmo é uma das formas de prazer mais intensas. Mas não é a única. Há outros prazeres com igual peso. Morre o mito….

 

Por Júlia Serrão – revista Máxima (Portugal)

Entre o sexo imaginário e o real vai uma boa distância. Aprenda a viver com os dois.

 

· A impossibilidade do ‘orgasmo simultâneo’, em que o casal atingiria o tal estado alterado de consciência e de controlo, é ainda um motivo de angústia entre casais.

. Apesar de defender que é mais importante “viver a relação sem metas rígidas”, o terapeuta sexual Allen Gomes diz que há duas estratégias básicas para lá chegar: “Maior controlo da ejaculação masculina e maximizar a estimulação feminina antes e durante o coito, não esquecendo que o clítoris existe.”

“Foi bom para ti? Gostaste, tiveste prazer?” A palavra exacta não estava lá, mas o que ele queria mesmo dizer era: “Atingiste o orgasmo?” “E o que é que isso importa, se tivesse sentido prazer?”, pergunta agora a mulher. Mas nessa altura era tudo muito confuso. Ela própria alimentava mitos relativamente ao sexo.

Exausta, o corpo encharcado, e não era de êxtase, Teresa (nome fictício), 35 anos, quebrou a rotina dos últimos dois anos e surpreendeu o companheiro ao responder: “Acho que estamos com um problema…” Nessa noite, a professora que socialmente tinha criado a imagem de uma mulher solta, aberta e segura, ao discutir abertamente temas picantes, assumiu que não estava satisfeita com a sua sexualidade, “que merecia e queria muito mais” e que precisava de dar o primeiro passo nesse sentido. A frustração tinha chegado ao limite.

“São precisos dois para dançar um tango. Eu tinha deixado que a situação se arrastasse ao disfarçar orgasmos e prazer e mais tarde o próprio desejo. A paixão faz-nos acreditar que tudo é possível, que acabamos por nos encaixar, mas penso que sempre soube que o Joaquim (nome fictício) não era o meu tipo de amante”, explica Teresa, dois anos depois destes acontecimentos terem tido lugar. Hoje está divorciada, não tem namorado, às vezes vai “para a cama com um amigo”. Mas, como costuma dizer, está “sobretudo num processo de autoconhecimento”.

Teses sobre a sexualidade asseguram que não é preciso vontade (de sexo) para no final ter prazer, atingir o êxtase. Quando ‘tocados no sítio certo’, mulher e homem conseguem juntos orquestrar a melhor das obras. Mas o desejo é como viajar, a possibilidade de antever e imaginar a chegada (é verdade que entre o sexo imaginado e o sexo real vai uma boa distância, e o real pode acabar em frustração), mas é uma emoção febril que, por si só, é capaz de nos dar prazer. No seu livro O Primeiro Sexo (Editorial Presença), a antropóloga norte-americana Helen Fisher descreve-o como “a emoção mais profunda e primitiva à face da Terra”.

Helen Fisher defende que o desejo sexual feminino é diferente do masculino, apesar de todos os dados mostrarem o contrário: “É mais subtil, mais complexo e muito menos compreendido.” O mesmo acontece com a resposta sexual. Segundo o psiquiatra e terapeuta sexual Francisco Allen Gomes, a resposta sexual feminina é mais complexa. Escreve no livro da sua autoria, Paixão, Amor e Sexo (Dom Quixote): “A erecção do pénis é um excelente marcador da excitação sexual e a ejaculação um sinal evidente do orgasmo.” Nas mulheres, segundo alguns autores, será a lubrificação vaginal, explica ainda o especialista, defendendo uma outra teoria: para elas é a sensação subjectiva que conta. “Para a mulher a excitação sexual resulta mais de processos cognitivos sobre a significação dos estímulos do que de um feed-back da vasocongestão periférica.” Francisco Allen Gomes explica que embora o orgasmo feminino tenha sempre a mesma expressão, “as contracções vaginais”, pode ser provocado por diferentes estímulos. Explica que enquanto os receptores erógenos mais fortes do homem estão reunidos no pénis, na mulher estão distribuídos. A maioria encontra-se no clítoris, os restantes nos pequenos lábios e na entrada da vagina (o intróito). A vagina em profundidade “é pouco enervada”, diz, e como resultado uma estimulação do clítoris pode excitar rapidamente a mulher, se ela estiver psicologicamente receptiva e se a carícia for constante levá-la-á também rapidamente ao orgasmo. “Nos casos em que estas carícias são só um preliminar, a penetração ainda que demorada pode não bastar para atingir o orgasmo”, conclui, sublinhando que de facto isso não basta em 70 por cento dos casos.

