Marilza de Melo Foucher *
Adital – As mulheres têm tido um papel importante nas transformações socioculturais e políticas no Brasil. Mesmo que estas conquistas se inscrevam dentro de um lento processo, com certos zigs-zags, recuos e avanços.
Desde 1932, a mulher brasileira conquistou o direito de votar; entretanto, o fato de votar não sacudiu em quase nada o alicerce da estrutura conservadora da sociedade brasileira. Vale destacar que a mulher brasileira sempre integrou o cenário político de conquistas sociais e, sobretudo, no processo de democratização do Brasil.
Como estamos em vésperas de eleições, depois de escrever 3 artigos visando estimular o debate político em outras áreas, não poderia deixar de escrever algo sobre evolução do papel político das mulheres no Brasil. Percebi que nessas eleições a participação das mulheres na política eletiva bate todos os recordes. Esse fato é um orgulho para qualquer brasileira, independente de sua opção política. Contar com a presença das mulheres, na disputa pelo mais alto posto do poder eletivo é motivo de grande emoção.
Apesar da existência da sub-representação política da mulher no poder legislativo; entretanto, isto não significa que a mulher brasileira tenha pouca participação política; não podemos esquecer que elas foram as principais protagonistas que permitiram a emergência de uma nova sociedade civil e vêm participando ativamente na luta pela inclusão social das camadas pobres e excluídos do progresso econômico brasileiro. Chamo atenção sobre o uso da palavra política; às vezes pode criar uma confusão semântica. As mulheres, através da participação popular, estão no âmago da vida política brasileira.
As mulheres de minha geração, que lutaram contra a ditadura no Brasil, não podem ser apresentadas como terroristas, tal como a mídia conservadora tentou passar junto à opinião publica. A caricatura que eles fizeram da candidata Dilma é demonstrativo da falta de reconhecimento por milhares de mulheres que lutaram por conquistas sociais e pela democracia no Brasil.
Mulheres guerreiras protagonistas da democratização dos poderes.
Para não alongar a historia, vamos relembrar os anos 70. Em plena ditadura, um grupo de mulheres de São Paulo e Rio, diga-se de passagem, de origem burguesa, vão conseguir se aproveitar do evento do Ano Internacional da Mulher, decretado pela ONU em 1975, para organizar o primeiro encontro sobre o comportamento da mulher na realidade brasileira. Apesar de terem sido criticadas por algumas feministas que consideraram este encontro de mulheres meio morno e apolítico, este encontro vai oferecer pela primeira vez a oportunidade de politizar o feminismo brasileiro. Com a criação do movimento da Anistia Internacional as mulheres exiladas na Europa, Estados Unidos regressam ao Brasil e este será o marco mais relevante para a evolução da causa feminista brasileira.
Sem dúvida nenhuma, podemos afirmar que o retorno das mulheres intelectuais exiladas nos anos 80 irá contribuir para enriquecer o debate sobre questões femininas e dinamizar a luta das mulheres na conquista de direitos. Elas conseguiram fazer emergir um feminismo acadêmico comprometido com a ação. A teoria se juntou à prática e a questão feminina se politiza no combate pela democratização dos poderes.
Vamos tomar a história do poder como testemunho dessa evolução. O poder foi sempre detido pelos homens, quer seja na família (esfera doméstica), na sociedade (esfera social) ou no Estado (esfera política). Toda análise de desigualdade entre mulheres e homens deve levar em conta essas 3 esferas: doméstica, social e política. Daí pode-se dizer que o poder sempre foi conjugado no masculino. O poder, este obscuro objeto do desejo masculino, foi sempre percebido ao longo da história societal como um território masculino proibido de ser exercido pelas mulheres! Porém, as mulheres simplesmente almejam um equilíbrio de poder, com os mesmos direitos e mesmos deveres.
As mulheres exiladas brasileiras entenderam que o poder deveria ser conjugado no masculino e feminino e tinham consciência de que as conquistas femininas, em qualquer lugar do mundo, se deram dentro de uma enorme resistência às mudanças estruturais…
Essas mulheres guerreiras que enfrentaram sem medo a ditadura, arriscando, às vezes, a própria vida, passaram, então, a socializar experiências e aprendizados com outras mulheres.
Diferentes centros de pesquisas sobre questões femininas, sobre o papel da mulher nas diferentes esferas do poder foram criados praticamente em todas as universidades brasileiras. Também surgiram várias associações feministas, movimentos de mulheres, centros de mulheres contra a violência.
