Renata Mariz – Correio Braziliense
Pesquisa mostra que 58% dos adolescentes se acham abaixo ou acima do peso. O resultado surpreende porque, na verdade, 74% dos estudantes tinham peso normal em relação à altura e à idade
Autoconhecimento, vaidade e até luxúria. São muitos os significados relacionados ao espelho ao longo da história humana. Mas essa espécie de objeto mágico pode revelar muito mais quando diante dele está um adolescente. Hormônios a mil, corpo em mutação e uma insegurança emocional característica da idade fazem com que meninas e meninos enxerguem o próprio corpo de um modo muito diferente do que ele realmente é. O fato foi constatado por uma pesquisa de doutorado recém apresentada na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cujas principais conclusões apontam para o risco de distúrbios alimentares graves na faixa etária analisada.
» Leia íntegra do estudo feito com meninos
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Para se ter ideia dos achados da pesquisa, entre os 126 alunos selecionados de uma escola pública de Campinas, 74,6% estavam com o peso normal em relação à altura e à idade, mas, ainda assim, 58% deles julgaram o próprio corpo inadequado. Dependendo do gênero, o espelho alarga ou afina esses garotos. Das 64 meninas ouvidas, por exemplo, 17% superestimaram o peso, achando-se mais pesadas do que o real. Entre os 62 meninos, 16,1% consideraram estar mais magros do que de fato são. “Essa idealização do corpo perfeito vem da influência externa, com essa coisa das modelos, atrizes. Já os homens crescem vendo os super-heróis musculosos, sendo encorajados nas academias a adquirirem tal tipo físico”, diz a nutricionista Ana Lúcia Alves Caram, autora da tese de doutorado.
Segundo Caram, os resultados obtidos com a amostra utilizada, significativa do ponto de vista estatístico e equilibrada em relação ao gênero, podem ser aplicados em outras realidades. “Com certeza poderíamos extrapolar os dados para grupos de adolescentes de outros locais. E isso precisa ser trabalhado com o foco na prevenção. Afinal, se esses meninos começam a achar que estão obesos ou que precisam ganhar peso podem adotar uma alimentação incorreta, que leva a doenças”, explica. No Brasil, de fato, os dados que refletem uma nutrição equilibrada e bons hábitos à mesa têm piorado nos últimos anos. O mais recente levantamento do Ministério da Saúde mostra que, entre pessoas de 10 a 19 anos, 20,5% têm excesso de peso e 4,9% são obesos. Na população acima de 20 anos, a obesidade já atinge 15%.
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Fábio Ancona Lopez destaca a vitamina C, o cálcio e o ferro como as principais carências de um adolescente normal que podem se agravar com uma dieta equivocada, feita por conta própria. O extremo da preocupação com o peso deve ser encarado pelos pais como um sinal de doença, de acordo com o médico. “É a rejeição ou uma dificuldade tão grande de enxergar adequadamente o próprio corpo que qualquer dobra significa ser gorda, podendo ser um indício de anorexia”, diz. Apesar de não haver dados exatos sobre a ocorrência da doença, a literatura científica estima em 1,1% de adolescentes do sexo feminino com anorexia. Entre os garotos, o índice fica em torno de 0,7%.
Como a Barbie
Um outro distúrbio alimentar grave, ressalta o psiquiatra Raphael Boechat, professor da Universidade de Brasília (UnB), é a bulimia. “Os sinais, nesse caso, são mais difíceis de detectar, já que na anorexia o endeusamento da beleza magra fica evidente. Para esse problema, é preciso atenção ao estado emocional da pessoa, que após o que chamamos de ‘ataques de comilança’ procura métodos compensatórios, como provocar vômito, tomar laxante ou fazer atividade física intensa”, diz o especialista. O problema também não foi ainda mapeado com precisão, mas estudos apontam prevalência de até 7% em adolescentes.
Além da insegurança com o corpo em transformação, os apelos de consumo e beleza deixam os adolescentes ainda mais confusos. “De um lado você precisa ser como a Barbie, uma boneca que tem medidas incompatíveis com uma pessoa de boa saúde. De outro, há todas as delícias a serem apreciadas, como bolos, brigadeiro, macarrão. É difícil não se sentir pressionado”, destaca Ancona.
Entre os hábitos alimentares do grupo de 126 alunos pesquisados por Ana Lúcia Caram, nenhuma extravagância foi detectada. Apenas uma característica chamou a atenção mais seriamente da doutora. Quatorze por cento dos adolescentes não tomavam café da manhã. “Mesmo com a escola fornecendo o lanche, eles se recusavam a fazer o desjejum. E sabemos que a falta dessa refeição atrapalha muito a concentração e o aprendizado. Eles podem estar indo mal na escola sem saber o motivo”, diz a nutricionista. De acordo com ela, quem faz uma refeição pesada e muito tarde no dia anterior tende a não querer comer pela manhã. “Isso tem que ser trabalhado. Às vezes, basta que a pessoa adote o hábito”, afirma.
Erro no uso do IMC
Popular entre a população, o Índice de Massa Corporal (IMC), calculado usando o peso dividido pela altura ao quadrado, é utilizado de forma equivocada por crianças e adolescentes, segundo a nutricionista Ana Lúcia Caram. A doutora no assunto pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) esclarece que essa fórmula só é válida para adultos.
Para a faixa etária até 19 anos, há um gráfico aprovado pelo Ministério da Saúde que dá respostas mais corretas. “Nesse modelo, leva-se em consideração a idade, fundamental para uma análise adequada, porque o crescimento é muito variado e rápido entre os adolescentes”, explica Ana Lúcia.
Na percepção dela, uma resposta errada do IMC criado para adultos pode levar um adolescente a adotar dietas equivocadas e a se enxergar de forma ainda mais distorcida. “Geralmente é o pediatra que utiliza essas curvas. Mas quando ele vai crescendo, vai deixando de se consultar nesse especialistas. E o que vemos é o uso inadequado da fórmula do IMC, gerando muitas dúvidas na cabeça dos adolescentes”, destaca a nutricionista.