Será por esta razão que tantas mulheres dizem não atingir o orgasmo? Esse estado “de alteração do estado da consciência e controlo que dura breves segundos” – segundo Patrícia Pascoal, terapeuta sexual, membro da Direcção da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica – e que tanta gente parece perseguir?

A mulher pode não chegar ao orgasmo por várias razões, garante Ana Almeida, psicoterapeuta, directora da Clínica Psicocronos. “Pode ficar a dever-se a um bloqueio, ter a ver com capacidade de entrega – a mulher tem dificuldade em libertar-se no sentido de poder usufruir da sexualidade de uma forma plena – e pode ter a ver com a falta de um ‘aquecimento’ suficientemente intenso. Muitas mulheres não conhecem o próprio corpo, não têm o hábito de se masturbar, que é uma forma de o conhecer. Outras vezes tem ainda a ver com o facto de terem um mau amante “, observa, referindo ainda o peso de “algumas questões orgânicas. Há idades em que é mais fácil atingir o orgasmo do que outras. Tem a ver com uma série de questões de excitabilidade”. Segundo Ana Almeida, é mais fácil atingir o orgasmo durante a chamada ‘idade de ouro’ da sexualidade feminina, que se situa entre os 25 e os 35 anos. “Talvez por questões bioquímicas, a excitabilidade é mais fácil”, comenta.

A psicoterapeuta assegura que há mulheres “não orgásticas” que vivem a situação com muita angústia e que a maioria tende a ocultar este facto “porque sente que é uma desnarcisação”.

A terapeuta sexual Patrícia Pascoal concorda que as pessoas, geralmente as mulheres, que não vivem esta experiência com regularidade são vistas como ‘desabilitadas’. Por outro lado, para elas, “a ausência de experiência orgásmica é uma nuvem negra que assombra as sua vida sexual”. Não admira, já que o orgasmo acaba por ser “muitas vezes anunciado como o santo Graal da sexualidade, o ex-líbris da relação sexual, sinónimo de prazer ou satisfação sexual “, diz, sublinhando que a concepção de que a experiência ou encontro sexual são um processo que acaba no orgasmo pode levar a mal-entendidos de vária ordem. “O prazer e a satisfação sexual incluem o orgasmo, mas não se resumem a ele”, observa. Patrícia Pascoal esclarece que embora seja um bom indicador do prazer, o orgasmo não é propriamente sinónimo de uma vida sexual de qualidade e satisfatória. Pessoas que atinjam regularmente o orgasmo podem dizer-se insatisfeitas e apresentar desinteresse pela vida sexual, garante.

Também Paul Martin, autor do livro Sexo, Drogas e Chocolate – a Ciência do Prazer (Edições Bizâncio), lembra que o orgasmo é uma das formas de prazer mais intensas – apesar de breve, “é um prazer destilado” –, mas que o prazer sexual não se reduz à obtenção do mesmo.

Patrícia Pascoal afirma que o prazer sexual é um direito e uma parte importante da vida do ser humano, mas esclarece que “a ideia de que uma boa vida sexual é um campeonato em que ganha quem marcar mais pontos, e os golos são os orgasmos, é claramente reducionista e desfasada da vivência das pessoas”. Se assim fosse, sublinha, “bastaria a auto-estimulação, as pessoas não procurariam diferentes modelos de relação em que integram a sexualidade”.

E explica que é difícil dar receitas de como optimizar o envolvimento, ter ou proporcionar um orgasmo, mas esclarece que “o autoconhecimento corporal, ‘deixar-se ir’e não recear perder o controlo” podem ajudar. A “estimulação e familiarização com material que excita e mantém a excitação são também importantes”, uma vez que “a distracçã

o com outros assuntos e a preocupação em seguir um padrão certo podem acabar por ‘matar’ o envolvimento e o abandono”, resume.

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