As mulheres intelectuais na maioria de classe média, algumas de famílias ricas, irão descobrir os bairros populares, as favelas; vão conhecer diversas iniciativas desenvolvidas em “clubes de mães”, organizações sociais, comunidades eclesiais de base, apoiadas pela ala da Igreja Católica progressista. A Teologia da Liberação estava na época muito presente nesses lugares. Elas vão estabelecer contatos com mulheres simples, confrontadas à outra realidade; além do combate feminista, elas tinham que assegurar o dia a dia.
O baixo nível de educação e a falta de capacitação não permitiam a essas mulheres entenderem certas “divagações” teóricas originarias dos Estados Unidos e Europa abraçada por uma intelectualidade feminista. O encontro entre esses dois universos, um oriundo da pequena e da grande burguesia, outro de mulheres humildes, que levam uma batalha dura para sobreviverem, vai ser extremamente profícuo a evolução da causa feminista brasileira.
Temas até então considerados tabus vão surgir nas discussões, tais como: as diferentes formas de violências feitas às mulheres, o controle da natalidade, o uso de preservativos, a contracepção, a apropriação do corpo, dentre outros. A militância feminina vai então sair da capela intelectual para contextualizar a realidade para depois conceitualizá-la. Uma nova perspectiva de lutas se abre agregando novas temáticas às pesquisas universitárias. Seus resultados vão dividir certas correntes do feminismo brasileiro. Por exemplo, a noção de gênero passará a ser uma temática transversal dentro de todos os movimentos sociais que lutam para transformar a realidade bras
ileira. A questão do exercício da cidadania passa a ser uma questão sine qua non para as mulheres que passarão a ocupar todos os espaços para democratizar os poderes, sejam elem na esfera doméstica, social ou na esfera do Estado.
Esta reafirmação de igualdade não é em nenhum momento reivindicada em detrimento das diferenças. Os homens serão também associados à questão do gênero. O movimento das mulheres e o movimento feminista terminarão por ser entender e sairão dos centros urbanos para a periferia e para a zona rural.
O feminismo pragmático que contextualiza a realidade para poder agir em consequência, sem negar a necessidade teórica, ganha terreno e legitimidade. A teoria feminista brasileira se enriquece e o feminismo muda também de pele e de classe social. Ele passa a ser mestiço, preto, branco, colorido e popular. As mulheres excluídas passam a ser sujeitos políticos. Pouco a pouco elas deixam de serem invisíveis e irão participar em todas as frentes de combates, principalmente na democratização do Brasil.
Assim vai a mulher brasileira conquistando o espaço político e se impõe como interlocutora visível nas transformações sócio-politica-cultural-ambiental e econômica do Brasil. Sem nenhuma pretensão podemos dizer que as mulheres brasileiras não esperaram pelos homens políticos para validar seus direitos; elas participaram ativamente na nova constituição e formam um grupo de pressão fundamental para o fortalecimento e inovação da vida política brasileira. A paridade não se decreta; a paridade se conquista.
Estou convicta de que as mulheres brasileiras votarão em Dilma. Votarão em Dilma não pelo fato de ser mulher; votarão em Dilma porque ela foi também protagonista de nossa historia de lutas por um Brasil democrático e sem exclusão social, nem política.
As mulheres brasileiras, mesmo sabendo que Dilma é uma aliada, continuarão como grupo de pressão político, a fim de ajudar o Governo de Dilma a continuar com a missão do governo Lula. Contamos contigo, mulher guerreira, para que possas mudar a concepção e a prática do desenvolvimento, que não seja pautado somente no econômico, um desenvolvimento ainda mais humano, mais solidário, mais articulado setorialmente, onde o econômico não massacre a natureza, onde a cultura, a educação sejam privilegiadam e que nenhum serviço público seja transformado em valor mercantil, submetidos a resultados econômicos. Um verdadeiro desenvolvimento que possa reduzir ainda mais as desigualdades sociais, as discriminações de toda ordem. Com a participação ativa da cidadania política, seremos capazes de construir uma sociedade mais fraterna em que mulheres e homens se apropriem e cuidem bem desse imenso território chamado Brasil.
[Marilza participou do movimento feminista na França e como responsável de projetos numa agência Francesa de desenvolvimento apoiou varias organizações feministas no Brasil e América do Sul].
* Consultora Internacional na área do desenvolvimento territorial integrado e sustentável. Dra. em economia